Autoamor: como evitar que o sentimento se transforme em falta de empatia?
Ultimamente temos acompanhado um movimento de valorização do amor próprio e do autocuidado das mulheres, especialmente em mensagens positivas nas redes sociais - o que, convenhamos, é ótimo para a autoestima feminina. São sugestões que vão desde ações simples, como tomar um banho relaxante após um dia estressante até listar num papel os pontos fortes e qualidades, num momento mais vulnerável. Em doses equivocadas, porém, esse autoamor pode ser confundido com egocentrismo e individualismo, resultando, muitas vezes, numa postura pouco empática com as outras pessoas: afinal de contas, se dedico tanto tempo e energia à minha própria pessoa, quando é que direciono meu olhar ao outro?
Será que isso vem acontecendo com você? Como em quase tudo na vida, perspectiva, bom senso e dosagem são fundamentais na hora de investir em um exercício honesto de autoconhecimento e analisar qual mensagem você deseja transmitir ao mundo - e qual está expressando, de fato. "Como psicanalista, me preocupo com esse conceito de autoamor que vem sendo propagado na atualidade. Embora ele derive da autoestima, em alguns casos o que que prega, principalmente na internet, ultrapassa as barreiras do possível e costuma causar ainda mais frustração", opina Gisele Gomes, professora de Teoria Psicanalítica Freudiana na RNA Clínica e Escola de Psicanálise, em São Paulo (SP). Sim, Gisele aponta um outro problema: o autocuidado e o autoamor como obrigações contemporâneas, eliminando qualquer traço de espontaneidade e autenticidade.
Segundo a psicanalista, a autoestima saudável não cega a pessoa acerca de suas limitações e falhas. Ter uma boa autoestima prevê, sobretudo, a autorresponsabilização e a possibilidade de reavaliar posições, mudar opiniões e comportamentos nocivos e seguir em frente de cabeça erguida. "Ter autoestima, portanto, não exclui os defeitos que cada um de nós possui. Isso significa saber que todos são passíveis de erros e que podem corrigi-los com dignidade. Não se trata, também, de ser conivente com posições pouco ortodoxas em prol de um amor por si mesmo que excede todas as regras de convivência e respeito pelo outro", fala Gisele.
Muita gente vem confundindo autoamor e autoestima com excesso de individualismo. Funciona mais ou menos assim: "eu me amo e me importo, em primeiro lugar, comigo mesma; ou seja, sou a pessoa mais importante da minha vida e farei o que for possível para cuidar bem de mim e pela minha felicidade, não importando se essa atitude desconsidera os demais".
De acordo com Rosangela Sampaio, psicóloga e autora do livro "Autoamor - Um Caminho para a Regulação Emocional e Autoestima Feminina" (Ed. Conquista), esse comportamento voltado somente para si ou tudo o que lhe diz respeito, com incapacidade de diferenciar-se dos outros, é claramente egocêntrico, mas não necessariamente egoísta. "Algumas mulheres chegam ao meu consultório com a autoestima nas alturas, cheias de exaltação, acreditando que são mais especiais do que as outras, mas esse processo de autoengradecimento nada mais é do que uma estratégia para esconder a visão negativa que têm de si mesmas", diz.
Para a psicóloga clínica Rejane Sbrissa, da capital paulista, é fundamental refletir sobre o que realmente a faz feliz e que faz de bom por e para você, não somente porque os outros fazem ou dizem que funciona. "A massificação das redes sociais faz com que acreditemos em felicidades efêmeras, em achar a paz em coisas fora de nós... Pare e pense: sem saber o que você gosta de verdade, como ter um autoamor eficaz? Não adianta repetir mil vezes por dia "eu me amo" se isso não for verdade, se não souber de fato o que gosta em si mesma e o que pode ou deve melhorar. Autocuidado não se pratica indo sempre ao salão de beleza. Você precisa se sentir bonita por dentro e encontrar ferramentas para isso", observa Rejane. "Ou seja, para exercer o autoamor se faz necessário buscar sinceramente as insatisfações contidas dentro de si, juntar-se ao seu próprio eu, honrando seus interesses e passando a se envolver com atividades que dão prazer, em vez de fazer aquilo que outros querem que você o faça. Assim, você consegue conectar-se com seus próprios desejos e necessidades, chegando ao seu propósito", conta a psicóloga Néia Martins, de São Paulo (SP).
Já Gisele reforça que tudo em demasia é prejudicial. "Ter autoestima também prevê a consciência de que devemos habitar o nosso próprio 'lugar' e, para isso, precisamos aprender a conviver sem sacrificar o espaço do outro e/ou seu modo de ser ou depreciar seus problemas e qualidades. Ao nos julgarmos senhores de todas as verdades ou "únicos merecedores de amor nesse mundo" estamos exercendo uma tirania desnecessária e perdendo a oportunidade única de realmente nos tornarmos seres humanos melhores através da empatia", conclui a psicanalista.
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