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Grávida, ela teve câncer grave, separou e se apaixonou por outra paciente

Catarina dos Santos descobriu ao mesmo tempo a gravidez e um tipo agressivo de câncer - Arquivo Pessoal
Catarina dos Santos descobriu ao mesmo tempo a gravidez e um tipo agressivo de câncer Imagem: Arquivo Pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para Universa

11/05/2020 04h00

A técnica de enfermagem Catarina dos Santos, 32 anos, aguardava o resultado de uma biópsia quando descobriu que estava grávida de um mês. Ao ser diagnosticada com câncer de mama triplo negativo, relativamente raro e o subtipo mais grave dos tumores de mama, ela ouviu do médico que a melhor opção seria abortar.

Catarina não aceitou a sugestão e respondeu que seguiria com a gestação e o tratamento. Mesmo grávida, ela fez seis sessões de quimioterapia. Após o nascimento de Arthur, a técnica foi submetida a uma mastectomia radical e radioterapia. Quando o bebê tinha seis meses, ela se separou do marido, conheceu Tatiana — que também tratava um câncer de mama —, elas se apaixonaram e assumiram o relacionamento. Conheça os detalhes da história dela:

"Eu estava no aniversário da minha prima quando ajeitei o top, coloquei a mão na mama esquerda e senti um nódulo. Na hora eu falei para mim mesma em pensamento: 'Estou com câncer'. Fazia o autoexame com frequência e nunca tinha percebido nada. Quando acabou a festa, liguei para a minha mãe e contei minha suspeita. Ela ficou destruída.

Nós já tínhamos histórico de três mulheres com câncer de mama na família.

No dia seguinte, consegui um encaixe com o mastologista. Ele me examinou e disse que de fato existia um nódulo, mas que ele não poderia afirmar que era câncer. Me pediu uma biópsia, mas só consegui vaga para fazer o exame quatro meses depois.

Nesse tempo de espera, meu seio ficou deformado, o tumor cresceu e ficou do tamanho de uma laranja. Ele doía muito e eu sentia bastante queimação. Em um primeiro momento, fiquei assustada e com medo de morrer, mas depois me acalmei. Em janeiro de 2018, finalmente consegui fazer a biópsia, mas precisei aguardar mais um mês para pegar o resultado.

Nesse período, minha menstruação atrasou. Fiz um teste de gravidez e deu positivo, não acreditei. Fiz um segundo e veio a confirmação.

Médico sugeriu que eu abortasse

Catarina careca - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Catarina logo após decidir raspar os cabelos
Imagem: Arquivo Pessoal

Ao fazer meu primeiro ultrassom em fevereiro, descobri que estava grávida de um mês. Contei ao ultrassonografista a minha situação. Ele me disse: 'Se o tumor for maligno, você vai ter que tirar esse bebê porque o tratamento será inviável com a gravidez'. Respondi que se eu tivesse 1% de chance de seguir a gestação com o câncer, lutaria por esse 1%.

Três dias depois do ultrassom, recebi o resultado da biópsia. Eu estava com câncer de mama triplo negativo. Na época eu era evangélica e pensei: 'Deus não vai me dar uma vida para eu gerar e perder'. Entreguei tudo nas mãos do Senhor e fiquei em paz. Quando entregamos nossos problemas a Deus não temos por que ter dúvidas e nem reclamar. Ele ia fazer a parte dele e eu, a minha, com alegria e da forma mais positiva possível.

Um mês depois iniciei o tratamento no Inca [Instituto Nacional do Câncer]. Na primeira consulta, o mastologista sugeriu que a melhor opção seria o aborto. Eu disse que não, que ia ter meu filho. Ele respeitou minha escolha e disse que eu faria seis sessões de quimioterapia vermelha, com início a partir do terceiro mês de gestação completo. Eu seria submetida a uma mastectomia radical e radioterapia após o nascimento do bebê.

Ia para a químio arrumada e cheirosa

Saí da consulta tranquila e confiante no tratamento. Não podia me desesperar, ter uma depressão só ia piorar as coisas. Eu ia para a químio toda arrumada, maquiada, de turbante e cheirosa. Não é porque eu tinha câncer que eu ia ficar relaxada, desanimada e me entregar a doença, como eu via acontecer com alguns pacientes lá. Tentava animar o pessoal, falava da minha gravidez e dizia que só de estarmos nos tratando já era um privilégio.

Após a primeira quimio, a dor no seio diminuiu bastante, mas eu também sofri com os efeitos colaterais. As unhas ficaram escuras, eu perdi o paladar, tive tontura, mal-estar, dor no corpo, enjoo e os primeiros fios caíram.

No dia seguinte tirei a trança, coloquei um turbante e pedi à cabeleireira para passar a máquina zero. Enquanto ela raspava a minha cabeça, eu sorria, brincava, tirava foto. Foi um sentimento genuíno, eu não tinha por que chorar. O cabelo ia crescer novamente.

Me achava linda careca, mas aceitação não foi geral

Algumas pessoas tentavam me desanimar dizendo que o meu bebê ia nascer com má-formação por causa da químio. Ou diziam que já tinham conhecido uma pessoa com câncer de mama e ela tinha morrido. Eu ignorava esses comentários. Eu tinha muito mais motivos para me alegrar do que para ficar triste, eu tinha uma vida crescendo dentro de mim.

Eu me achava linda e poderosa careca e com o barrigão, mas essa aceitação não foi geral. Algumas pessoas deixaram de me visitar para não me ver sem cabelo.

