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Governos autoritários usam medo para ganhar poder, diz Nobel de Literatura

A polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Nobel de Literatura - AFP
A polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Nobel de Literatura Imagem: AFP

Do UOL, em São Paulo

27/05/2020 16h53

A escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura de 2018, falou em entrevista ao jornal O Globo como está sendo sua relação com a pandemia do novo coronavírus. A autora de "Sobre os ossos dos mortos", lançado no ano passado e sucesso de vendas no Brasil, disse que "foi bom viver a uma distância silenciosa do mundo", mas apontou problemas sociais trazidos pela covid-19.

"Governos autoritários estão satisfeitos com o maior controle social e a proibição de reuniões. Eles se servem do medo para ganhar mais poder. O exemplo mais inquietante é, para mim, o sistema de vigilância introduzido na China em nome da sua segurança e da ordem social. Na Polônia, no meio da confusão epidêmica, suspenderam as eleições. Os políticos aproveitam a pandemia para o seu próprio benefício em vez de buscarem soluções para os problemas que estão aumentando com o desemprego e a recessão", disse Olga.

Questionada sobre impactos positivos que poderiam acontecer pós-pandemia, a escritora citou a chance de "concretização de ideias como renda básica de cidadania, transição para a energia verde, teletrabalho e transações não monetárias", mas destacou o outro lado, negativo, das mudanças no mundo.

"Ao mesmo tempo, a pandemia levou à produção de milhões de toneladas do lixo plástico. Nossas máscaras e luvas vão se juntar aos despejos que já flutuam nos oceanos. Também estou apreensiva porque o ensino à distância deflagrou as desigualdades no acesso à educação. É o problema mais doloroso", disse.

Olga também comentou o sucesso de "Sobre os ossos dos mortos" no Brasil. "É maravilhoso que os brasileiros entendam meu humor estranho e que uma excêntrica velha polonesa possa ser uma figura psicologicamente universal. Na Polônia, os críticos consideraram o livro uma "aberração", "o mais fraco de Tokarczuk". Adoro como a capa da edição brasileira alude à perspectiva tragicômica do livro. Quando comecei a escrever, sabia que era fácil cair no sentimentalismo ao falar de sofrimento e direitos dos animais. Mulheres e animais são sempre assuntos subversivos e é preciso procurar novas linguagens para tratar deles", afirmou.

Ainda sobre a quarentena, a escritora disse que não foi um período produtivo para ela. "No início, pensei que ia ler, escrever, ordenar a papelada. Não foi tão fácil. Psicologicamente, estamos tensos e cheios de medo. Não foram férias, mas um estranho estado de suspensão. Foi difícil me concentrar e trabalhar como se nada estivesse acontecendo. Não acho que eu saia desta crise com um livro pronto", contou Olga.