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Bel para Meninas: público acende debate sobre exposição infantil no YouTube

Fran e a filha Bel, do canal no Youtube "Bel para Meninas" Imagem: reprodução Instagram

Ana Bardella

De Universa

20/05/2020 04h00Atualizada em 20/05/2020 20h55

Durante todo o dia de ontem (19), a hashtag #SalvemBelParaMeninas esteve entre as mais citadas do Twitter. Ela se refere à pré-adolescente Bel, de 13 anos, que participa de vídeos no YouTube junto à família: principalmente da mãe Fran e da irmã mais nova, Nina, de 5 anos, nos canais "Bel" e "Fran Para Meninas", que juntos somam 13 milhões de inscritos.

Os usuários da rede social estão acusando os responsáveis pela garota de forçarem sua participações nos vídeos devido a postagens consideradas polêmicas ao longo da sua infância.

Em uma delas, intitulada "Bel sendo levada pela correnteza", de 2015, a menina é filmada por um dos adultos enquanto está no mar, parecendo estar com a água até a altura do queixo. No fim do vídeo um adulto lhe estende a mão e a criança explica que foi apenas uma brincadeira para alertar sobre os perigos do afogamento. Em outro, também gravado anos atrás, ela participa de um "desafio" e vomita ao experimentar uma comida de gosto ruim estimulada pela mãe.

Em vídeo recente, Fran pede para que os seguidores participem de uma enquete para escolher qual das bolsas Bel deve usar na escola, mesmo ela pedindo para usar o acessório do qual gosta mais.

Esta não foi a primeira vez que a família se envolveu em uma polêmica. Em 2016, o Ministério Público de Minas Gerais instaurou um inquérito civil público para apurar eventual irregularidade sobre o conteúdo publicitário e mercadológico do canal.

Universa entrou em contato com os pais de Bel para saber o contexto em que os vídeos foram filmados, o processo de escolha dos temas e o posicionamento da família com relação à repercussão negativa do material, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.

Na tarde de hoje (20) seu pai, Mauricio, encaminhou um e-mail à imprensa alegando que o conteúdo produzido por eles não tem formato de reality show e que a família não se expõe completamente. "Pelo contrário, escolhemos os conteúdos que publicamos. Muitas das histórias são de ficção, criadas por nós dentro da temática que abordamos".

Os pais de Bel também ressaltaram que não pretendem falar com a imprensa. "Optamos, portanto, em proteger os nossos filhos, fundamentando nossas ações no Estatuto da Criança e do Adolescente e não vamos participar de programas sensacionalistas — como estamos sendo pressionados a fazer". Eles reforçaram que pretendem continuar postando os conteúdos de forma controlada, "como sempre fizeram".

Quais os limites para a exposição de crianças no YouTube e em outras redes sociais?

Consultado pela reportagem, Ariel Castro, advogado especialista em direitos da infância e juventude e conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, reforça que é necessário manter sempre em vista a legislação.

Como exemplo, ele cita que, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é proibido que pais ou responsáveis submetam os menores a vexame ou constrangimento sob pena de seis meses a dois anos de detenção.

Também é crime expor a vida ou a saúde dos menores, privando-os de alimentação, cuidados indispensáveis ou sujeitando-os a trabalhos excessivos ou inadequados.

Ou seja: dependendo da maneira como os responsáveis conduzem as filmagens no YouTube ou em qualquer outra plataforma, é preciso averiguar se as crianças não estão sendo obrigadas a participar de várias horas diárias de gravações, visando ganhos financeiros, o que poderia ser categorizado como trabalho infantil.

Momento de repensar o consumo

Imagem: Reprodução / Instagram

Thiago Queiroz é pai de três crianças e produtor de conteúdo do site "Paizinho Vírgula", no qual discute sobre a educação dos filhos. Ele enxerga no caso a oportunidade de repensar os conteúdos voltados para crianças no YouTube. "Muitas vezes ninguém percebe o que está acontecendo até que o material seja exposto em outras plataformas. Como é um conteúdo direcionado para crianças, não estamos acostumados a consumi-lo no dia a dia. Só quando tudo vem a tona é que nos inteiramos, revoltamos e desejamos opinar sobre o assunto", aponta.

Na visão de Thiago, o problema maior está na exposição excessiva das crianças. "O YouTube oferece aos pais uma possibilidade de ganhar dinheiro através dos filhos. Apesar de tomar algumas medidas a fim de proibir esse tipo de ação, cortando a monetização dos vídeos feitos para crianças, por exemplo, ainda peca na conscientização dos pais sobre os limites que devem respeitar".

Como exemplo, cita os adultos que filmam e postam seus filhos chorando. "Eu de forma alguma mostraria um momento de tamanha fragilidade e necessidade de amparo de uma criança a fim de ter mais visualizações ou curtidas. Não podemos incentivar que crianças consumam materiais assim quando sabemos como ele foi produzido". Fazer algo de forma desconfortável, algo que não condiz com sua idade ou seguir um roteiro montado por terceiros são atitudes que aponta como nocivas.

Mesmo trabalhando com o YouTube, Thiago prefere que nem seu filho mais velho, Dante, assista ao conteúdo da plataforma. "Por mais que eu produza para lá, não confio para o consumo infantil. É muito fácil terminar um vídeo bacana e começar outro que não sei de onde veio, nem para onde vai". Para séries e filmes, recorre aos streamings, uma vez que já conhece o conteúdo e julga como sendo seguro, mas garante que o filho não sente falta. "Não acho que ele esteja perdendo nada. A vida offline é muito mais rica".

Ele postou um vídeo no Instagram sobre o assunto:

Irregularidades podem ser denunciadas

Ariel relembra que práticas consideradas abusivas devem sempre ser denunciadas. "O Disque 100 recebe denúncias de violações aos direitos humanos, principalmente de crianças e adolescentes. Além disso, eles também podem ser comunicados aos conselhos tutelares, de preferência o mais próximo de onde o menor de idade reside", diz.

No caso de YouTubers ou de artistas mirins cujos responsáveis desrespeitarem as práticas acima descritas, o advogado explica que o conselho, juntamente com a equipe técnica de programas socioassistenciais entrevistam as crianças ou adolescentes e verificam as circunstâncias em que a produção do material aconteceu e orienta os responsáveis sobre os seus deveres. Nos casos mais severos, como último dos recursos, pode ocorrer até mesmo a perda da guarda.

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