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Políticas experientes ajudam novatas a encarar ataque na campanha eleitoral

Keitchele Lima é pré-candidata a vereadora e foi mentorada em programa de orientação política - Reprodução/Facebook
Keitchele Lima é pré-candidata a vereadora e foi mentorada em programa de orientação política Imagem: Reprodução/Facebook

Camila Brandalise

De Universa

13/07/2020 04h00

Keitchele Lima é uma mulher negra, moradora do bairro da Brasilândia, na periferia de São Paulo, tem 29 anos e um objetivo para 2020: ser eleita vereadora. Do mesmo projeto compartilha a administradora Amanda Brito, 33, da cidade de Catu, no interior da Bahia e portadora de uma doença conhecida como ossos de vidro.

Para entender os percalços e as necessidades de uma campanha política, as duas novatas foram aconselhadas por outras mulheres, eleitas ou que já concorreram a um cargo, na primeira edição exclusivamente feminina do programa Orienta, da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), que faz parte de outro programa, o Prepara, oferecido pela organização e voltado para a formação de lideranças políticas. A rede existe desde 2012 e conta com 677 membros de 29 partidos e de todos os estados brasileiros. Entre os nomes que integram a lista de membros estão os deputados federais Tabata Amaral (PDT-SP) e Alessandro Molon (PSB-RJ) e a deputada estadual Marina Helou (Rede-SP).

A mentoria foi feita entre maio e junho deste ano. No total, participaram do programa 18 mulheres de partidos variados, de PT e PSDB a DEM e PSOL. Os encontros entre mentoras e mentoradas, pelo menos dois durante esse período, foram realizados virtualmente. Mesmo antes da pandemia, nas duas edições anteriores, era por meios digitais que, normalmente, as duplas conversavam.

O projeto foi dedicado às candidaturas femininas devido à baixa representação delas nos cargos políticos. "Mulheres são mais de 50% da população brasileira, mas só 15% do Congresso e 12% das prefeitas. Precisamos que esses lugares se tornem mais diversos", diz Monica Sodré, diretora-executiva da Raps. "Sempre fomos mais procurados por homens, brancos e de São Paulo. De alguns anos para cá, há mais interesse de grupos subrepresentados, como o feminino e o LGBT." A seleção dos participantes é feita por meio de um processo interno e pode se candidatar quem já é integrante da Raps.

"Entendi que posso colocar em xeque o dinheiro do partido"

Ativista pela equidade racial, Keitchele começou a militar aos 13 anos. Mas foi só em 2019 que decidiu entrar para a política institucional. Integrante da Educafro, ONG pela inclusão de negros e brancos pobres no ensino superior, ela se filiou ao PSOL e começou a desenhar seus objetivos.

"As propostas criadas na Câmara de Vereadores não chegam na Brasilândia, não chegam na negritude. É o momento de fazer política pública em primeira pessoa, de colocar a periferia no centro do debate. Não quero mais ser só citada em estatística nem que falem por mim", diz.

Ela conta que já havia trabalhado em uma campanha eleitoral, em 2018, mas que ter que encampar a própria candidatura exigiu coragem. "Não conseguia me ver assumindo um cargo, parecia que não era para mim."

Por isso, as conversas com Mariana Janeiro (PT-SP), candidata a deputada federal em 2018 e a vereadora por Jundiaí (no interior de SP) neste ano, a ajudaram a dar um norte ao projeto e a prestar atenção em outros pontos da candidatura além das questões técnicas.

"Ela é uma mulher preta também. Isso fez toda a diferença para mim. Não só pela questão da representatividade, mas porque pude falar de situações que vivi ou posso viver, como ataques racistas, que ela entende", diz.

Uma das dicas que surpreenderam a futura candidata foi o cuidado que é preciso ter com as fotos postadas nas redes sociais. Pode parecer uma questão menor, segundo a política mais experiente, mas é importante para evitar um desgaste psicológico.

"Quando uma mulher está disputando uma vaga na política institucional tem muito assédio. Ela é hipersexualizada, principalmente a mulher negra, ou ridicularizada. A Mariana disse que não sai uma foto dela nas redes que ela não aprove. E ressaltou que não podemos deixar ninguém pautar nossa candidatura pela aparência que temos", afirma.

Também diz ter aprendido que não é por ser novata no partido que não merece verba. "Entendi que posso colocar em xeque o dinheiro do partido, que há uma quantia que tem que vir para mim. O fato de eu não estar na sigla há anos não me faz menos importante."

No PT desde 2015, Mariana salienta a importância de mulheres se unirem em um espaço majoritariamente masculino. "Sinto como se fosse um dever participar. Cheguei onde estou [ela é secretária nacional de Mobilização do partido] porque tive muitas oportunidades, apesar de ser mulher, negra e mãe. Preciso retribuir isso em alguma medida e tive essa chance na mentoria", diz.

"Ela disse que haveria intimidação e que eu deveria estar preparada"

Amanda Brito - mentorada Raps - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Amanda Brito também pretende se candidatara vereadora, e foi mentorada por outra mulher que já ocupa essa função
Imagem: Reprodução/Facebook

Amanda Brito, de Catu, na Bahia, também está envolvida com movimentos sociais, mas por outra causa: a de pessoas com deficiência. Sua bandeira diz respeito ao seu próprio histórico de vida: Amanda nasceu com uma doença rara chamada osteogênese imperfeita, também conhecida como ossos de vidro.

Na mentoria, recebeu conselhos da vereadora Janayna Gomes Silvino (PR),de Itapoá (SC). "Ela foi longe. É importante ouvir outra mulher que acredita na democracia, na representatividade. Me ajudou muito falando sobre a importância de eu me sentir confiante, principalmente porque nós duas somos de cidades pequenas", conta. "Janayna me disse, primeiro, que eu não deveria me sentir intimidada nem constrangida porque provavelmente pessoas próximas a mim também concorreriam. E, segundo, que haveria uma tentativa de intimidação, por eu ser mulher e nova na política, e que eu deveria estar preparada."

Amanda conta que, mesmo em pré-campanha pelo Podemos, os ataques já começaram a acontecer. "Eu saí de Catu para estudar em Salvador, depois trabalhei no Rio de Janeiro, ficam me questionando o porquê de ter voltado. Também comecei a fazer um trabalho social, ajudando famílias vulneráveis com doações. Passei a receber comentários de que era interesse, só para me eleger. Tentaram até hackear meu Instagram", afirma. "É impressionante como o trabalho em si fica em segundo plano."

Para Janayna, é uma inspiração ver mulheres como Amanda querendo mudar a realidade local. "Ela tem todo o potencial. Às vezes, se sente intimidada por candidatos mais fortes. Mas disse para evitar qualquer intimidação. Eu, por exemplo, sou a única mulher dos nove vereadores da minha cidade. Precisamos marcar nosso espaço."