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Em feito inédito, 2 mulheres disputam na Justiça comando da tradição gaúcha

Elenir Winck e Gilda Galeazzi disputam comando do MTG - Divulgação
Elenir Winck e Gilda Galeazzi disputam comando do MTG Imagem: Divulgação

Hygino Vasconcellos

Colaboração para Universa, de Porto Alegre

16/01/2020 04h00Atualizada em 16/01/2020 10h46

Duas mulheres, com diferença de idade de quatro anos, duelam para conquistar a presidência do MTG (Movimento Tradicionalista Gaúcho), entidade criada para preservar a história e os costumes dos gaúchos e que gerencia 1.532 CTGs (Centro de Tradições Gaúchas) e 612 piquetes no estado. Pela primeira vez a instituição, criada em 1966, terá uma mulher no comando.

Tão incomum quanto duas chapas de mulheres na disputa pelo posto foi o resultado das eleições: empate. Foram 530 votos para cada uma. A comissão eleitoral tentou resolver o impasse, que acabou parando na Justiça. Uma liminar acabou suspendendo a eleição, ocorrida no último sábado. O MTG recorreu, mas o pedido foi indeferido nesta terça.

No pedido inicial à Justiça, a candidata Gilda Galeazzi, 65, questionou o critério para a escolha da oponente Elenir Winck, 61, como presidente do movimento.

Tabu para muitas mulheres, a idade foi o que pesou a seu favor. Tecnicamente, por ser mais velha, Gilda seria a eleita, como aponta artigo 127 do Regulamento Geral da entidade: "Em caso de empate será considerada eleita a chapa que contiver o candidato mais idoso."

Entretanto, a comissão eleitoral levou em conta outro trecho da legislação e considerou o integrante mais idoso de cada chapa, mesmo que não o principal nome, como critério de desempate. Na composição de Elenir, há um homem de 77 anos, suplente na chapa. Na outra chapa havia um participante de 72 anos.

Para o Universa, Gilda explicou que estava preparada para a vitória ou derrota e que só se deu conta da situação quando se falou em empate. "Ali [no regulamento] fala o candidato, não fala os candidatos da chapa. Essa interpretação tem dubiedade. Não é nada contra A ou B, foi ingressado contra o movimento. Eu até pensei que seria a vitoriosa", desabafa.

No despacho, um dia após as eleições, a juíza plantonista Carmen Luiza Rosa Constante Barghouti considerou que o artigo é "claro" e que a interpretação da comissão de considerar o integrante mais idoso ao invés de considerar a candidata com mais idade "é questão interpretativa e passível de análise mais aprofundada".

"No tocante ao risco de dano ao resultado útil do processo, também está evidenciado, pois acarretaria lesão grave aos direitos da requerente, bem como lesa o patrimônio cultural gaúcho, testemunhando contra a história da entidade e o senso de justiça que nosso povo se orgulha de cultivar", salienta a juíza. Com isso, a pose de Elenir, programada para o último domingo, ficou impedida.

O MTG recorreu da decisão. Ao analisar o recurso, a mesma magistrada considerou que "os elementos trazidos não são suficientes". Para ela, a escolha do candidato com maior idade deveria ser pela cabeça da chapa.

Procurada por Universa, Elenir não quis se manifestar. O marido dela, Ciro Winck, observou que ela não está dando entrevistas "para não se complicar", mas deixou escapar que a companheira está chateada com a situação. "Ela ganhou a eleição e outros não aceitaram. Mas ela não está se manifestando, pois está respeitando a justiça", disse o marido.

Candidatas têm histórias semelhantes

Gilda e Elenir já estão aposentadas e agora se dedicam integralmente à tradição gaúcha - inclusive, as duas já passaram por cargos de comando em unidades regionais do movimento. As duas nasceram e moram no interior do Rio Grande do Sul e tem ligação com o MTG de longa data.

Gilda é natural de Marau, mas com oito anos se mudou para Passo Fundo, a 34 quilômetros da cidade natal. Aos 13 anos, ingressou no Centro de Tradições Gaúchas (CTG) Osório Porto. No ano seguinte, conheceu na escola quem viria a ser seu marido, o que a fez mudar de CTG. Casou aos 15 anos e agora em 2020 se prepara para celebrar 50.

Elenir começou no movimento ainda criança, influenciada pelo pai, que também se dedicava ao tradicionalismo. Professora aposentada, nasceu em Cruz Alta, mas vive em Panambi, no Noroeste do Estado. Está casada há 42 anos.