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Médica obstetra é agredida por marido de grávida durante trabalho de parto

Marcas da agressão sofrida pela médica obstetra Scilla Lazzarotto em Pelotas (RS) - Arquivo pessoal
Marcas da agressão sofrida pela médica obstetra Scilla Lazzarotto em Pelotas (RS) Imagem: Arquivo pessoal

Hygino Vasconcellos

Colaboração para Universa, em Porto Alegre

01/06/2020 13h55

A médica obstetra Scilla Lazzarotto, de 46 anos, foi agredida com socos e pontapés e ameaçada de morte por Wagner Quevedo, de 27 anos, marido de uma paciente em trabalho de parto. O caso aconteceu na manhã de sexta-feira no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (RS), a 258 quilômetros de distância de Porto Alegre. A polícia investiga o caso. O suspeito ainda não tem advogado constituído.

"Achei que ia morrer. Ele me bateu muito. Foi uma sensação de impotência. Pensei no meu filho e tentei me proteger, fechando meus braços e protegendo o rosto. Eu pensava: 'isso tem que acabar de uma vez', mas não via ninguém. Em seguida, escureceu tudo", conta a médica em entrevista para Universa.

Sinais de agressividade

A paciente deu entrada na madrugada de sexta-feira, entre 2h30 e 3h, acompanhada do marido, sendo atendida inicialmente por um colega de Scilla. A obstetra iniciou o plantão às 7h e tinha outras pacientes gestantes também em trabalho de parto. 

Segundo relatos dos funcionários do hospital, apesar de ter sido informado que o trabalho de parto é um processo demorado e que era preciso ter paciência, Quevedo demonstrava sinais de agressividade.

"Uma residente minha, que estava cuidando dessa paciente, veio até mim e disse: 'professora, eu não vou ficar mais naquela sala, ele está dizendo que vai dar tiro em todo mundo'", conta Scilla.

"Uma torturadora! Uma torturadora!"

A médica obstetra foi até a sala de parto e verificou a paciente, quando explicou para o casal que iriam precisar esperar três horas para o nascimento.

"Eu vi que ela estava muito nervosa e ele também, daí eu sugeri: "quem sabe a gente faz uma cesárea?" Quando eu disse isso ele surtou. Começou a gritar: 'a senhora é uma torturadora! uma torturadora!'. Eu disse que ele não podia gritar daquele jeito e quando eu fui em direção à porta ele segurou a capanga (onde fica guardada a arma) e disse: 'eu tenho uma 38 e uma 42 aqui. Eu vou te dar um tiro.' Eu disse para ele: 'olha, eu preciso atender a sua mulher. Não tenho medo de revólver. Se tu me matar, quem vai atendê-la?", conta a médica.

As agressões

Quando a profissional já estava no corredor, Quevedo deu uma voadora nas costas dela. "Ele começou a dar socos na cabeça e eu fiquei em nocaute. Em seguida, desmaiei."

O homem foi contido pelos residentes e, logo após, fugiu do hospital. A médica foi atendida e, na manhã de hoje, ainda sentia muito dor de cabeça devido aos hematomas e dor pelo corpo. "Estou muito abalada, desmarquei tudo. Não tenho condições de atender consultas hoje. Nunca fui agredida em 22 anos de obstetrícia. Já fui ameaçada, mas nunca agredida dessa maneira", conta a médica.

O parto acabou sendo realizado por um outro médico. Mãe e criança passam bem.

Homem não tinha antecedentes

Conforme a delegada Márcia Chiviacowsky, que investiga o caso, o homem não possuía antecedentes criminais e não havia nenhuma medida protetiva contra ele. A polícia vai apurar se o homem estava, de fato, com as armas ou se estava apenas ameaçando e se os revólveres eram registrados. 

A médica será ouvida na tarde de hoje pela polícia. Já Quevedo foi intimado e deve depor entre amanhã e quarta-feira.

Pelos indícios coletados inicialmente pelos investigadores, o homem pode responder por lesão corporal, que pode resultar em detenção de três meses a um ano, segundo o Código Penal.

"O caso choca pela relação médico com paciente. A médica estava ali para auxiliar a mulher, em uma situação tão delicada e tão importante. E deu essa situação dentro da sala de parto", afirma a delegada.

Hospital e sindicato repudiaram agressão

Em nota, o Hospital Escola da UFPel lamentou e repudiou o ocorrido. "Nossa profissional médica foi absurdamente agredida a chutes e socos pelo acompanhante de uma paciente gestante, internada para o nascimento de seu filho."

Segundo a casa de saúde, a profissional foi atendida e a Brigada Militar foi acionada. Em seguida, um boletim de ocorrência foi registrado e o homem foi proibido de entrar no hospital. "Registramos nosso total apoio e solidariedade à médica agredida e a toda equipe. Estamos colaborando com as autoridades policiais e judiciárias", informou o hospital em nota.

O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) também se manifestou e "condenou, de forma veemente, a agressão sofrida" pela médica. "Qualquer ato de violência é injustificado e qualquer violência contra profissionais de saúde é um ataque à sociedade. Denunciaremos isso, amplamente. Mas também precisamos agir para punir e prevenir", destacou a entidade em nota.

"Atuaremos juridicamente, para a punição exemplar do agressor e envolvendo todos os órgãos de segurança e fiscalização. Também atuaremos politicamente, junto a gestores locais e estaduais, por mais segurança e por uma nova legislação, mais rígida contra quem agride quem trabalha pela saúde das pessoas", complementou o sindicato.