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Mulher com doença degenerativa sai de hospital só para formatura do filho

Marielza Lins de Oliveira, que tem polimiosite, na formatura de Igor - Arquivo Pessoal
Marielza Lins de Oliveira, que tem polimiosite, na formatura de Igor Imagem: Arquivo Pessoal

Nathália Geraldo

De Universa

20/01/2020 04h00

Foi preciso um mês de preparação para que Marielza Lins de Oliveira, 46 anos, pudesse participar da cerimônia de colação de grau do filho mais novo, Igor, 17 anos, no Ensino Médio. Paciente de polimiosite, uma doença degenerativa que limitou sua movimentação do corpo e sua comunicação, Marielza está há pouco mais de dois meses sob cuidados paliativos.

O desejo de Marielza virou missão para familiares e equipe médica. Primeiro, eles precisaram identificar o que ela queria por uma plaquinha em que as letras vão sendo escolhidas por ela, já que ela não tem mais comunicação verbal. Só consegue balançar um pouco a cabeça para dizer "sim" ou "não". Foi assim que ela conseguiu pedir para sair da unidade hospitalar para ver Igor receber o diploma, no sábado (18).

"Eu fui passar a noite com ela no hospital e vi que estava triste. Começou a chorar. Perguntei se era por conta da doença, e ela me explicou que queria ir na formatura do Igor. Tinha ido na cerimônia da nossa filha mais velha, Tainá, dos sobrinhos...E como não conseguiria ir na dele?", explica Paulo José de Oliveira, 49 anos, marido de Marielza há 27.

A equipe médica da unidade de transição e retaguarda da Nobre Saúde, de Santo André (SP), formada por enfermeiros, fisioterapeuta, médicos e psicóloga, arregaçou as mangas, então, para ajudar a realizar esse pedido.

Mãe com doença degenerativa vai à formatura de filho

Marielza e Igor - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Marielza presenciou a colação inteira e não teve nenhuma intercorrência; equipe médica deu suporte à paciente
Imagem: Arquivo Pessoal

A polimiosite, explica Paulo, é uma doença autoimune que enfraquece os músculos do paciente. Por essa razão, Marielza não mexe mais nenhuma parte do corpo. O marido conta que mais de dez pessoas na família dela tiveram o mesmo diagnóstico.

"Há quase um ano, Marielza fez uma cirurgia na coluna, sem saber que as queixas já tinham a ver quando a doença. Quando se percebeu, a inflamação já tinha chegado nos braços. E, nessa ocasião, ela ainda teve uma parada cardiorrespiratória e foi parar na UTI por mais de um mês, o que fez com que a doença avançasse mais rápido".

Sem emprego, por conta de uma onda de demissão voluntária na indústria em que trabalhava, Paulo passou a enfrentar o desafio de manter o plano de saúde para cuidar da mulher.

"Entrei na Justiça para que o prazo de dois anos do plano fosse prolongado, porque o caso dela era de extrema urgência. Não consegui. Até que o pessoal da empresa em que eu trabalhava viu as fotos dela, na condição que ela estava, e resolveu me chamar para avisar que cobriria todas as despesas de uma transferência para ela à unidade de cuidados paliativos", conta.

Atualmente, Paulo paga o convênio para Marielza. Acontece que ele mesmo também foi diagnosticado com uma doença: câncer no intestino grosso. "Fiz cirurgia, e nem consegui falar para ela quando descobri a doença. Agora, estou na fase da quimioterapia", conta.

Paulo tentou se aposentar, mas teve o pedido negado. Vendeu o carro para conseguir custear os cuidados com a esposa. Atualmente, recebe um benefício do INSS, com que precisa pagar o plano de saúde, se manter e fazer compras específicas para Marielza, como um colchão inflável, para que ela se sinta melhor no hospital, lenços umedecidos e outros itens pessoais.

Ele conta com o apoio dos filhos e dos cunhados, que se revezam para ficar ao lado de Marielza. "Ela não se entrega, estamos juntos. O médico já a desenganou, mas ela é forte", diz.

A nossa vontade é que ela volte para casa, ela faz muita falta para gente. Mas está nas mãos de Deus.

A noite da colação

No sábado (18), Marielza foi transportada de Santo André em uma ambulância para o local da colação, em Ribeirão Pires. A fisioterapeuta Juliana Turquetti conta que uma das principais adaptações foi a ventilação mecânica da paciente — mecanismo de apoio para os que não conseguem respirar espontaneamente pelas vias normais.

Igor - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Igor se formou no Ensino Médio, sob o olhar da mãe, e agora fará curso de TI
Imagem: Arquivo Pessoal

"Ela estava acostumada a um aparelho e precisávamos trocar por um com bateria que durasse mais tempo, já que no evento poderia ser difícil achar uma tomada. Fizemos um mês de adaptação, e desde esse momento, a gente já notou que ela deu um 'up'", comenta a profissional.

Marielza, segundo Juliana, é mantida em cuidado paliativo, ou seja, é cercada de medidas de conforto para reduzir as complicações da polimiosite. "Pelo fato de a doença estar tão avançada, podemos dizer que ela é uma paciente estável", avalia.

A equipe levou um equipamento de ventilação mecânica extra, preparou a cadeira de rodas adaptada para a viagem e contou com o suporte de enfermeira, técnicas de enfermagem, psicóloga e do médico da ambulância.

"Ela estava com muita vontade de estar ali. Era para assistirmos só a turma do Igor, mas ela quis ficar até a homenagem final dos pais. Saímos do hospital às 18 horas e voltamos às 22 horas".

Juliana conta que foi uma noite muito emotiva para todos.

A mãe dela ficou o tempo todo segurando sua mão. Os filhos estavam muito emotivos, a irmã, que passa muito tempo com ela na unidade, também. E foi o momento mais emocionante da minha carreira.

"A força de vontade dela foi tão grande que acho que ela superou seus próprios limites. Ela ficou o tempo inteiro focada em ver os alunos receberem o diploma. Não precisou de nenhuma intervenção", celebra Paulo, orgulhoso também da conquista de Igor. "Ele agora vai fazer faculdade de TI".