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Cantora que sofreu relacionamento abusivo quer ouvir os homens sobre o tema

Cantora Gabz sofreu relacionamento abusivo e incentiva conversar com homens sobre isso - Mariana Maux/Divulgação
Cantora Gabz sofreu relacionamento abusivo e incentiva conversar com homens sobre isso Imagem: Mariana Maux/Divulgação

Luiza Souto

De Universa

22/07/2020 04h00

Aos 21 anos, a cantora e atriz Gabz já estrelou a última temporada de "Malhação", cantou no Rock in Rio e acumulou quase 500 mil seguidores no Instagram. E também viveu relações tóxicas e abusivas. A última durou dois anos.

Além de compor uma música para lidar com as traições e manipulações que envolveram o relacionamento abusivo com o ex ("Insegurança", que ela lança no próximo dia 30), ela diz que aproveitou a reflexão para também escutar os homens. No início de julho, ela foi aos seus mais de 51 mil seguidores no Twitter e pediu ao público masculino para relatar se já tinha passado por relações abusivas. Recebeu mais de 400 respostas.

Carioca de Irajá, na zona norte do Rio, fala ainda sobre o racismo que enfrenta desde a infância e sobre assumir a bissexualidade. "Quando adolescente, tinha um discurso mais agressivo. Hoje, consigo ter diálogo."

Por que fazer essa música agora?

No início da quarentena, eu estava refletindo sobre o porquê de trabalhar muito e deixar minha saúde mental de lado. E descobri que adotei esse estilo de vida porque tive um relacionamento abusivo no passado, com traições, e a minha forma de me curar foi trabalhar. Perdi meu foco e a autoestima. Tinha vergonha de falar sobre isso, sobre como vim parar nesse lugar de novo, em outro relacionamento parecido. E a música saiu como um desabafo, como algo que queria dizer para meu último namorado.

Na letra, você fala em insegurança, em não saber se estar longe ou perto da pessoa era ruim. Era isso que você sentia?

Sim. E percebi que, embora tenha escrito essa música para outra pessoa, muito do que estou dizendo ali eu poderia falar diante do espelho, porque cobrei afeto de alguém sendo que eu não estava me dando afeto. Mandei a letra para outras pessoas e percebi que elas têm a mesma sensação. Incluindo os homens. Nesse processo, descobri que um dos meus melhores amigos passou por um relacionamento abusivo. Mas nunca falou sobre isso. Então queria falar sobre como não tocamos em certos assuntos e como construir um afeto mais honesto conosco.

Por isso resolveu escrever o post para ouvir os homens?

Sim. Quis entender o que estava acontecendo com eles. É difícil falar sobre isso. A maioria dos meninos tem vergonha. E percebi que não conversar faz esse homem estar no lugar de abusador, por ser uma saída mais fácil. Não estou desculpando ninguém nem tirando o peso do que foi feito, mas isso tem que ser discutido. Para quem vem do subúrbio, por exemplo, é corriqueiro entender relacionamento como algo que vai ser um problema, ter traição ou manipulação. E quanto mais você não discute isso, mais vive aquela relação tóxica. Isso me fez, inclusive, querer ter uma conversa com a pessoa com quem tive um relacionamento tóxico, pra gente conseguir seguir em frente.

Que tipo de retorno você teve dos homens?

Fui vendo que a grande maioria falava de namorada controladora, que foi se tornando agressiva. E que meninos ditos fora do padrão, como os gordos, sofriam mais com isso. Os negros também. Esses sofrem muito com o racismo e com os esteriótipos que recaem sobre eles. Sempre me relacionei com homens negros e a autoestima deles é muito abalada. Não tirei nenhuma conclusão de como melhorar isso, mas entendi que dialogando a gente consegue se curar. Homens e mulheres têm dificuldade de conversar entre si sobre afetividade e, se não falam, sempre vão se machucar pelas mesmas coisas.

A gente subestima a seriedade do que é um abuso psicológico e do que isso pode causar na vida de alguém.

E como foi a reação das mulheres?

