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Mães avaliam quarentena após demissão: "Levaria meu filho para a creche"

Desempregadas, mães debatem se país deve suspender quarentena por causa da pandemia de coronavírus - Juca Varella/Folhapress
Desempregadas, mães debatem se país deve suspender quarentena por causa da pandemia de coronavírus Imagem: Juca Varella/Folhapress

Luiza Souto

De Universa

29/03/2020 04h00

A pandemia de coronavírus, além das inúmeras mortes, já está trazendo efeitos colaterais à economia. Na última quinta (26), autoridades da Organização das Nações Unidas (ONU) alertaram que as perdas globais de empregos podem exceder, em muito, os 25 milhões projetados há apenas alguns dias.

Antes que pudessem se dar conta desses números astronômicos, as paulistanas Lara, Jane e Silvia ficaram desempregadas e, mesmo trabalhando em ramos diferentes, ouviram a mesma coisa: que a paralisação das atividades por causa do coronavírus afetou as empresas. Agora, algumas dessas mães, que preferem não se identificar, já avaliam se a rotina no país deve de fato voltar ao normal, conforme o presidente Jair Bolsonaro defendeu recentemente.

Lara, de 36 anos, trabalhava na logística de uma empresa que prestava serviços para uma montadora de carros, em Campinas (SP), até terça-feira última (24). Estava ali havia três meses e foi demitida junto a mais cerca de 30 pessoas, contabiliza. Segundo ela, os trabalhadores eram temporários, mas, como a empresa estava com uma grande demanda, havia a esperança de que fossem contratados.

"Os pedidos pararam de chegar, até o gerente da empresa reunir todo mundo e falar que não teria como nos manter. Mas disse que estava otimista e esperançoso de que poderíamos voltar no final dessa crise", ela conta.

Para Lara, que tem filhos de 11 e 4 anos, o país poderia voltar ao normal, embora ela tenha dúvidas se todos cumpririam as recomendações básicas de higiene.

"Precisamos cuidar da nossa saúde, mas não podemos fechar os olhos para a economia. Creio que poderíamos preservar os grupos de risco e tomar as precauções necessárias de higiene, mas sei que muitas pessoas não obedecem", opina.

Moradora de Hortolândia, no interior de SP, Jane, 32, foi demitida um dia antes, na segunda (23), um mês após conseguir o emprego na produção de embalagens numa fábrica em Sumaré (SP). Ela havia pedido para sair de um restaurante onde atuava como auxiliar de cozinha para tentar um salário melhor.

Mãe de duas crianças, de 6 e 2 anos, ela recebe pensão do pai do filho mais velho e mora sozinha, de aluguel. Os pais, que têm mais de 70 anos, estão confinados na Bahia, mas ainda assim Jane defende as medidas tomadas até aqui pelo Ministério da Saúde.

"Apesar disso tudo, o melhor a se fazer é esperar passar essa pandemia, porque os casos só aumentam. Não posso mandar meus filhos para a rua", afirma.

"Mandaria meu filho para a creche"

Silvia, de 34 anos, discorda. Demitida de uma loja em Campinas, na terça-feira (24), a assistente administrativa pensa que a quarentena deveria servir apenas para as pessoas idosas ou as que se enquadram no grupo de risco.

"O restante da população ativa precisa manter suas atividades normais. O Brasil não pode parar. Aí fica a critério de cada um. É só ter consciência e se prevenir. Eu mandaria meu filho para a creche, mas mantendo os cuidados já orientados. Passamos pela gripe H1N1 e não foi criado tanto pânico", afirma ela, que é mãe de dois adolescentes, de 18 e 17 anos, e de uma criança de 3 anos, e mora com os pais idosos e o marido, que é porteiro.

Lidiane não perdeu o emprego, mas como atua nos recursos humanos de um restaurante no Morumbi, na Zona Sul de São Paulo, recebeu ordens para demitir 50 pessoas, de uma equipe de 90, na última semana. Ainda suspendeu alguns contratos de trabalho.

"Por causa da pandemia, os restaurantes fecharam as portas. E me senti péssima fazendo isso porque sei que as pessoas têm sonhos e objetivos", afirma. "Nunca vivi uma sensação tão ruim. Agora temo perder o meu."