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Quando marca de luxo copia sem mostrar fonte fica feio, diz Walério Araújo

O estilista pernambucano Walério Araújo  - Zanone Fraissat/Folhapress
O estilista pernambucano Walério Araújo Imagem: Zanone Fraissat/Folhapress

Natália Eiras

Colaboração para Universa

07/07/2020 04h00

O estilista Walério Araújo, pernambucano da cidade de Lajedo, conta que as sandálias de couro de bezerro são muito comuns em sua terra natal. Para ele, não há problema que uma marca de luxo como Prada se inspire nos artesãos pernambucanos para produzir uma peça de alto valor agregado. "É bom para mais pessoas conhecerem uma história tão forte, tão bonita quanto a do povo nordestino", diz. Mas, conta, a inspiração precisa ser lembrada.

Um calçado calçado lançado há poucos dias como parte da coleção de verão da marca italiana recebeu muitos comentários nas redes sociais por ser semelhante ao modelo tradicional nordestino, que na feira de Caruaru, por exemplo, pode ser encontrado por volta de R$ 50. A versão com etiqueta italiana, também feita em couro e com solado em borracha, custa cerca de R$ 4.000. A diferença de valores também não incomoda Walério. "A sandália feita pelos artesãos nordestinos costuma ser mais rústica, enquanto a Prada deve ter um outro acabamento. Além disso, os clientes da marca poderem pagar por esse preço", avalia.

Para Universa, o estilista conta que ele mesmo já "se apropriou" do acessório: em seu desfile de 2011, ele colocou sandálias feitas na cidade de Cachoeirinha, próxima a Caruaru, na passarela. "Usei na minha coleção masculina e, para a feminina, pedi para Fernando Pires copiar o modelo, mas incluir saltos e plataformas de madeira". Assim, beber na fonte da cultura nordestina não é tabu para o artista, o problema é quando a marca não conta de onde veio a ideia. "Fica feio é quando não falam qual foi a inspiração. Essa vista grossa é um absurdo."

prada - Divulgação - Divulgação
Sandália Prada, que fez alguns brasileiros questionarem a marca de luxo sobre a inspiração
Imagem: Divulgação

Sandália de cangaço

A sandália em questão, que fez até a atriz Regina Casé mandar um recado para a Prada, tem uma história marcante. O couro de bezerro faz parte da cultura nordestina há muito tempo, mas usar acessórios e vestimentas com o material ficou popular por conta do cangaço.

"Lampião e Maria Bonita usavam ternos e sandálias de couro para se proteger do ambiente em que estavam. A sandália, por exemplo, é fresca, mas tem um solado grosso, de borracha, que evitaria que os pés fossem perfurados", fala Rosimere de Sousa, mestre em moda pela Universidade Católica do Sagrado Coração, em Milão, especialista em design de calçados e estilista da marca Gorros da Sorte. "A partir do uso dessa figura ilustre, esse acessório se tornou um ícone da cultura nordestina."

É por isso que Walério lembra das sandálias desde a sua infância. "Meus tios usavam para trabalhar na roça. Elas eram muito presentes", diz o estilista. Tanto que, quando viaja para Lajedo, ele compra o acessório para si e para os amigos. "Elas são resistentes e, quanto mais você usa, mais ela fica macia", afirma. Rosimere lembra que, apesar de ser algo tão presente e icônico, a sandália não foi patenteada. "Mas, ainda assim, a Prada poderia ter feito um design diferente do que o do sapato nordestino", aponta.

Copiar, se inspirar, repetir

"No processo de criação, é comum usar um repertório que pode vir da arquitetura, da natureza. O papel do design é inovar a partir da referência. Adaptar a estética ao tempo ou à tecnologia", explica Rosimere de Sousa. Foi o que Walério fez ao colocar saltos e plataformas nas sandálias compradas em Cachoeirinha. "Isso é bem comum, mas não foi o que a Prada fez."

A designer de calçados aponta as semelhanças entre a sandália de R$ 4.000 e o item de R$ 50: "É a mesma fivela dourada, o mesmo solado de couro, o trecê também está presente. Até a forma que o nome Prada foi impresso é muito semelhante ao tipo usado no Nordeste. Essas características são icônicas da região, não teria sido um problema se eles as usassem para criar um novo produto. Ícones do Nordeste podem ser usados, mas o que diferencia é que [a equipe da Prada] se fidelizou demais. Eles não pegaram traços culturais, eles fizeram uma réplica."

Rosimere, que já trabalhou na indústria da moda italiana, não entende como isso pode ter acontecido. "Eles não são amadores. Contam com uma equipe gigantesca para fazer um estudo de repertório para fazer diferente, inovar", afirma.

Nas redes sociais, as imagens da sandália da Prada continuam recebendo comentários de brasileiros inconformados. A marca, no entanto, ainda não se pronunciou. Walério Araújo lembra, no entanto, que essa não é a primeira vez e nem vai ser a última que algo do tipo acontece no mundo da moda.

No ano passado, por exemplo, a grife MaxMara foi acusada de plagiar as vestes étnicas de uma comunidade do Laos, no sudeste asiático. "O que mais tem é estilista que copia e depois se faz de bobo. Eles poderiam dizer que foi inspirado [naquela cultura], ou acham que foi uma coincidência coletiva? Quem fala de moda e consome moda sabe que foi cópia. Aí fica ridículo."