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Ele fez tatuagem por ter orgulho de ser gay e negro: "Envaidece a viadagem"

Luan Silva fez tatuagem com música de Linn da Quebrada - Arquivo pessoal
Luan Silva fez tatuagem com música de Linn da Quebrada Imagem: Arquivo pessoal

Nathália Geraldo

De Universa

06/03/2020 04h00

"Qual foi a coisa mais triste que vocês fizeram na infância de vocês por causa do racismo?". A pergunta suscitada por um usuário no Twitter fez o designer gráfico Luan Silva, de 29 anos, revisitar seu passado para contar um pouco de sua história, marcada não só pela discriminação racial, mas pela homofobia.

Gay afeminado, como ele mesmo se define, Luan teve episódios de autoagressão na infância desde quando tinha 10 anos. Ele entrou em depressão e chegou a tentar suicídio diversas vezes: tomou veneno de rato, tentou se afogar e se eletrocutar. Hoje, seu quadro é acompanhado em terapia e controlado — por não se sentir bem dentro da própria identidade.

Foi só com a ajuda de profissionais de saúde mental, como escreveu na rede social, que "sua maior fraqueza se tornou a maior força". A ponto de ele ter feito uma tatuagem que reinventa sua trajetória. Com a bandeira que representa as pessoas LGBTQs e um punho cerrado, Luan escreveu em sua perna uma frase da música "Bixa Preta", da cantora Linn da Quebrada: "A minha pele preta é meu manto de coragem, impulsiona o movimento e envaidece a viadagem".

Tentativas de suicídio, terapia: a trajetória de exclusão

Luan contou para Universa que a construção de sua identidade foi atingida por preconceitos e sentimento de exclusão desde muito cedo: por ser negro, era o único da sala de uma escola particular e era visto como "feio"; por sempre ter sido afeminado, ouvia comentários pejorativos a respeito de sua sexualidade e se sentia frustrado nas tentativas de manter relacionamentos heterossexuais, forçados por uma heteronormatividade social.

Sem referenciais positivos da negritude e sendo um potencial alvo da LGBTQfobia, ele precisou de ajuda para cuidar de si mesmo. Isso porque, na pré-adolescência, Luan teve um quadro de depressão e tentativa de suicídio.

"As tentativas foram entre os 10 e 11 anos, aos 12, eu estava numa espécie de torpor. Aos 13, iniciei a terapia", explica, destacando a importância do cuidado com a saúde mental tanto pela população negra quanto pelas pessoas LGBTQs.

"Foi só com ela que percebi que o racismo e a homofobia eram as principais razões de eu ter os episódios de querer finalizar com minha vida. Eu tive que ocultar que sentia atração por homens e fingir por muito tempo que gostava de mulheres. Ao mesmo tempo, sempre fui afeminado, por mais que algumas características tinham sido tolhidas; e a gente sabe que, em nossa sociedade machista homofóbica, esse é um dos motivos para a gente sofrer".

A tatuagem: "Estar vivo faz diferença na vida das pessoas"

Linn da Quebrada - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Luan fez a tatuagem em janeiro, com um tatuador que também é negro e gay, em Recife: "A frase é um mantra para mim"
Imagem: Arquivo pessoal

A tatuagem com os versos de Linn da Quebrada, diz Luan, se tornou uma forma de expressar a potência e a representatividade que a "Bixa Preta" ganhou em sua vida. "Quando eu ouvi a música pela primeira vez, foi mágico. Porque cada frase tem uma similaridade com minha história de vida. Ela virou um mantra para mim".

No Twitter, até agora, a publicação da tatuagem teve mais de 59 mil likes. Até Linn da Quebrada se manifestou. "Coisa mais linda"

Para Luan, a publicação carrega vários sentidos: trazer o debate sobre o orgulho de ser negro e a visibilidade para as questões de identidade de gênero e orientação sexual. Falar da saúde mental da população negra também foi uma de suas intenções com o post.

É importante nos firmarmos no orgulho de ser LGBTQ, de ser negro.

"A gente sobrevive a violências. Se eu estou vivo hoje, é porque eu busco me manter saudável mentalmente. Por isso, quis publicar a tatuagem para dizer que a população negra é uma das mais violentadas na sociedade e, ao mesmo tempo, tem sua saúde mental negligenciada. Quando se soma a isso o recorte LGBTQ, há mais sofrimento de ansiedade, depressão", analisa.

Luan conta que reconstruir sua história é um processo que não se acaba. No entanto, hoje, consegue usar sua história como um exemplo de superação.

"Se alguém está na situação que eu estive quando tinha 10 anos, achando que não faz diferença para o mundo, quero dizer: hoje tenho ciência de que estar vivo faz a diferença na vida das pessoas. Tem um impacto positivo, inclusive por conta desta oportunidade de eu contar minha história".