Meu filho mais velho, o Kelvin, que tinha 10 anos, ficou com vergonha de mim.

Ia ter uma apresentação de Dia das Mães na escola dele e ele me pediu para colocar uma peruca. No caminho para a escola, ele ficou mudo e com a cara fechada. Perguntei se ele estava com vergonha de mim. Ele disse que sim, que os amigos iam zoá-lo por causa da minha careca. Ele foi sozinho e eu voltei para casa.

Fiquei muito magoada com ele e tive uma conversa franca quando ele voltou. Disse que era melhor ele ter uma mãe careca do que morta. Expliquei a doença e as etapas do tratamento. Ele chorou, me pediu desculpas e prometeu que nunca mais me trataria daquele jeito. Ele mudou e é um filho muito querido.

Traição do marido e proibição de amamentar

Bebê de Catarina - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Arthur, filho que Catarina não teve como amamentar
Imagem: Arquivo Pessoal

No início de todo esse processo, meu ex-marido disse que me apoiaria. Mas, durante a gestação, notei um distanciamento dele e descobri que ele estava me traindo com uma ex-colega de trabalho. Ele negou e nós continuamos casados.

Em setembro, terminei as sessões de quimioterapia e fiz os exames. O tumor estava menor. Um mês depois, fizeram a indução do parto normal e o Arthur nasceu no dia 2 de outubro de 2018. Não derramei uma lágrima durante todo o tratamento, mas chorei muito quando vi meu filho pela primeira vez. Ele nasceu saudável e perfeito. Infelizmente, não pude amamentá-lo com a mama direita porque o médico não liberou.

Quinze dias depois do parto, o tumor voltou a crescer. Me desesperei. Dois meses depois, fiz a mastectomia radical com o esvaziamento axilar — havia 21 linfonodos na axila. Meu quadro não permitiu que fizesse a reconstrução imediata. Ao me ver no espelho, a sensação de ter tirado o tumor foi de alívio.

A perda da mama não abalou minha autoestima.

Não adiantava eu ter uma mama doente e ter risco de morrer. Era melhor estar sem um peito, mas viva. Provavelmente, só farei a reconstrução em 2021. Como última etapa do tratamento, fiz 25 sessões de radioterapia.

Divórcio e interesse por uma mulher

Catarina e Tatiana - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Tatiana com Catarina: relacionamento que nasceu de forma inesperada
Imagem: Arquivo Pessoal

Quando o Arthur fez seis meses, me separei do meu ex-marido. Ele admitiu que estava me traindo e assumiu a amante. Mandei ele embora de casa e fiquei com meus dois filhos.

Eu fazia parte de um grupo no WhatsApp de mulheres que tiveram câncer. Uma das integrantes, a Tatiana, postou que estava triste. Eu a chamei no privado e ela me contou que estava sendo traída pela companheira com a vizinha. Ela era homossexual.

Nós conversamos e ficamos amigas. Contei do meu casamento e do meu tratamento. Ela também me contou que havia tido câncer de mama, que havia feito mastectomia, químio e estava fazendo rádio.

Nós nos identificamos e ficamos dois meses conversando por mensagem e por telefone.

Um dia, fui ao Inca resolver uma papelada e a encontrei lá após uma sessão de radioterapia. Quando nos vimos, notei um olhar apaixonado dela. Ela gostou de mim. Eu mesma senti preconceito, nunca tinha me envolvido com uma mulher. Pensei: já fui casada duas vezes com um homem e agora vou ficar uma mulher? Foi estranho, achei que fosse maluquice da minha cabeça.

Três dias depois do encontro, ela me mandou uma mensagem me pedindo em namoro. Não respondi na hora, fiquei assustada. Ela ficou chateada com minha reação e não tocou mais no assunto. Nós continuamos conversando como se nada tivesse acontecido. Ela parou de me mandar mensagem com tanta frequência. E eu senti falta. Foi quando percebi que estava interessada e me envolvendo emocionalmente. Renunciei ao meu ministério e parei de ir à igreja.

Câncer de mama nos uniu

Catarina curada - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Imagem: Arquivo Pessoal

No dia 12 de junho, Dia dos Namorados, fui na casa dela e disse que estava disposta a viver essa nova experiência. Nós ficamos juntas e começamos a namorar escondidas. Na época o Arthur estava com oito meses. Um mês depois, assumimos o namoro. Todos ficaram em choque. No começo, minha mãe foi resistente em aceitar, mas ela e meu filho acabaram me apoiando.

Encontrei na Tatiana um apoio, um companheirismo e uma dedicação que nunca tinha vivido em nenhum relacionamento hétero. Foi uma descoberta que surpreendeu a mim mesma. Com cinco meses de namoro, ela veio morar comigo e com meus filhos. A relação deles é ótima, o Arthur a chama de mamãe. No futuro, temos planos de casar no papel. O câncer de mama uniu Tatiana a mim.

Depois que se tem um câncer, a pessoa nunca mais é a mesma.

O câncer não é o fim, mas é o início de outra vida. Nós não pensamos e não agimos mais da mesma maneira. Apesar de não ser mais evangélica, Deus continua presente no meu coração, me ensinando sobre o amor, a bondade e a fé. Agradeço a ele por tudo o que passei.

O que mais quero é ser feliz e ver meus filhos crescerem. Só se vive uma vez, e se eu estou aqui curada para contar a minha história é porque Deus permitiu."