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"Merece a sarjeta"; jovem relata ataques homofóbicos feitos por psicóloga

O publicitário Vinicius Ferrari - Arquivo Pessoal
O publicitário Vinicius Ferrari Imagem: Arquivo Pessoal

Laura Reif

Colaboração para Universa

17/01/2020 04h00

Na última semana, uma publicação que mostra uma conversa via WhatsApp entre um paciente e uma psicóloga viralizou nas redes sociais. Na troca de mensagens, o publicitário Vinicius Ferrari, 22, diz para a psicóloga que sofreu homofobia durante a sessão e, portanto, não pretende retornar para as próximas consultas.

Ela responde então dizendo que o rapaz "merece a sarjeta" e que ele terá "um final melancólico". O caso aconteceu em fevereiro de 2019, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. A publicação em redes sociais ultrapassou 10 mil curtidas.

"Minha família sempre teve alguns problemas em relação à minha sexualidade. Depois que eu me assumi gay para meus pais, eles entraram na vibe de melhorar o relacionamento em casa. Eu topei e minha mãe recebeu a indicação dessa psicóloga de uma conhecida", conta Vinicius a Universa. A sessão foi uma terapia de família, com os pais presentes.

Ele relata que a sessão gerou grande desconforto e diz que a psicóloga constantemente usava o termo "homessexualismo", mesmo ele dizendo que ofendia. Em determinado momento, acusou o paciente de ser "heterofóbico" e também insinuou "cura gay", afirmando que a orientação sexual do paciente seria resultado de muita progesterona [hormônio feminino] no corpo e que ele poderia equilibrar os hormônios para resolver a questão.

A reportagem entrou em contato com a psicóloga envolvida no caso, Rose Fernandes de Souza, mas ela disse que não quer se pronunciar. Não negou entretanto o conteúdo dos diálogos expostos por Vinicius. "Eu não vou conversar [sobre o caso], porque ele nunca foi meu paciente. Não foi cobrado nada, nunca houve pagamento", diz ela, que atende em São Bernardo do Campo. Ela também bloqueou o contato da reportagem.

"Fui sincero e abri meu coração. Falei que estudava, trabalhava e estava ali para melhorar a relação com meus pais porque eles tinham alguns problemas de aceitação", conta Vinicius. "Ela mencionou que, como gay, deveria me dar ao respeito porque, com uma família dessas, não poderia reclamar. Aí entramos na parte em que ela menciona que gays querem privilégios."

Vinicius diz que, ironicamente, após os pais presenciaram as agressões verbais, a relação melhorou. "Apesar de ter plena certeza de quem eu sou, fiquei extremamente ofendido. Nunca tinha presenciado ataques como esse, de uma pessoa sentada na minha frente. Conversei com meus pais, disse que quando peço para darem apoio é por esse motivo. Na verdade, ela acabou fortalecendo mais ainda a minha relação com eles."

Depois da postagem nas redes e incentivado por seguidores, Vinicius registrou a denúncia no Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, que ainda vai verificar a veracidade dos fatos.

Em nota, o CRP se pronunciou sobre o relato feito pela reportagem, não sobre a denúncia em si, e afirmou que "é grave a disseminação de discursos pejorativos que provocam sofrimento mental e fomentam o preconceito na sociedade".

O texto ainda diz: "Seguimos como princípio a defesa intransigente dos direitos de toda a população, em especial sobre a população LGBT+, explicitamos que a orientação sexual e a identidade de gênero não se configuram como doença. Vedando a/o psicóloga/o qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos homoeróticos nem tampouco orientem, de maneira coercitiva, tratamentos não solicitados".

Troca de mensagens entre psicóloga e paciente - Reprodução - Reprodução
Troca de mensagens entre psicóloga e paciente
Imagem: Reprodução

Homossexualidade não é doença

A homossexualidade não é considerada uma doença pela OMS (Organização Mundial da Saúde) desde 1990. Universa pediu ajuda à sócia-diretora do Instituto do Casal, Marina Simas para comentar o caso. Ela conta que o sufixo de origem grega "ismo" significa 'doença'. "O termo já caiu em desuso nos anos 2000, está lá atrás", explica.

Cerca de dois meses depois do ocorrido, em abril de 2019, a ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), derrubou uma decisão que liberava a prática de terapias de reversão sexual, a chamada "cura gay".

Por isso, Marina Simas também reforça a importância de buscar por profissionais que estejam atualizados em suas áreas de trabalho. "Temos que buscar pessoas que estejam antenadas, é muito sério. [As demandas da população LGBT+] são as mesmas demandas [ansiedade, angústia]. Por mais que os temas sejam os mesmos, tem que ter um olhar amplo. Muitas psicológicas misturam com religião, por exemplo, mas não deveriam. Estão ali como psicólogas, um limite bem claro", afirma Marina.