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"Parece filme de guerra": elas pedem socorro ao governo para sair da Itália

Bruna, Nayara e Julia: elas estão presas em diferentes regiões da Itália e pedem auxílio do governo para retornar ao Brasil - Acervo pessoal
Bruna, Nayara e Julia: elas estão presas em diferentes regiões da Itália e pedem auxílio do governo para retornar ao Brasil Imagem: Acervo pessoal

Ana Bardella

De Universa

09/04/2020 16h08

"Eu preciso da ajuda do governo brasileiro para voltar para o meu país": o pedido de socorro do grupo de 47 brasileiros presos em diferentes regiões da Itália é um só. Morando em uma das regiões mais afetadas pela pandemia do coronavírus no mundo, o retorno imediato é impossível sem a intervenção das autoridades.

Ficar também não é uma opção: para muitos deles, a permanência na Europa é sinônimo de falência. Além de estarem separados de suas famílias, a maioria não tem recursos financeiros suficientes para seguir bancando os custos de aluguel e alimentação.

O vídeo foi postado pela jornalista Beatriz Campilongo, que teve quatro voos de retorno para o Brasil cancelados. A ideia da filmagem partiu dela. "Foi o nosso último recurso, não sabíamos mais o que fazer", explica.

A seguir, três mulheres que também participaram da gravação contam suas histórias.

"Pareço estar em um filme de guerra"

Bruna Schiavottiello  - Acervo Pessoal - Acervo Pessoal
Bruna Schiavottiello tem receio de ser despejada
Imagem: Acervo Pessoal
"Durante muitos anos tive o sonho de vir para a Itália, que é o país do meu bisavô. Conforme fui crescendo, comecei a me programar para vir para cá. Foram anos juntando dinheiro e fazendo aulas para aprender o idioma. Quando senti que estava pronta, embarquei na aventura de fazer a minha primeira viagem internacional sozinha. Assim que cheguei aqui, vi que não estava enganada: o país é realmente maravilhoso.

Meus planos estavam correndo conforme o programado: acomodada em Lecce, na região sul, dei entrada no processo de reconhecimento da cidadania italiana e ele estava caminhando bem. No entanto, em março, comecei a me preocupar porque, apesar de todo o meu planejamento, minhas reservas financeiras estavam se aproximando do fim. Então optei por voltar ao Brasil. Iria deixar uma procuração com uma amiga. Ela me enviaria a documentação necessária e eu conseguiria finalizar o processo à distância.

Minha ideia era retornar ao Brasil até o dia 15 de março, mas conforme o coronavírus foi se aproximando, a vida na Itália foi virando de ponta-cabeça. Nem cheguei a comprar uma passagem porque vi que muitos voos estavam sendo cancelados e tive medo de perder dinheiro caso tentasse retornar em meio caos.

Primeiro, a covid-19 chegou na parte norte. Mas nós, das cidades distantes, achamos que eles estavam exagerando. Todas as pessoas subestimaram o vírus. Então as coisas foram piorando: o número de mortos foi aumentando brutalmente e as autoridades se deram conta da gravidade da situação. Em uma noite, pessoas que viviam no norte se aglomeraram no último trem com destino à Roma. Isso assustou os ministros e a Itália toda foi declarada como zona vermelha. A quarentena se tornou séria para todos.

O comércio foi fechando gradualmente. Só deixaram farmácias, hospitais e supermercados abertos. Você não pode sair na rua a não ser que seja para fazer compras ou por motivos de saúde. Se não tiver uma dessas justificativas, a multa vai de 400 a 4 mil euros. Tudo está muito rigoroso, parecendo um cenário de filme de guerra. No sul, não há tantos casos, mas eles estão sendo firmes, porque o afrouxamento das regras subiria o número de contágio.

Meu aluguel está garantido até amanhã, dia 10, pois pedi ajuda para os meus pais — mas, afetados pela pandemia no Brasil, eles não podem seguir me ajudando. A partir de agora, não sei mais o que fazer. Estou com medo de a proprietária do local me despejar. Meus recursos para alimentação estão acabando. Um grupo de brasileiros em situação parecida se uniu e está em contato com o Itamaraty, porém eles nos mandam preencher formulários, dão respostas automáticas e não nos ajudam efetivamente em nada. Não sei ainda como vou lidar com tudo isso."

