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Entenda as referências à cultura africana de 'Black Parade', da Beyoncé

Beyoncé - Reprodução / Instagram
Beyoncé Imagem: Reprodução / Instagram

Ana Bardella

De Universa

23/06/2020 16h01

Na última sexta-feira, Beyoncé lançou de surpresa a música 'Black Parade'. A novidade veio horas depois de a cantora anunciar um projeto com o mesmo nome da canção para apoiar negócios comandados por pessoas negras. As iniciativas aconteceram no dia 19 de junho, quando se comemora a abolição da escravidão nos Estados Unidos — data que, apesar de não ser feriado, é tida como um dia de luta pela igualdade no país.

O lançamento ocorreu em meio à onda de manifestações antirracistas Black Lives Matter, que começou após o assassinato do americano George Floyd. E a letra da música é uma exaltação à cultura africana. "O nome 'Black Parade' faz referência às pessoas ocupando as ruas e protestando. Ela defende a ideia de que o futuro é ancestral", aponta Katiúscia Ribeiro, mestra em filosofia.

A seguir, especialistas analisam trechos da canção, que foi composta pela cantora em parceria com mais sete músicos.

"Eu estou voltando para o Sul"

Desde cedo, somos ensinados a "nortear" os nossos pensamentos. Quando estamos sem rumo, dizemos que vamos "buscar um norte". "Isso nos leva ao ocidente e aos seus paradigmas, um pensamento universalizante. Voltar ao Sul significa fazer um caminho contrário das perspectivas de mundo que nos foram ensinadas e olhar para os países que são inferiorizados. Sulear os pensamentos é reconhecer e identificar outros modelos possíveis de vida", explica Katiúscia.

"Crescendo como uma árvore baobá"

"O poder da árvore se dá pela longevidade: ela é capaz de viver até seis mil anos e de armazenar até 120 mil litros de água. Sem contar que seus frutos, sementes e folhas são alimentos e remédios", detalha Maureen Lizabeth Dos Reis, psicóloga e historiadora. Ela também é uma representação simbólica: o tronco pode ser associado às crianças em crescimento, indo em direção ao ápice. Galhos e folhas significam o amadurecimento. As folhas caindo são como a velhice. Na morte, elas retornam ao solo para alimentar as raízes, dando continuidade ao ciclo da vida.

"Amuleto Ankh", "estampa Dashiki" e "incenso Nag Champa"

O amuleto Ankh tem origem no Egito Antigo e é uma representação da vida. Na música, ele é associado à energia de Oxum, divindade cultuada em religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda, que é a "rainha das águas doces", "dona dos rios e cachoeiras", vista como a deusa do ouro.

A estampa Dashiki é uma pintura específica, colorida, que está presente em peças de roupa e tem forte ligação com o continente. "Existem versões mais e menos formais", indica Katiúscia. Por fim, o incenso, a base de ervas e condimentos, "está ligado ao mundo místico e tem a função de depurar o ambiente", aponta Maureen.

"Não posso esquecer que a minha história é a história dela. Ser preto é talvez a razão pela qual eles sempre enlouquecem"

O trecho é como um pedido de força e sabedoria ancestral, além de um desabafo sobre situações racistas. "Pessoas com o comportamento de discriminação racial perdem a cabeça ao verem uma pessoa negra em posição de destaque. Sempre foi assim", afirma Maureen.

Em seguida, a música mostra como os negros estão resistindo ao racismo através das frases: "Fale com cuidado com meu povo" e "Consegue ouvir o enxame, certo? Abelhas são famosas por sua picada", que são referência direta aos protestos crescendo no mundo todo.

"Aqui venho eu no meu trono, sentando no alto. Siga a minha parada"

O trecho relembra que o continente africano construiu sua própria realeza, mas quem lhe tomou isso foi o processo de colonização. "Disseram que o povo negro era feio, ridicularizando seus traços, o tamanho dos seus lábios, seus cabelos. A letra é um pedido para que o povo se coloque acima disso e lembre sua grandiosidade", aponta Katiúscia.

"Além de posicionar África no alto, a letra cita o que parece ser a essência da filosofia Ubuntu, onde prevalece o respeito e a solidariedade. Uma pessoa que segue essa filosofia tem consciência de que é afetada quando seus semelhantes são diminuídos, oprimidos", observa a Maureen.

"Quatrocentos bilhões, Mansa Musa"

Trata-se de um resgate da história da África: Mansa Musa foi o rei mais rico da história do continente — e possivelmente do mundo. "Ele governou o império Mali no século XIV e sua terra era recheada de recursos naturais lucrativos. Para se ter noção, quando passou pelo Cairo, no Egito, Musa doou tanto ouro para os pobres que a economia local sofreu com inflação e crise financeira por anos. Ele criou escolas, mesquitas e até uma universidade", esclarece Maureen.

"Curtis Mayfield", "Lil' Malcolm" e "Tamika"

A letra cita Curtis Mayfield, um dos nomes mais importantes da black music norte-americana, além Malcon X, ícone de resistência da causa. Em seguida, sugere que "precisamos de outra marcha", relembrando que, em outros momentos da história, mais movimentos como este aconteceram. "Por exemplo as Marchas de Selma a Montgomery e a Marcha sobre Washington, organizada e liderada pelo advogado, pastor, ativista dos direitos humanos e pacifista Martin Luther King", aponta Maureen.

E a letra continua; "E deixa eu ligar para Tamika": trata-se de uma convocação para a ativista Tamika Mallory. "Ela foi a principal organizadora da Marcha das Mulheres de 2017. É a favor do controle de armas, do feminismo e do movimento Black Lives Matter", complementa a historiadora.