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Familiares homofóbicos agravam ansiedade durante isolamento: como lidar?

Homofobia pode começar dentro de casa; psicanalista analisa efeitos - nadia_bormotova/Getty Images/iStockphoto
Homofobia pode começar dentro de casa; psicanalista analisa efeitos Imagem: nadia_bormotova/Getty Images/iStockphoto

Nathália Geraldo

De Universa

15/05/2020 04h00

"Na minha casa eu só sou assumido de verdade para o meu pai e minha madrasta. Minha avó e outras pessoas que moram com a gente talvez suspeitem, mas nunca cheguei a conversar cara a cara sobre isso. O único local em que me sinto realmente confortável é no meu quarto, onde gravo vídeos, faço memes e coisas que me permitem a expressão do meu jeitinho. A partir do momento em que eu saio do quarto, é como se eu estivesse interpretando um personagem, sabe? Então, sim: eu tento não dar muita pinta para manter minha sanidade mental."

O relato de um fotógrafo de Manaus (AM), que pediu anonimato para Universa, mostra que pessoas LGBTQI+ sofrem com mais um agravante durante a pandemia de coronavírus: a de precisar conviver, sob o mesmo teto, com familiares LGBTfóbicos.

Com medo de rejeição, agressões físicas e verbais e expulsão, a parcela da população que sofre preconceito por sua orientação sexual ou identidade de gênero acaba evitando ser quem é — o que significaria "dar pinta" para alguns — neste momento em que está sem sair de casa.

Não há levantamentos oficiais sobre o impacto que o isolamento social tem na vida dessas pessoas, como acontece com os casos de violência contra mulher. No entanto, sabe-se que a homofobia familiar é uma realidade, por exemplo, durante as festas de final de ano: um estudo britânico revelou, no ano passado, que 30% dos gays entrevistados ouviram piadinhas e comentários homofóbicos dentro de casa — em meio ao Natal e ao Ano-Novo.

A situação pode gerar ansiedade e prejudicar a saúde mental. O assunto veio à tona nas redes sociais nos últimos dias — inclusive após uma jovem, menor de idade, relatar que foi agredida fisicamente pelo próprio pai por ser lésbica. O dia 17 de maio marca ainda o Dia Internacional contra a Homofobia.

Como lidar com isso? Conversamos com o psicanalista Hamilton Kida, fundador do coletivo Rainbow Psicologia, grupo de terapeutas que atua com enfoque no atendimento a pessoas LGBTQI+, para dar dicas caso você esteja passando por esse momento.

Quarto como refúgio

O fotógrafo de Manaus contou para Universa que, apesar de ter assumido a homossexualidade para o pai e a madrasta há quatro anos, faz pouco tempo que deixou de acordar mais cedo para se arrumar — quando ainda era possível sair de casa —, para que os familiares não vissem o jeito que ele se veste. "Minha família nunca se mostrou favorável ao meu estilo de roupa, principalmente quando eu era mais novo. De uns tempos para cá, isso melhorou bastante, acho que se acostumaram."

Ainda assim o jovem conta que ouve dos outros familiares comentários homofóbicos como: "Nós sabemos que o fim de todo gay, infelizmente, é a Aids". Apesar de não serem direcionados a ele, comenta, prefere ficar dentro do próprio quarto, onde se sente à vontade para não precisar interpretar um personagem.

O psicanalista Hamilton Akida explica que é comum que pessoas LGBTQI+ busquem um refúgio durante o isolamento social. O quarto ou um ambiente em que não se sintam vigiadas pode ser esse local de acolhimento. Até porque as relações humanas podem melhorar ou piorar com a convivência mais intensa. "Pode ser uma chance de um casal de aproximar, por exemplo, mas também gerar violência, física e emocional", diz.

Resultado: o indivíduo tenta continuadamente disfarçar sua própria identidade. "Isso pode partir da percepção de que as outras pessoas não o estão validando", afirma o psicanalista. A situação pode gerar sintomas de ansiedade e depressivos e síndrome do pânico — que podem estar justamente atrelados à questão momentânea do isolamento.

Hamilton analisa que jovens, entre 18 e 25 anos, que não têm independência financeira e que precisam morar com os pais ou com outras pessoas, são "os mais suscetíveis à repreensão de comportamentos".

Busque rede de apoio

Se você está passando por isso, a orientação de Hamilton é se cercar de uma rede de apoio — faça chamadas virtuais com amigos, mande mensagens, entre em grupos nas redes sociais em que você se sinta seguro para falar.

Em tempos de pandemia, o Conselho Federal de Psicologia liberou o atendimento virtual a todos os profissionais. Se possível, busque ajuda de um profissional especializado. "Esse é um momento de termos um carinho com nossa saúde emocional", diz o psicanalista.

Caso você decida assumir a orientação sexual agora, por estar mais próximo dos familiares, certifique-se se tem uma rede de apoio presente. "São eles que serão o suporte se as coisas não saírem como a pessoa esperava. Vão ajudar a administrar as emoções."

Vale dizer que o único aceno feito pelo governo federal às pessoas LGBTQI+ em tempos de pandemia foi a publicação de uma cartilha, em abril. Parte do texto era direcionada a profissionais do sexo e sugeria, como medida preventiva, que eles se adaptassem para oferecer serviços virtuais.