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Cleo: "Sou colocada no nicho sexual para desvalorizarem minhas conquistas"

Cleo está passando a quarentena com cinco amigas Imagem: Divulgação

Ana Bardella

De Universa

04/07/2020 04h00

Mais presença, menos cobrança: se antes Cleo já refletia sobre a importância de uma vida mais leve, durante a quarentena a ideia se tornou quase um mantra. Após um período sozinha, a atriz e cantora decidiu se reunir com cinco amigas em Brasília (DF), a fim de tornar o período menos solitário. Cercada de pessoas que ama, ela reconhece os privilégios de poder ficar em casa com pessoas queridas — e garante que continua empolgada para realizar projetos profissionais ainda este ano.

Cleo faz parte de um grupo de artistas, como Deborah Secco, Tatá Werneck e Paulo Gustavo, que cederam a conta nas redes sociais para convidados negros levantarem debates o sobre o racismo. Durante todo o mês de julho, a filósofa e escritora Djamila Ribeiro estará a frente do seu Twitter para falar sobre o tema que, na visão da artista, é o mais urgente a ser discutido hoje. A seguir, Cleo fala sobre o momento atual e reflete sobre a vida pessoal e a carreira:

Como você tem passado os meses de pandemia? O que te dá mais saudade?

É um momento bem delicado, complicado. Eu reconheço o privilégio de estar passando por essa pandemia com uma rede de apoio. Sei que, infelizmente, muitas pessoas não podem fazer o mesmo. Ainda assim, os meses têm sido de altos e baixos, algo natural para todo mundo. O isolamento mexe muito com a nossa saúde mental. A coisa da qual mais sinto saudade é de poder abraçar as pessoas que eu amo, ter esse contato próximo.

Por que tomou a decisão de usar suas redes para trazer debates sobre o racismo? O que aprendeu desde que começou?

Acredito muito piamente que temos o dever de usar o nosso privilégio para algo bom. Deixar a narrativa na voz de quem tem que narrar, não tirar o protagonismo de ninguém. Então eu abri as minhas redes sociais com o intuito de ajudar a ampliar o espaço, para que essa mensagem chegue até mais pessoas. Temos várias questões sociais em pauta hoje em dia e a mais urgente para mim é o racismo.

Então entrei em contato com perfis que admiro. Alguns já conhecia, tinha proximidade e via que estavam a fim de ocupar esses espaços. Até agora aprendi demais. Todo mundo levantou algum ponto sobre o qual eu não tinha um conhecimento tão profundo, me ajudando a refletir. O Alma Preta Jornalismo, por exemplo, indicou uma lista de filmes sobre privilégios que pretendo assistir. Agora, a Djamila vai permanecer até o final do mês e estou bem ansiosa. Tenho uma admiração gigantesca por ela e me sinto grata em poder dividir esse espaço.

Você considera que assumir posicionamentos sociais é um dever de toda pessoa pública ou faz isso por que sente uma necessidade individual?

Na verdade, acho que é um dever de todo mundo, não só das pessoas públicas. Hoje, com a internet, todo mundo é um influenciador dentro do seu próprio ambiente. Mas é claro que algumas pessoas têm um alcance maior. Acho que esse alcance deve ser bem aproveitado para elucidarmos questões relevantes.

Por outro lado, sempre senti a necessidade de falar a respeito de causas, mas também de vivê-las, estar perto delas. Esse é um ponto muito importante. Praticar a desconstrução de preconceitos, comportamentos e amarras tóxicas é um exercício diário. Reproduzimos sem saber até tomarmos consciência delas. A minha motivação para tocar em assuntos sociais é um dia olhar a minha volta e perceber que dores que antes eram tão presentes, agora estão doendo menos. Dores como as provocadas pelo racismo, machismo, homofobia e outras tantas discriminações não deveriam ser sentidas por ninguém.

Você tem medo da "cultura do cancelamento" e das críticas? Como decide o que vai postar e o que não vai?

Tenho receio sim de como as coisas serão interpretadas e até disseminadas, porque a gente perde o controle sobre como nossas palavras serão reproduzidas no momento em que colocamos elas para fora. Mas isso é natural. Não sinto medo a ponto de me omitir no que é importante e no que me causa desconforto. Mas busco me embasar em tudo o que eu falo. Se for só reproduzir, vira um discurso vazio. Tento entender, aplicar na vida. Mas não existe uma grande decisão sobre o que vou postar ou não. Se ainda não falei, é porque não me sinto segura o suficiente para isso.

