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Paulo Borges anuncia SPFW para novembro e prevê compromisso contra racismo

Desfile da Uma durante a 40ª São Paulo Fashion Week, em outubro de 2015 Imagem: Adriano Vizoni - 19.out.2015/Folhapress

Letícia Sepúlveda

Colaboração para Universa

23/07/2020 04h00Atualizada em 23/07/2020 10h51

No dia 12 de março deste ano, Paulo Borges reuniu equipe e as principais empresas de moda do país e decidiu que não haveria a edição número 49 da São Paulo Fashion Week, prevista para dali a um mês. "Foi a primeira vez em 25 anos que isso aconteceu. Fomos na contramão dos governos municipal, estadual e federal, cancelamos antes de qualquer decreto", diz Borges, que fundou e comanda o maior evento de moda do país.

Este 2020 havia sido traçado para trazer novidades e celebrar os 25 anos da SPFW. Mas a pandemia inverteu planos e lógicas, brecou o consumo e impôs novas atitudes. Em conversa para Universa, Borges diz que a edição de número 50 acontecerá entre os dia 4 e 8 de novembro -a previsão inicial era de que o evento ocorre em outubro. Ele conta que as marcas já estão preparando suas coleções para os desfiles -que devem sofrer mudanças substantivas para seguir as orientações sanitárias e garantir segurança aos participantes.

Na entrevista, ele conta afirma também que as marcas que desejarem fazer parte do evento precisarão estar alinhadas com os valores da SPFW -como isso será feito ainda é fruto de discussão. "O participante precisa ter princípios e ideais em comum com os nossos." Leia a seguir, trechos da conversa.

UNIVERSA - Esse era para ser um ano de comemorações pelos 25 anos do maior evento de moda do país. Como foi a tomada a decisão de adiar a edição de abril da SPFW?

PAULO BORGES - A gente entende que estamos próximos dos trinta, então fizemos um desenho de como seria 2020 enquanto celebração, mas já visando os caminhos que queremos mostrar para todo mundo. Pensamos que a partir deste ano todo o processo se transformaria. Começaríamos em abril e seria tudo espalhado pela cidade, em lugares abertos e icônicos, já tínhamos esse conceito de trabalhar com diversidade de ambientes e formas. Além disso, tudo seria transmitido de forma digital, para que as pessoas pudessem ter um maior acesso.

Ninguém estava pensando em pandemia. No dia 12 de março, pegamos as pessoas de surpresa e divulgamos que iríamos cancelar a temporada. Foi a primeira vez em 25 anos que isso aconteceu. Fomos na contramão dos governos municipal, estadual e federal, cancelamos antes de qualquer decreto. Juntei a minha equipe, falei com a prefeitura e com nossos patrocinadores, para avisá-los desta decisão. Pegou todo mundo de surpresa, mas depois de algum tempo, entenderam que era necessário. Eu acredito que a moda deveria acompanhar e lançar movimentos em todas as questões que o mundo está vivendo. O futuro para mim é o que acontece hoje, cada dia precisamos ter ações e gestos que o vão delineando.

Muitos tem explorado as possíveis mudanças que essa experiência de isolamento pode trazer, inclusive na forma como nos vestiremos e escolheremos nossas roupas. Para você, algo vai mudar?

Eu sou uma pessoa otimista e humanista, vejo ganhos muito importantes para a questão da humanidade. A reflexão sobre consumo, propósito e atitude é o grande benefício que o isolamento social nos trouxe. Precisamos pensar no que estamos fazendo para ter um mundo mais sustentável, a necessidade do coletivo precisa ser centrada na questão do individual, de dentro para fora. Mas apesar dos ganhos e das transformações, acho que algumas coisas ainda irão voltar.

Quando a gente começar a poder circular novamente, acredito que o ritmo de consumo vai voltar a ter um fluxo maior, quase igual ao que já teve.

