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"Sempre fui menina": ela realizou sonho da transição de gênero aos 59 anos

Ana Carolina Apocalypse passou pela transição após assistir "A Força do Querer" - Acervo pessoal
Ana Carolina Apocalypse passou pela transição após assistir 'A Força do Querer' Imagem: Acervo pessoal

Ana Bardella

De Universa

26/06/2020 04h00

Desde que entrou para as redes sociais, Ana Carolina Apocalypse tem muitos fãs: todos os dias ela posta mensagens de agradecimento pelo carinho que recebe dos seguidores, que não param de crescer. Além da personalidade atenciosa, o motivo do seu sucesso está também na trajetória de vida. Após 59 anos vivendo com corpo e nome masculinos, ela decidiu passar por uma transição de gênero para exteriorizar o que sempre foi: uma mulher.

A possibilidade de mudança se tornou real depois que acompanhou a novela global 'A Força do Querer', em 2017. A trama mostrou a evolução de Ivana (Carol Duarte), que se percebeu como um homem transexual ao longo dos capítulos e modificou o corpo a fim de adequá-lo à sua verdadeira identidade, se tornando Ivan. Espantada com a semelhança entre as cenas e sua própria história de vida, Ana procurou o SUS e passou por um time de profissionais da saúde para realizar seu sonho.

Agora, aos 62 anos, ela se sente preparada para contar mais sobre o processo:

Menina desde sempre

Ana recebe carinho pelas redes sociais - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Ana recebe carinho pelas redes sociais
Imagem: Acervo pessoal

"Nasci em 1958 e sempre fui menina, mas com corpo de menino. Tenho uma irmã e, quando era pequena, costumava pegar as roupas dela para vestir. Como tinha receio da reação das pessoas, só fazia isso às escondidas, dentro de casa.

Conforme fui chegando à adolescência, comecei a namorar os rapazes. Era muito espoleta, me divertia à minha maneira. Mas o tempo foi passando e perdi dois amigos para o HIV. Aquilo me deixou assustada, pois sou muito cuidadosa com a saúde. Então passei a ser uma pessoa mais introspectiva, acabei me fechando"

Casada com uma mulher

"Segui minha vida dessa forma, contida. Decidi que seria motorista de caminhão. Conheci uma mulher e me casei com ela. Tivemos uma filha juntas. Nunca tive grandes problemas no casamento, mas não era capaz de me enxergar de verdade na relação. Ela sentia vontade, por exemplo, de ter mais um filho, algo que não estava nos meus planos. Então, após 17 anos juntas, nos divorciamos, mas nos damos bem até hoje".

Estalo para a mudança

"Em 2017, comecei a assistir a novela 'A Força do Querer'. A personagem Ivana me chamou a atenção: desde criança os pais a forçavam a usar roupas das quais não gostava. Mais tarde, ela fazia adaptações na vestimenta em frente ao espelho para deixar a imagem menos parecida com o gênero feminino, porque era um menino. No último capítulo, depois de passar por um longo processo, finalmente era chamado de Ivan e podia andar livremente sem camisa na praia.

Eu me sentia exatamente como ele, mas, no meu caso, estava em um corpo masculino. Então pesquisei sobre a transição e procurei o SUS. Primeiro fui encaminhada para um endocrinologista para fazer exames e saber se meu organismo estava apto para a ingestão de hormônios. Em seguida conheci a psicóloga que me acompanha até hoje. Gosto dela e sempre damos risada nas sessões, porque sou muito extrovertida. Também fui acompanhada por um psiquiatra. Por fim, em 2019, fiz a cirurgia para colocação da prótese mamária, que foi para mim a maior das realizações. Estava tão feliz e completa que nem senti dor na cicatrização".

Decisão fácil

"Não sinto que foi uma decisão difícil: pelo contrário, foi natural. No começo, durante as consultas, observava bastante outros pacientes, homens e mulheres trans, porque queria entender tudo sobre o assunto. Nunca tive sequer um problema com a minha família: sou divertida, esclarecida, espontânea. Minha mãe é bem velhinha, dá risada de mim. Minha filha, que já é adulta, acompanhou meu processo: primeiro pintando as unhas de cores discretas, até chegar às mudanças no guarda-roupa, na voz e finalmente à cirurgia. Nos amamos e nos damos muito bem".

Nudes? Não, obrigada

"Na internet sou abordada por muita gente. Alguns me mandam 'Bom dia, vó', outros me chamam de tia. Eu agradeço demais esse carinho. Também tem pessoas que se interessam por mim. E vou dizer: minha libido é como a de uma adolescente, nunca senti solidão. Mas não gosto dessa história de trocar nudes. Eu não tenho esse negócio. Se alguém me pede, recuso com educação, para que ninguém me interprete mal, mas prefiro não mandar".

Uma mulher simples

Oi meus amores. Eu amo muito vocês.

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"Se alguém me chama, por exemplo, de 'moço', eu não me irrito, corrijo na hora: 'Moço não, é Ana Carolina', mas com bom humor. Não levo nada a ferro e fogo. A colocação dos seios me fez muito bem, hoje sinto que posso ser eu mesma. Ainda quero fazer algumas modificações no rosto, mas vou com calma. Minhas roupas preferidas são as de oncinha.

Trabalho com entregas, no mesmo empresa de antes da transição: meu chefe lidou com a mudança de forma tranquila. Eu sempre tive uma vida humilde, então só posso dizer que me sinto prestigiada com tanto reconhecimento"