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Preta Gil: "Aos 45 anos, chegar ao fim do Carnaval é prova de resistência"

Preta Gil fala sobre sua relação com o Carnaval - Instagram / Alex Santana
Preta Gil fala sobre sua relação com o Carnaval Imagem: Instagram / Alex Santana

Ana Bardella

De Universa

28/01/2020 04h00

Há menos de um mês para o Carnaval, o ritmo da agenda de Preta Gil fica mais acelerado do que nunca. A cantora comanda anualmente o Bloco da Preta, que leva milhares de pessoas às ruas. Neste ano, passará por três cidades: Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Conforme os compromissos aumentam, cresce também a adrenalina da festa.

Em 2020, o bloco terá o tema "mulheres que inspiram" e ela adianta que sua fantasia e de outras convidadas serão em homenagem às mulheres. Outra novidade é a regravação da marchinha "Ô Abre Alas", de Chiquinha Gonzaga. A letra repaginada, lançada em parceria com a marca 'quem disse, berenice?', é voltada para o empoderamento feminino. "Ô abre alas, que eu quero passar. Quem disse que eu não tô no meu lugar? Quem disse que eu tenho que agradar?", questiona um dos trechos.

Na entrevista a seguir, ela conta mais sobre sua relação com o período mais festivo do ano:

Qual costume machista mais te irrita no Carnaval?
Há muitos anos trabalho durante o Carnaval e não frequento como foliona -- mas do palco ou de cima do trio, vejo o que acontece. Muitas vezes os caras perdem a noção e saem agarrando as mulheres sem respeitar os limites, algo que não fariam em uma situação comum. O clima de festa misturada à bebida funciona como um "álibi". Mas não pode servir de desculpa para não saber chegar em alguém.

Carnaval é para celebrarmos a vida, brincarmos respeitando o espaço do outro. Todo mundo sai mais feliz da festa se souber brincar de maneira saudável e civilizada. Não faça nada no Carnaval de que se arrependa depois que a folia acabar. Não faça com o outro o que não gostaria que fizessem com você e pronto, vamos ser felizes. Esse ano o tema do bloco será "Mulheres que inspiram" e nossas fantasias farão homenagem às mulheres. O feminino é algo sagrado é a conexão com esse aspecto que há em todos nós que vai conseguir transformar o mundo.

E o que na festa você considera mais libertador?
Considero libertadora a sensação de que estamos todos juntos, sem julgamento, sem nos sentirmos mais do que alguém. O Carnaval tem essa coisa de unir quem normalmente não se encontraria: misturam-se as classes sociais, as cores, os sabores. Os horizontes crescem e as fronteiras caem. Se aproveitarmos essa época para aprender a respeitar mais as diferenças, para diminuirmos os nossos medos e preconceitos, faremos melhor proveito da alegria que a festa propõe.

Você acredita que o assédio tem melhorado nos últimos anos? Em que ponto da luta contra o assédio considera que estamos?
Espero que sim. Não tenho essa medida exata, mas sei que hoje há uma união maior entre as mulheres. Hoje tudo está mais exposto. Acredito que as redes sociais, os vídeos de celulares e a velocidade com a qual as imagens se disseminam, de certa forma, coíbem a ação de quem esteja a fim de estragar a festa dos outros. A luta é diária, todo dia é dia de nos educarmos e aprendermos a respeitar o espaço do outro, seja quem for, do gênero que for. Temos que aprender que nossa felicidade depende da felicidade do vizinho e vice-versa.

Neste ano está surgindo um movimento pelo Carnaval sem gordofobia. Você já presenciou ou viveu esse tipo de preconceito? Acha importante combatê-lo?
A base de tudo é o respeito ao próximo: se não conseguirmos amar, que pelo menos exista respeito. Isso não é impossível: o preconceito é maléfico para o preconceituoso também. Engana-se quem acha que está imune a isso. Diminuir o outro por ele ser quem é, é algo tão pequeno, tão raso e mesquinho... Quem estiver nessa verá que um dia a conta chega. Ninguém está livre de julgamentos, todos somos quem somos. Sim, já me julgaram e tentaram me fazer acreditar que não caber em um padrão seria motivo de vergonha. Mas eu sobrevivi a isso gostando de mim, como sou. Pois afinal todos somos quem somos.

Como era a sua relação com o Carnaval na infância?
O Carnaval é para mim um presente para a alma. Desde pequena minha família se reúne, se prepara, frequenta as festas ou trabalha para fazer o Carnaval dos outros mais feliz. Meu pai nos levava anualmente para os carnavais do Rio e de Salvador, vi o Axé nascer, o Carnaval de rua crescer, os blocos, os artistas... Sou parte dessa cultura. Fui rainha de bateria da Mangueira e depois criei o Bloco da Preta que, posso dizer, ajudou ao Carnaval de rua do Rio de Janeiro crescer e se popularizar ainda mais. Viva o Carnaval brasileiro!


Qual o seu momento preferido do Bloco da Preta?
Todos! Amo nossa preparação, a chegada dos meus amigos, ver meus fãs juntos, ver a mistura de gente de todas as idades, ver a garra dos meus músicos. É indescritível a sensação que sinto ao final de cada percurso sem problemas e com a sensação de missão cumprida. É muita responsabilidade e coragem colocar um bloco que reúne centenas de milhares de pessoas nas ruas em três capitais, é algo que não se consegue imaginar. Só entende o que é o Bloco da Preta quem vai. E posso dizer: quem frequenta nosso bloco é da corrente do bem e do amor. Chega a ser física a sensação de fazer parte disso.

Se pudesse reviver algum Carnaval, qual seria?
Eles são como filhos, então é difícil distinguir. Vivi lindos carnavais na varanda elétrica do camarote Expresso 2222, em Salvador. Amo todos os desfiles do Bloco. Mas trago comigo a sensação indescritível de ter sido escolhida para ser rainha de bateria da estação primeira de Mangueira: ali minha vida se transformou, muita coisa se iluminou e me senti mais forte e mais certa de quem eu era e que tinha um valor em ser como eu era (e como sou).

Qual o seu maior desafio atualmente? Como está lidando com ele?
Meu maior desafio é me preparar para viver muitos dias de shows em festas, camarotes, bailes e desfiles do bloco dessa maratona na qual me exijo estar inteira. A voz, o joelho, o corpo: eles precisam resistir a muitas viagens, poucas horas de sono e muita responsabilidade. Aos 45 anos de idade, conseguir cruzar essa linha de chegada ao final do Carnaval é uma prova de amor e resistência. Lido como missão e, para mim, missão assumida é missão cumprida.

Agenda do Bloco da Preta 2020:

Rio de Janeiro (RJ)

Dia: 16 de fevereiro

Local: Primeiro de Março

Salvador (BA)

Dia: 21 de fevereiro

Local: Circuito Barra Ondina

São Paulo (SP)

Dia: 1º de março

Local: Parque do Ibirapuera