Também perguntei se a pessoa consegue se assumir abusiva porque a gente tem uma questão moralista que é criticar quem trai, enquanto faz a mesma coisa. E muitas meninas se assumiram abusivas, mas, no fim das contas, vi que, na verdade, elas se culpam muito por coisas que não fizeram. Já aconteceu comigo. Estive numa situação em que desconfiava da traição e, quando fui confrontar a pessoa, ela me chamou de abusiva, queria provas. Era uma forma de o cara sair daquela situação. Sempre me culpei por tudo de errado que acontecia na relação, pela pessoa me trair. E me vi stalkeando alguém, mudando o meu comportamento. Falei: "Essa não sou eu". Uma coisa muito ruim de quando você sofre gaslighting (manipulação) é que você não entende o que é a realidade. Isso machuca. É como se tivesse perdido dois, três anos da minha vida em que não sabia o que era ou não verdade. Por isso foi importante ter a conversa e entender o que aconteceu.

Como era esse seu último relacionamento?

Ele me colocava num altar, mas me via como alguém que não podia errar, como demorar a responder uma mensagem. Para ele, isso era muito grave, mas se ele me traía, tinha uma justificativa e era perdoável. Já chegou a dizer: "Eu até posso ter feito o mesmo, mas é que de você eu não esperava". Então ficava esse jogo entre duas pessoas com a cabeça ferrada se machucando. Tivemos uma grande discussão, no meio da quarentena, e ele me falou algumas coisas que não consegui confrontar. Então escrevi essa música para tentar mostrar para ele o que doía em mim. Poxa, sou uma mulher negra e já tenho muito problema de autoestima por isso. Achava que nunca ninguém ia querer me assumir, embora eu não seja um crime para ser assumida. Me sentia insuficiente. E fiz essa música para dar essa resposta e tentar fechar esse capítulo de alguma forma.

Quais as consequências dessa conversa?

Depois de falar com ele, vi que a única coisa que podia fazer era me encarar. Não tenho culpa por ter sido traída ou enganada. Eu tenho é responsabilidade sobre mim. Ele passou pelos processos dele também, de entender o comportamento dele. Mas tem casos e casos. Em alguns, não dá para tentar nem conversar. Ele é bem consciente de tudo que aconteceu, do que fez de errado. E na música eu falo: "Não vou te dizer que te culpo ou te perdoo", porque não sei se é isso agora. E tudo bem também. Tenho o meu tempo.

Recentemente, você fez um post em homenagem ao seu pai, no Instagram, mas começou falando sobre o medo de ter filhos pretos nesse mundo. Por que sente esse medo?

Esse medo é uma constante. Inclusive, nos meus relacionamentos, era uma conversa que eu tinha. Tenho medo de que meu filho sofra, e ele vai sofrer racismo. Mas o medo é do tamanho da minha vontade de ter esse afeto. Tenho muita vontade de ter um filho para olhar para a frente e saber que estou construindo soluções. Tive a honra de ter a família que tenho e pensar em ter um filho me dá esperança de ver um mundo melhor. Meus pais estão juntos até hoje e sei o significado da família dentro da minha comunidade. Núcleo familiar é algo muito importante, de apoio, principalmente quando se vem da periferia.

Quais situação de racismo mais te marcaram?

Passei por casos mais explícitos de racismo na infância. Tinha a autoestima maravilhosa em casa, mas, quando saí para a rua, me excluíram. Devia ter quatro anos de idade quando estava num parquinho brincando e começaram a zoar meu cabelo. Fui para um canto. Foi violento porque fez com que a minha personalidade mudasse para sempre. Nunca cheguei num lugar público e tomei a frente de algo. Nunca fui sociável pra caramba. Esse tipo de episódio me fez tomar cuidados. Li uma entrevista em que o Djavan fala que o fato de ser tímido tem a ver com a questão racial. É isso. Minhas inseguranças têm a ver também com esse lugar.

Sua família acolheu bem a sua bissexualidade?

Tenho muito orgulho do meu núcleo familiar. Foi um processo para meus pais entenderem minha bissexualidade. E para minha avó paterna, com quem morei um tempo, também. Fiz um filme, "Ana e Vitória", em que eu beijo uma menina, e meus pais falaram que minha avó ficou meio que assistindo um pouco aquilo... Era novidade, mas ela tem um afeto por mim antes de qualquer coisa. Minha família sempre me acolheu. Quando adolescente, tinha um discurso mais agressivo, de que isso tem que ser assim e dane-se. Acho que, enquanto bissexual, não devo satisfação, mas hoje consigo ter diálogo. Tive uma criação muito privilegiada nesse sentido.