Cleo enxerga o machismo em todas as áreas da vida Imagem: Divulgação

Você já foi alvo de comentários de ódio ao falar sobre corpo, sexualidade, relacionamento e até na carreira. Sente que esses ataques estão relacionados ao machismo? Em que área da vida você sente mais o peso da desigualdade de gênero?

Sim, considero que esses comentários são provenientes do machismo, independentemente do assunto que eu aborde. E não tem muito o que fazer nessas horas, a não ser ignorar. Mas sinto o machismo em todos os aspectos da minha vida. Não existe uma área onde ele seja mais concentrado. Se digo algo sobre a forma como desejo levar minha vida pessoal, sou criticada. Mas um cara que toma as mesmas atitudes que as minhas não é. Ou pode até ser, mas sem que as críticas impactem verdadeiramente na vida dele.

Um exemplo é quando me pronuncio a respeito de assuntos como sexualidade e sou automaticamente colocada nesse nicho sexual, que é usado para desvalorizar qualquer discurso ou conquista minha. Mas um homem que fala constantemente sobre isso não é desvalorizado, as palavras dele são colocadas de uma forma natural. São tantos os exemplos de machismo que até me perco neles.

Tudo o que envolve o seu corpo chama a atenção do público. Em algum momento você já se cobrou mais por causa da exposição?

Durante muito tempo existiu uma interferência na forma como eu me enxergava que provinha da imagem que as pessoas esperavam de mim. Acho que essa interferência ainda acontece, embora hoje eu me sinta muito mais protegida.

Na verdade, nunca entendi essa necessidade de projeção das pessoas que me cobram a respeito disso, cobram um corpo que não me pertence mais, esse estereótipo do corpo perfeito. Eu acho brutal.

Atualmente tenho uma rede de apoio que me ajuda a permanecer no entendimento sobre quem eu fui fisicamente há alguns anos e me lembra de que eu não preciso ser assim necessariamente hoje, embora ainda possa. Em certa medida, por estar mais exposta, me cobrei muito sobre isso no passado. Hoje tento não fazer mais isso, embora o peso exista e precise ser trabalhado. Mas é algo que precisa ser discutido com todo mundo, porque não acontece só comigo.

Se pudesse dar um conselho para a Cleo no início da carreira, o que diria para ela?

Diria para não deixar que o medo da opinião dos outros controle demais a sua vida. Durante muito tempo eu me privei de realizar sonhos porque sentia medo de como seria recebida nos lugares que queria ocupar, como seria o pensamento das pessoas. Acredito que tudo acontece no tempo certo, mas deixei que os meus medos me dominassem muito, por um período longo. Hoje sou grata por ter uma equipe que acredita em mim, me ajuda a dar os passos na direção do que eu quero. Mas cansei de ouvir que não podia seguir uma determinada direção porque "não era isso o que as pessoas esperavam de mim".

Na quarentena, muitas pessoas solteiras reclamam da carência. Você também sofre com ela? Atualmente, quais as suas maiores fontes de prazer?

Ah, a carência vem e vai. Estou focada em outras coisas, em uma fase mais tranquila. Mas a carência bate de vez em quando, claro. Uma amiga minha brincou esses dias: "Você semeou antes da pandemia? Se não semeou, minha filha, não vai ter como colher" [risos]. Mas, no momento, minha maior fonte de prazer é procurar me alimentar bem, aproveitar a companhia das pessoas que estão passando a quarentena comigo ou vendo e lendo coisas que me fazem sentir bem. Tento não me cobrar tanto.

Quais os seus objetivos profissionais no momento? Precisou adiar algum plano em função da pandemia?

Estou bem focada no meu álbum novo. No ano passado, já tinha começado a produzir algumas coisas, a pré-compor. Agora estamos organizando os materiais para deixar tudo pronto mesmo. Espero conseguir fazer o lançamento ainda este ano. Mas tivemos que mudar alguns planos, sim. O álbum foi um deles. A produção começaria depois do Carnaval, então estamos bastante atrasados. Além disso, estava previsto continuar o 'Cleo On Demand' [projeto visual exibido pelo seu IGTV], mas tivemos que adiar. No mais, tenho três filmes para lançar. A comédia romântica 'O Amor Dá Voltas', o suspense 'A Terapia do Medo' e um policial, 'O Segundo Homem'. Realmente ainda espero poder fazer tudo neste ano.

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