Só não será nesse curto prazo, porque sairemos de um mundo com menos dinheiro, com mais desemprego e feridas emocionais, mas isso tudo se cura. Acho que teremos um ganho maior, para depois voltar para o modelo que já tínhamos.

A edição de outubro do SPFW está mantida? Que mudanças podemos esperar em relação às edições anteriores?

Mudamos a Fashion Week para 4 a 8 de novembro, para ganhar mais tempo de acomodação e de entendimento dos protocolos do evento. A edição já está sendo feita, tenho falado diariamente com estilistas e parceiros. Estamos acelerando um processo que iríamos introduzir em abril [de 2021].

Tiramos algumas coisas da agenda por conta dos recolhimentos, então não haverá nenhum convidado vindo de fora do país.

Inclusive, estamos pensando em ferramentas para que jornalistas de outros lugares do Brasil não precisem sair de suas cidades para cobrir o evento.

Teremos o físico com o digital, já que os ambientes dos desfiles podem ser construídos com o distanciamento que for necessário entre os convidados e entre a equipe. Enquanto não tivermos uma segurança na questão da saúde, algumas adaptações precisarão ser feitas. Vamos fazer os desfiles em uma sala maior, temos um desenho para receber 400 pessoas, mas se tiver que ser bem menos, tudo bem. A Semana vai ter um ganho de interação e de acessibilidade enorme, mas isso tudo só é possível porque estamos discutindo esses detalhes há muito tempo, bem antes da pandemia começar.

A edição de abril [que foi cancelada] já não tinha a estrutura que normalmente fazíamos, ela seria completamente espalhada pela cidade. Desta vez, não teríamos uma Bienal montada, vários lugares iriam receber os desfiles e tudo também seria muito mais digital. Claro que os estilistas já estavam trabalhando nas coleções, mas não tínhamos nada montado ou em produção, porque seria uma edição muito diferente. É maluco dizer isso, mas essas mudanças foram quase como uma premonição do que iríamos enfrentar.

Paulo Borges durante desfile da Lenny Niemeyer, em 2017 Imagem: Marcus Leoni/ - 29.ago.17Folhapress

Com isso, a Conferência Internacional não vai mais acontecer? Como o SPFW+ será replanejado?

Nós decidimos transferir a Conferência Internacional (que seria sobre sobre criatividade, com a participação de convidados nacionais e internacionais) para a programação do ano que vem, neste ano ela não acontecerá. Os encontros criativos que fazem parte do Festival SPFW+ começarão a acontecer em setembro e outubro, neste momento estamos nos preparando para que eles aconteçam de forma digital e de maneira interativa. No projeto inicial, os encontros aconteceriam no Farol Santander, onde cabem 100 pessoas na sala, então já tínhamos programado a opção streaming para todo mundo que se inscrevesse. A diferença é que agora talvez esses encontros só possam ter 20 pessoas, ou apenas os palestrantes.

Você tem feito com Graça Cabral algumas entrevistas ao vivo pelo Instagram do SPFW, com pessoas que fizeram parte da trajetória do evento. Como está sendo sua repercussão?

Esta ideia também foi pensada no ano passado. O São Paulo Fashion Week é a única semana de moda no mundo que tem tema e isso existe para usar o tempo, a atenção e o protagonismo da moda e do evento, para introduzir discussões de educação, transformação e colaboração.

Tivemos grandes artistas de áreas diversas trazendo questões para dentro do SPFW, temos histórias, memórias e imagens inacreditáveis e que a gente quer agora começar a contar e a mostrar, porque muitos percursos que começaram no evento se transformaram em segmentos, carreiras e em grandes nomes de várias áreas.
Fizemos isso para aquecer a autoestima de todos que estão envolvidos no processo, e também para resgatar um conhecimento que é uma memória dos últimos 25 anos da moda. Tudo que fizemos foi pensando nas gerações do futuro, neste legado de pertencimento.


