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RS: Médica agredida já foi denunciada duas vezes por violência obstétrica

Marcas da agressão sofrida pela médica obstetra Scilla Lazzarotto em Pelotas (RS) - Arquivo pessoal
Marcas da agressão sofrida pela médica obstetra Scilla Lazzarotto em Pelotas (RS) Imagem: Arquivo pessoal

Hygino Vasconcellos

Colaboração para Universa, em Porto Alegre

05/06/2020 17h19

A médica Scilla Lazzarotto, de 46 anos, que foi agredida durante um trabalho de parto, já foi denunciada outras duas vezes por violência obstétrica. Em 29 de maio deste ano, a profissional foi chamada de "torturadora" por Wagner Quevedo, 27, marido de Pamela Pinheiro, 27, que estava em trabalho de parto por mais de nove horas no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Na ocasião, Scilla sugeriu fazer uma cesárea, foi quando o homem "perdeu a cabeça" e agrediu a médica, segundo vídeo gravado por ele e divulgado nas redes sociais.

A reportagem de Universa teve acesso a dois processos de situações ocorridas em 2003 e 2015. No primeiro caso, uma mulher pediu indenização por erro médico ao perceber que, após o parto, teve a bexiga perfurada. A paciente disse que ouviu enfermeiras comentando do rompimento, porém, no processo elas não foram ouvidas. Além disso, uma perícia apontou que "não houve atitude ou ação culposa pelos profissionais, que ministraram as medicações indicadas para o caso, havendo alta hospitalar no tempo indicado. E, o mais importante, é que não restaram sequelas, ou comprometimento à bexiga da autora", segundo a decisão de 18 de maio de 2009. Por esses motivos, o pedido foi considerado improcedente pelo juiz Gérson Martins e o processo foi arquivado.

O outro caso ocorreu em julho de 2015. A paciente estava com 40 semanas de gestação e ficou três dias internada submetida a métodos de indução à dilatação e "não lhe foi permitido acesso a meios de alívio da dor ou possibilitada a realização de procedimento cesáreo, culminando com a realização de episiotomia e a conclusão do parto a ferros com severo dano ao neonato", segundo a decisão judicial, de 5 de maio deste ano pelo juiz Luis Antônio Saud Teles. Para o magistrado, no caso específico, houve violência obstétrica.

A paciente deu entrada no dia 9 de julho, quando começaram trabalhos de indução ao parto. No dia seguinte, ela não apresentava evolução e foram ministrados mais remédios. "Relataram que após os medicamentos serem aplicados as dores intensificaram-se muito mas lhes foi informado por
um residente que não havia médico anestesista de plantão naquela noite, então não havia o que fazer", conforme a decisão. Em 11 de julho, Scilla assumiu o plantão e verificou que a paciente continuava sem dilatação e decidiu intensificar a dosagem dos remédios para induzir o parto.

"Ressaltaram que desde o primeiro contato da ré Scilla com a autora esta mostrou-se displicente e ríspida e ignorava as indagações realizadas, sendo que, mesmo instada a ponderar sobre o quadro de dor e cansaço de Caroline, a ré Scilla aduziu que, como já estava ali internada, teria que
fazer a criança nascer."

A paciente foi colocada de pé para tentar aumentar a dilatação e passou a sentir dores fortes e vomitar uma substância gelatinosa com sangue. Scilla decidiu encaminhá-la para a sala de parto, mas foi informada que não havia anestesista. Por isso, iniciaram os procedimentos para parto, com uso de fórceps. "Nesse sentido, a fim de auxiliar a saída do bebê, a médica ré realizou dois cortes na autora (episiotomia), que a deixaram com reflexos ao caminhar por seis meses após o parto, e, ainda, não sendo suficiente, passou a utilizar o instrumento denominado fórceps, tendo utilizado de quatro tamanhos diferentes, o que causava dores intensas na autora", detalha trecho do processo.

O pai da criança foi chamado para auxiliar e subiu em uma escada ao lado da cama e empurrou a barriga da esposa, o que ajudou a criança a nascer. Após o parto, o menino ficou seis minutos sem reagir e foi encaminhado para a UTI neonatal de outro hospital. Foi detectado paralisia cerebral do lado direito do corpo o que, para os pais, foi em decorrência do parto.

A justiça considerou que não houve responsabilidade civil de Scilla, já que ela atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS). "Considerando que a autora (nome dela) recebeu atendimento médico prestado pelo Sistema Único de Saúde, reconheço, de ofício, a ilegitimidade da médica corré Scilla
Correia Lima da Silva, cuja responsabilidade poderá ser averiguada em eventual ação de regresso a ser proposta pelo ente municipal ou pelo nosocômio, corréus na presente demanda", observou a decisão judicial.

Entretanto, a Santa Casa de Misericórdia e o município de Pelotas foram condenados a pagar R$ 50 mil - R$ 30 mil para o mulher e R$ 20 mil para o marido dela. A decisão da justiça é de 5 de maio deste ano e ainda cabe recurso. Isabel de Figueiredo Martins, advogada do casal, disse que ainda está avaliando se vai recorrer em relação à decisão. "A gente ainda não bateu o martelo em relação a isso. O nosso objetivo inicial era não recorrer, mas ainda estamos estudando para ver se cabe recurso contra a médica", detalhou a defensora.

Há outro registro de 2017, diz polícia

Conforme a delegada Márcia Chiviacowsky, responsável pela investigação, ainda há um outro registro de 2017 contra a médica por violência obstétrica, mas a investigação corre em outra DP e a delegada não sabe o andamento.

Sobre o inquérito deste ano que investiga as agressões e ameaças contra a profissional, Márcia observa que está "praticamente finalizado". "Falta a gente ouvir algumas testemunhas indicadas pela médica, que são profissionais que trabalharam com a médica e presenciaram o fato", destaca a delegada para Universa. Em relação à investigação de suspeita de violência doméstica, Márcia reforça que está em fase inicial e a médica não foi novamente ouvida após as declarações do casal.

Em nota, a defesa da médica informou que duas ações foram consideradas improcedentes e que uma terceira encontra-se em fase de instrução.
"Na área administrativa junto ao Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, a Dra foi absolvida por unanimidade", observaram as advogadas Sara Cruz e Franzisca Frey.

Segundo a defesa, há um quarto caso envolvendo a médica que ocorreu no Paraná e é atendido por outros advogados, mas teve um "desfecho favorável para médica e não sua culpa, tendo o mesmo resultado no Conselho Regional de Medicina do Paraná".

"Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo. Pois ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir. A obrigação que o médico assume a toda evidência, é a de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com as aquisições da ciência", destacam as advogadas.

Por último, a defesa observa que outros casos que circulam na internet "serão esclarecidos oportunamente quando forem formalmente instrumentalizados, momento em que triunfará o princípio do contraditório e ampla defesa, bem como todas essas falácias divulgadas sem qualquer respaldo probatório ou conhecimento técnico".

O diretor de interior do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, Fernando Uberti, lamentou a "tentativa de se esconder a covarde agressão" sofrida pela médica "a partir de movimentos políticos e utilização de versões frágeis sobre supostos episódios passados que nada tem a ver com o fato ocorrido recentemente". O representante da entidade destacou que o sindicato não tem função de investigar ou julgar médicos.

Já o Cremers informou, por meio da assessoria, que as informações das sindicâncias são sigilosas e, por isso, não poderia ser informado a atuação do conselho nesses casos.