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"Medo do Babu" tem origem racista? Ex-BBB Rodrigo França e escritor opinam

Babu Santana, participante do BBB - Reprodução/Globoplay
Babu Santana, participante do BBB Imagem: Reprodução/Globoplay

Nathália Geraldo

De Universa

04/03/2020 04h00

Nas redes sociais e dentro do BBB, o ator Babu Santana já foi associado à sensação de medo e à figura de "monstro". Para a participante Thelma de Assis, ele falou como se sente quando as mulheres do reality o tratam de forma diferente. "A Marcela me olha que nem uma madame, do mesmo jeito que minha patroa me olhava. Eu tenho trauma desse olhar", revelou, em um desabafo que circula no Twitter.

Mais do que nos ensinar sobre o racismo que recai sobre pessoas negras — ora escancarado, ora sutil —, a presença do ator no programa tem levantado uma questão de comportamento (infelizmente, muito comum para homens negros): de onde vem o medo que muita gente sente de Babu?

No BBB, há apenas duas pessoas que se declaram negras: Thelma e Babu. A torcida do ator, que ganhou notoriedade pública por sua interpretação no filme de Tim Maia, já apontou que algumas falas direcionadas a ele vinham de pensamentos racistas.

A começar pelo comentário da sister Mari Gonzalez, que perguntou se ele tinha "preconceito com os convidados" — referindo-se aos famosos que fazem parte desta edição. "Não, também sou convidado", respondeu Babu. A advogada Gizelly Bicalho também afirmou, no BBB, que comeria a refeição feita por Babu porque ela não estava "macumbada", associando crenças afro-brasileiras a um fator negativo.

O que isso diz sobre como Babu e tantos homens negros são vistos no Brasil?

De onde vem esse sentimento?

Para o ex-participante do BBB e também ator Rodrigo França, há um ranço escravocrata que contamina os olhares essencialmente de pessoas brancas sobre o corpo negro. Daí podem vir os sentimentos que Babu detalhou para Thelma durante uma festa.

"Nós vivemos em uma sociedade com um comportamento escravocrata, que enxerga o homem negro como um corpo longe de afeto e de intelectualidade. Ele continua sendo visto como bruto, marginalizado e que só existe para dor e carga de trabalho", explica Rodrigo, que esteve no reality na edição de 2019 e também sofreu preconceito no BBB, associado à fé que professa.

"Por mais que, no caso do Babu, esteja um artista sensível, reconhecido internacionalmente, ali se esquece tudo para só se ver o homem negro", afirma o ator. "É porque o racismo não quer saber da sua conta bancária ou nível acadêmico — ele quer saber se você tem traços negroides ou não para, então, lhe colocar como o grande responsável pelas mazelas sociais. É nessa lógica que é colocado o homem jovem negro."

Babu - Reprodução/Globoplay - Reprodução/Globoplay
Participante tem gerado comentários sobre seu comportamento dentro e fora da casa
Imagem: Reprodução/Globoplay

Não é raro que, em uma das situações mais normais ao convívio social — dividir uma via pública —, o medo de ver um homem negro se aproximando na calçada também seja uma sensação relatada por mulheres, especialmente as brancas.

Para o escritor Ale Santos, que também aborda questões raciais e de sociedade em suas redes sociais, há uma construção histórica que criminaliza o homem negro. A ideia racista de associá-lo a um bandido vem desta origem, assim como o olhar da polícia para ser mais violenta em casos de abordagem da pessoa negra.

"Essa visão infectou as instituições e, sim, o entretenimento. A maior parte da população brasileira é negra, parda, cabocla, não é branca/europeia. Mas, ao olhar para o BBB, só há dois participantes negros", avalia. "Ou seja, na hora de fazer uma escolha, a gente herda algumas predileções europeias que foram criadas pelos intelectuais que construíram o racismo 'científico'."

Conceito não é de hoje: as teorias raciais

O racismo científico, conta o escritor, faz parte de um passado que sustenta a atribuição de características como inferioridade, brutalidade e um perfil de tendência à criminalidade aos homens negros.

Essa ideia, apesar de hoje ser fortemente refutada, se inicia com a conceituação da criminologia, elaborada pelo médico italiano Cesare Lombroso, no século 19. Em sua teoria, algumas mazelas morais eram relacionadas a pessoas com fenótipos africanos.

"Realmente se acreditava que o negro era inferior. E, com a frenologia, que é o estudo dos crânios, criou-se uma categorização em que o homem mais negro era mais animalesco e criminoso — inclusive reforçando estereótipos ligados a crimes sexuais", diz Ale.

Segundo ele, é no período do Brasil República que intelectuais e médicos passam a importar as teorias raciais — principalmente por viverem em uma época em que os ideais vindos da Europa eram fortemente valorizados. Não demorou muito para que o racismo saísse das rodas de pensadores — "como o psicólogo e psiquiatra Nina Rodriguez, o médico Renato Kehl e o escritor Monteiro Lobato", elenca Ale Santos — e ganhasse as políticas públicas brasileiras.

"É quando, em 1926, tenta-se impedir a imigração africana e também a japonesa. Nos anos 40, foi decretada a Lei da Vadiagem, que levava preso quem estava na rua desocupado e desempregado e criminalizava basicamente pessoas negras — já que, após a abolição, com a vinda de imigrantes italianos, portugueses, alemães, ninguém queria contratar o negro", explica.

"A sociedade brasileira não criminalizava diretamente o homem negro, mas criminalizava suas expressões. A capoeira só foi considerada esporte nos anos 40, o samba e o axé foram perseguidos também."

O reforço de estereótipos se estende durante a ditadura militar, diz o escritor. O período, no entanto, transmuta o racismo escrachado em um mais brando. "Você não podia dizer 'eu odeio negros', mas era dito 'você não pode ter esse cabelo'. Há relatos de jovens da periferia que tiveram os cabelos raspados, por exemplo. Tudo isso ajudou a construir esse imaginário brasileiro."

Homem negro e os estereótipos

Rodrigo França - Divulgação - Divulgação
Rodrigo França participou do BBB no ano passado e fala sobre estereótipo do homem negro
Imagem: Divulgação

Rodrigo França pondera que entender — e problematizar — de onde vem esse "medo" causado pelo homem negro não o coloca necessariamente em um status de ser o melhor homem do mundo (nem o pior). É preciso garantir, no entanto, que a construção da identidade dele seja afastada dos estereótipos — entre eles, os que os desumanizam.

"Pelos estereótipos, ou você vai ser o marginal ou o hipersexualizado, o negro sarado de sunga branca. São efeitos de uma estrutura social puramente racista, que precisamos admitir que existe. Como o Babu não assume esse papel de hipersexualizado e tem sua intelectualidade negada, vai ser colocado no extremo do 'monstro', do 'bicho'", afirma.

Mas como lidar com isso? Para Rodrigo, tentar se adequar a grupos que têm pensamentos racistas é a pior estratégia."Quando a gente fala que existe segregação no Brasil, embora seja velada, é verdade. E me dói muito ver o Babu, que é um intelectual sensível, estar se sentindo sozinho", diz o ex-BBB.

"Eu tive a sorte de estar acompanhado [na edição de 2019]. Eu diria para ele e para Thelma que, por eles, eu voltaria ao reality. Eles estão em espaços em que não são bem-vindos."