Pensar a produção dividida em duas temporadas ainda faz sentido para os estilistas brasileiros? Como isso impacta o formato da SPFW?

O desfile dentro de uma semana de moda é uma mensagem, que acontece em um tempo de construção da imagem daquela marca. Tem gente que faz desfile uma vez por ano, tem gente que faz quatro? A gente optou por ter dois momentos, mas não necessariamente todo mundo que participa do evento está presente nessas duas vezes do ano, alguns já estão só uma vez, porque têm o seu tempo e a gente entendeu que esse tempo precisa ser respeitado.

Há cinco anos, nós paramos de usar a nomenclatura primavera/verão ou outono/inverno, porque a velocidade de criação, produção e entrega é muito maior do que o tempo da estação.

Eu acredito que mais para frente esses dois momentos podem ter intensidades diferentes, mas não acho que o evento adotará um modelo diferente.

Desfile de estreia de Angela Brito na última edição da SPFW Imagem: Rodrigo Moraes - 16.out.2019/THENEWS2/ESTADÃO CONTEÚDO

Ronaldo Fraga apresenta coleção na SPFW de 2016 Imagem: Alexandre Schneider/UOL

Durante esses últimos meses, com a explosão dos protestos contra a morte de George Floyd nos Estados Unidos, aqui no Brasil também houve manifestações e denúncias de modelos negras, que retratavam situações de preconceito e sofrimento durante a seleção para desfiles. Como tornar a próxima edição mais inclusiva para além das cotas?

Eu fiz parte de um grande diálogo recentemente que viralizou bastante, abri o meu canal para ouvir o que as pessoas queriam dizer e foi muito emocionante. Esse é um tema vital para a minha vida, primeiro pela questão que eu falo de pensar no humano, e segundo porque eu absolutamente acredito na igualdade. Nestes 25 anos fizemos muita coisa no SPFW que ajudou em transformações. Com todas essas questões, tem um momento em que esse foco terá que ser maior e nós, como agentes de transformação, precisamos trazer grandes mudanças nesse sentido.

Também vamos colocar mais regras. Se há interesse em fazer parte do evento, o participante precisa ter princípios e ideais em comum com os nossos. A gente está discutindo isso e ouvindo muito, para não nos precipitarmos.

O racismo estrutural é uma correção que o mundo precisa fazer em todas as áreas e em todos os ambientes e eu entendo que a responsabilidade do SPFW, que tem uma atenção coletiva e que gera uma aspiracional de autoestima, de identidade e que pode provocar mudanças, é muito grande neste aspecto.

Nesses 25 anos, você acha que em algum momento o SPFW deixou de olhar ou olhou menos do que poderia para questões de representatividade e diversidade?

Não acho, e não me incomoda nunca essa questão do "ih! errei!", porque não trabalhamos com a certeza, ou com o ambiente que já conhecemos, sempre buscamos experimentar questões que ainda não foram experimentadas, e nesse ambiente o risco é enorme.

A gente nunca fez uma edição igual a outra, e isso não era uma questão cenográfica, era uma questão de aprendizado. Você só vai aprender, se pisar em um lugar que ainda não conhece, se fizer algo que ainda não tem domínio, para ganhar repertório e experiência. É óbvio que você pode errar, o erro faz parte, e provavelmente nós erramos em algumas coisas, que para mim não é vital. É muito importante errar e poder corrigir, é aí que você cria um aprendizado.

Nesses quatro meses, qual tem sido o maior impacto da pandemia na indústria da moda?

A falta do fluxo de consumo, porque isso estrangula o processo em escala. A moda é muito resistente e resiliente, tem procurado manter ao máximo os processos e as pessoas envolvidas.

E em relação à criação?

Eu acho que neste aspecto o impacto é positivo, eu acho que este momento de reflexão trará mais repertório. Tem lógicas na criação que já estão sendo muito repensadas e discutidas, acho que o ganho criativo vai ser grande.

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