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Sem as mãos, mulher vira costureira e cria suas próprias peças

A costureira Alcilene Moraes Nunes  - Arquivo pessoal
A costureira Alcilene Moraes Nunes Imagem: Arquivo pessoal

Simone Machado

Colaboração para Universa

22/07/2020 04h00

Quando tinha apenas um ano e três meses de vida, a casa onde Alcilene Moraes Nunes morava com os pais e os 12 irmãos, no Pará, pegou fogo. As chamas atingiram principalmente o quarto onde ela dormia. Alcilene foi socorrida pelo pai, mas teve queimaduras de terceiro grau por todo o corpo, rosto e couro cabeludo.

Devido à gravidade dos ferimentos, ela teve as duas mãos amputadas. O rosto também carrega cicatrizes dessa época. Mas nada disso a impediu de realizar o sonho de virar costureira.

"Naquela época era tudo muito precário. Nossa casa não tinha energia elétrica e usávamos lampião. Foi por um descuido do meu irmão que a chama atingiu a rede onde eu dormia e o fogo se espalhou. Fiquei um mês internada no hospital e mais seis meses fazendo curativos em casa até que as feridas cicatrizassem", diz Alcilene, hoje, aos 45 anos.

De família humilde, ela se mudou para a capital paulista, aos 28 anos, em busca de uma vida melhor e de tratamento médico para suas cicatrizes. Passou por três cirurgias desde então: duas no couro cabeludo e uma no braço esquerdo.

"Sempre fui independente"

Os médicos propuseram fazer uma reconstituição das mãos, usando ossos da bacia como se fossem dedos, mas, para isso, a costureira precisaria passar por um longo período de recuperação no qual dependeria do marido e das duas filhas para fazer as tarefas mais simples.

"Minha família ainda morava no Pará e eles teriam que vir para cá me ajudar. Meu cérebro teria que entender que agora eu teria mãos e eu teria que reaprender tudo. Eu sempre fui muito independente e desisti dessa cirurgia. Não me vejo com dez dedos", diz.

Apaixonada por desenho, pintura e artesanato, Alcilene confeccionava e vendia caixas decoradas, sabonetes artesanais e lembrancinhas para festa para sobreviver, mas ela queria mais: sonhava em ser costureira. Em 2010, começou a dar seus primeiros passos no ofício. No início, fazia apenas o básico, como consertos em roupas usando a máquina de costurar.

Ainda com pouca desenvoltura na costura, ela foi se adaptando e encontrando a sua própria maneira de segurar a linha e a agulha com a sensibilidade que tem nas pontas dos braços. Com o tempo e muito treinamento, conseguiu colocar a linha na agulha, pregar botões e costurar zíperes. "Eu jamais desisti de fazer algo antes de tentar. Consigo fazer tudo o que as pessoas fazem, talvez eu só demore um pouco mais. Mas, depois que eu aprendo, não vejo dificuldade, faço como uma pessoa normal", diz.

Em 2016, Alcilene ganhou uma bolsa estudantil e começou a cursar corte e costura.

"Para aprender a costurar melhor, eu fiz um curso no Senai. Quando terminei, já ingressei no de modelagem. Assim, eu poderia desenhar meus próprios modelos de roupas", conta.

Produção requisitada

O curso de modelagem deu a Alcilene o conhecimento de que ela precisava para confeccionar suas peças. Usando todos os tipos de máquinas —da reta à overloque -, ela confecciona as mais variadas peças, além de fazer alguns consertos.

"Vestido, calça, faço tudo o que me pedem. Só não faço vestido de noiva ainda. Começo a trabalhar logo cedo no meu ateliê e vou até a noite. Muitas vezes levo serviço para finalizar em casa para conseguir atender toda a clientela", diz.

Alcilene envia peças da sua confecção, com foco em roupas evangélicas, para cidades do Pará e da Bahia, além de São Paulo.

Vestidos para as bonecas

A paixão e o talento pela costura foram herdados da mãe. Alcilene lembra que, quando era criança, passava horas observando a mãe costurando.

"Minha mãe fazia as roupas que nós usávamos. E eu adorava ficar olhando. Para as meninas, ela fazia os vestidos todos iguais. Eu não gostava, sempre dava palpite e queria que ela fizesse algo diferente para mim", diz.

Naquela época, Alcilene já se arriscava na costura. Tentava modificar seus vestidos para que não ficassem iguais aos das irmãs mais velhas e também confeccionava roupinhas para as bonecas.

"As roupas não ficavam muito boas, mas eu continuava tentando. Eu acho que, quando você tem força de vontade e deseja muito algo, você consegue fazer."