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Atriz exibe peça com Jesus trans no Youtube: "É corpo visto como sem Deus"

Renata Carvalho vive Jesus na peça "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" - Reprodução/ Facebook
Renata Carvalho vive Jesus na peça "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" Imagem: Reprodução/ Facebook

Nathália Geraldo

De Universa

11/06/2020 17h24

A peça "Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu", em que a atriz transgênera Renata Carvalho interpreta uma Jesus travesti, será exibida nesta quinta-feira (11), às 20 horas, no canal da produtora Corpo Rastreado, no Youtube.

A montagem foi levada ao público pela primeira vez em 2016 e é alvo de polêmicas a cada apresentação. Em 2018, foi até retirada da programação de um festival teatral em Garanhuns, em Pernambuco. Também já foi alvo de ações judiciais que proibiram sua realização em diversas partes do país.

Por telefone, Renata contou para Universa que a transmissão no Youtube está sofrendo tentativas de ser "derrubada", assim como aconteceu nos casos em que a peça ocupou teatros e espaços culturais. Caso isso aconteça, explica, a transmissão será pulverizada para outros canais na plataforma.

A transmissão de "Evangelho" tem dupla importância para a atriz: além de ser na data de Corpus Christi, comemoração católica que celebra a eucaristia, faz parte de um movimento de visibilidade trans no mês do Orgulho LGBTQIA+.

"Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" no Youtube

O monólogo "Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" foi escrito pela dramaturga escocesa trans Jo Clifford. O texto, explica Renata, fala sobre amor ao próximo, aceitação e entendimento do mundo. "Coisas de que estamos precisando agora", fala a atriz.

No papel da Jesus travesti, Renata afirma que quer visibilizar o corpo trans, que sofres violências e transfobia cotidianamente. Segundo dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a Antra, do início de 2020, 124 pessoas trans foram assassinadas em 2019 no país por serem trans. "Ele é visto como sem Deus, endemoniado", diz Renata. "Fico muito emocionada por esse texto poder chegar para qualquer lugar que tenha internet, hoje, porque tem muita gente no Brasil e fora do país querendo ver a peça".

No tempo em que ocupou os teatros, "Evangelho" ficou sob ataque de grupos religiosos e políticos. Em cinco apresentações, o espetáculo foi censurado, diz Renata. "Em Jundiaí, Salvador, Rio de Janeiro, Recife e Garanhuns". Nesta última, ela conta que jogaram bomba no espaço. "Já fizemos a peça com polícia dentro da sala, já colocaram fogo em ingressos, já sofri ameaças nas redes sociais e tive até meu endereço exposto no Facebook".

A versão do Youtube é uma gravação de uma apresentação feita no Teatro Oficina, em 2019. No dia, comenta a atriz, o espaço que comporta 350 espectadores ficou com 100 a mais. Mais de 1 mil pessoas estiveram na fila para entrar. "Foi muito forte".

Com o isolamento social por conta da pandemia, Renata e a produtora Corpo Rastreado decidiram transferir o palco para a internet. A militância trans, diz a atriz, no entanto, não pode se limitar a esse espaço virtual.

"Eu tenho feito lives com convidados, a Transpofágica, em que falo do movimento trans, da palavra travesti, de travesti e religião, representatividade gorda trans...Mas nós precisamos também ocupar as ruas. Parece que jogaram Rivotril na água do brasileiro. E é tanta coisa ruim acontecendo, tanta antiarte, morte, desgoverno. A gente precisa ir às ruas".

Peça arrecadará doações para iniciativas de apoio a trans

A transmissão de 'Evangelho' será aberta ao público e gratuita. O evento, no entanto, também tem o objetivo de arrecadar contribuições em dinheiro para nove iniciativas que atuam no fortalecimento e na assistência social para pessoas transvestigêneres, termo que designa trans e travestis, em situação de vulnerabilidade:Casa Neon Cunha, Casa Chama, Casa 1, Projeto Séforas, Família Stronger, CRD, Casa Arouchianos, Grupo Eu Posso, Amanda Marfree. As doações são feitas pelo Sympla da peça.