Bruna Schiavottiello Campos, 25 anos, publicitária

"Vim para passar 15 dias e não sei quando vou voltar"

Nayara - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Nayara Almeida está presa com a mãe, a tia e a filha de 12 anos
Imagem: Acervo pessoal
"Cheguei na Itália no dia 4 de março, com minha tia e minha filha de 12 anos. Nós estávamos de férias e viemos para buscar minha mãe, que estava aqui desde o ano passado. Tenho uma irmã na cidade de Formia, que fica próxima à Roma. Ela deu à luz recentemente e nossa mãe veio para acompanhar o parto. Nosso retorno estava marcado para o dia 17, porém no dia 12 fomos informados que o voo havia sido cancelado e remarcado para o dia 30 de março. Porém, mais uma vez não conseguimos embarcar.

Nossa maior dificuldade é a ansiedade, a angústia por não termos uma posição. O consulado só nos manda preencher formulários, mas não nos dá esperança de um voo. Minha mãe é idosa, faz uso de medicação. Em alguns dias, tem crises e chora muito. Por sorte, temos abrigo: minha irmã e meu cunhado nos acolheram, porém tudo nos leva a crer que a situação se estenderá. Não sei por quanto tempo será viável permanecer aqui".

Nayara Almeida Cerqueira, 34 anos, coordenadora pedagógica

"Estou esgotada e meus remédios estão acabando"

Julia Albanus iria trabalhar em um restaurante, mas teve a contratação suspensa - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Julia Albanus iria trabalhar em um restaurante, mas teve a contratação suspensa
Imagem: Acervo pessoal
"Estou na Itália desde junho do ano passado, na região sul. Meu propósito foi vir para cá reconhecer minha cidadania italiana. O processo se iniciou no meio do ano passado e durou em torno de sete meses. Porém, logo depois disso, a pandemia se agravou.

Os casos mais graves, em maior quantidade, começaram na Lombardia e em Bérgamo. Nós, a princípio, pensávamos que estavam distantes. A cidade em que eu vivo é pequena: lamentamos as mortes, mas pensamos que a situação estava controlada. No dia 10 de março foi decretado que tudo fecharia. Eu, que estava sem trabalhar até então, havia recebido a proposta de emprego de um restaurante, o que seria de extrema importância para mim. Porém, minha contratação foi cancelada.

Depois disso, não saio para nada, apenas ir ao mercado. Realmente não tenho condições financeiras de permanecer aqui. É impensável mudar de país sem a garantia de um trabalho, correndo o risco de a pandemia se intensificar. Não vejo minha família há quase dois anos, pois antes de me mudar para cá vivia na Austrália. Meu pai tem problemas de saúde e está muito nervoso com a situação. Ele quer que eu volte o quanto antes.

Tomo medicamentos controlados para depressão, ansiedade e estabilização de humor. Além dos apertos com dinheiro, não tenho condições emocionais de permanência. Estou esgotada. Tenho um prazo para deixar minha acomodação e não sei para onde vou. Não tenho com quem contar. Preciso retornar e espero que dê tudo certo".

Julia Albanus de Souza, 31 anos, relações públicas

Itamaraty

Consultado por Universa, o Itamaraty informou que os Consulados do Brasil na Itália, em Roma e em Milão, estão trabalhando para o retorno dos 260 brasileiros não residentes retidos na Itália. Por meio de nota, o órgão garantiu que rotas de retorno ao Brasil por via comercial continuam disponíveis; assegurou que os brasileiros que comprovarem carência de recursos podem solicitar ajuda ao consulado ou a embaixada da região e orientou que os brasileiros retidos no exterior que tiveram passagens canceladas sem que as companhias aéreas tenham cumprido suas obrigações contratuais de reembolso e compensação devem procurar a ANAC quando retornarem ao Brasil.