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Críticas a Drauzio revelam "lado B" da empatia, diz neurocientista

Drauzio Varella abraça a detenta Suzy em reportagem do Fantástico - Reprodução
Drauzio Varella abraça a detenta Suzy em reportagem do Fantástico Imagem: Reprodução

Fernanda Teixeira Ribeiro

Colaboração para Universa

10/03/2020 12h24

As reações ao abraço do médico Drauzio Varella na transexual Suzi Oliveira em uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, oscilou entre extremos nas redes sociais. A comoção — que resultou em cartas e presentes enviados à detenta logo depois da transmissão — deu lugar à revolta quando o deputado Douglas Garcia (PSL-SP) divulgou que Suzi foi condenada por estupro e homicídio de uma criança de 9 anos.

"A empatia vai além do senso comum de se colocar no lugar do outro: é um fenômeno vinculado à identidade de grupo. A resposta empática depende do quanto nos identificamos com o outro e o que ele fez. Por exemplo, muitos sentiram compaixão com a solidão da detenta, mas a reação mudou logo, para repulsa, depois que souberam da prisão por crime hediondo", diz o neurocientista Paulo Sérgio Boggio, coordenador do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisador dos mecanismos cerebrais e psicológicos envolvidos na empatia.

Para a psicologia evolutiva, a empatia é uma ferramenta, aprimorada ao longo da evolução da nossa espécie, para identificar possíveis aliados e rivais e, assim, aumentar nossas chances de sobrevivência fazendo parte de um grupo. "A empatia desencadeia respostas de ajuda àqueles que identificamos como semelhantes. Mas, por outro lado, podemos ter reações até mesmo de prazer diante do sofrimento daqueles que consideramos rivais — desde a derrota do outro time de futebol, um exemplo bem simples, até agressões sofridas por um grupo percebido como diferente, como imigrantes refugiados ou outras minorias", explica Boggio.

As reações ao abraço de Varella em Suzi evidenciam que a empatia é influenciada pelos julgamentos morais e que existe uma confusão comum entre o valor moral de justiça e o sentimento de vingança. "Do ponto de vista da Justiça, ela foi julgada pelo crime, teve a pena definida e a está cumprindo. No escopo das leis e regras, a justiça foi feita. No entanto, as pessoas reagem como se fosse preciso impor sofrimentos, isso é vingança", diz Boggio, explicando que a vingança é um sentimento de necessidade de revide contra uma pessoa ou grupo percebido como ameaça.

A interferência da percepção de grupo na empatia foi mostrada, por exemplo, por um estudo da Universidade Hebraica de Jerusalém que constatou que voluntários que se identificavam como conservadoras ou liberais se solidarizavam menos com pessoas que sabiam ser de um grupo político oposto ao seu ou sem posição política. A pesquisa foi feita com 1.046 eleitores dos Estados Unidos, Israel e Alemanha e foi publicada na Personality and Social Psychology Bulletin.

No Brasil, o grupo de pesquisa coordenado pelo neurocientista Paulo Boggio comparou como voluntários julgavam deslizes morais de pessoas percebidas como de um mesmo grupo ou não, como imigrantes refugiados. "A mesma violação moral é julgada como mais grave quando cometida por uma pessoa de um grupo percebido como diferente do seu", comenta sobre os resultados. "O abraço de Drauzio, ou seja, uma reação afetiva, independe de julgamento, isso é a ideia da compaixão. A reação ao abraço em uma pessoa que cometeu crime hediondo mostra o quanto julgamentos morais podem ser distorcidos por emoções tão viscerais quanto o nojo, de forma que, para algumas pessoas, o abraço foi como uma contaminação, ou ainda, uma 'absolvição' do crime pelo médico", analisa Boggio.