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Após morte da mãe, gêmea "adota" irmã com síndrome de Down e vira mãe dela

As irmãs gêmeas Rafaela e Graziela Altino Gomes, 32 - Arquivo pessoal
As irmãs gêmeas Rafaela e Graziela Altino Gomes, 32 Imagem: Arquivo pessoal

Aliny Gama

Colaboração para Universa

29/11/2019 04h00

Há 15 anos, a mãe de Graziela e Rafaela Altino Gomes morreu de infarto. Após a perda, a relação das gêmeas, hoje com 32 anos, mudou completamente. Rafaela tem síndrome de Down e foi "adotada" pela irmã gêmea em um processo que começou quando as duas completaram 18 anos.

Graziela conseguiu a curatela (mecanismo de proteção para quem é maior de idade, mas não possui capacidade de administrar seus interesses) de Rafaela, e, desde então, se tornou a referência materna da irmã.

As gêmeas bivitelinas moram em Nova Cruz (RN), a 98 km de Natal. A união e cumplicidade delas chamam a atenção de todos. Graziela diz que, apesar da burocracia, não foi difícil se tornar a curadora da irmã, pois sempre teve comportamento exemplar e responsável.

Ela conta que foi precisou amadurecer precocemente para dar a assistência de que a irmã precisa. O pai delas mora em outro estado, se separou da mãe delas quando as filhas nasceram e não conviveu com as duas. "Nosso pai sempre ajudou como pôde. Mas quem cuida da Rafaela sou eu. Optamos por morar aqui, pois nossa tia mora na casa vizinha e, sempre que precisamos, ela está junto para nos apoiar."

As irmãs mantêm um perfil no Instagram, com 19 mil seguidores, onde postam fotos de seu dia a dia, sempre juntas. Nas inserções nas redes sociais, Graziela mostra Rafaela com ela na academia, arrumando o lanche para levar para a escola, fazendo natação e aprendendo coreografias.

Rafaela sonha em ser professora de dança e cursa o sétimo ano do ensino fundamental em uma escola regular. Graziela é formada em medicina veterinária, trabalha em clínicas em Nova Cruz e é plantonista em um hospital veterinário em Natal.

Durante o tempo em que Graziela cursou veterinária, enfrentava a estrada todos os dias, de Nova Cruz até Natal, às 4h30 da madrugada, e voltava para a cidade dela, às 16h, para não deixar a irmã. "Não tinha como levar Rafaela para morar em Natal, o que seria melhor, pois não tínhamos ninguém lá para ajudar. Então, eu ia e vinha todos os dias", diz.

Hoje, ela tenta conciliar o trabalho com as atividades da irmã e, quando não consegue, a rede de apoio da dupla entra em cena. "Minha tia, irmã da minha mãe, nos ajuda desde sempre. É com ela que Rafaela fica quando não está na escola e eu estou trabalhando", diz, destacando que "uma sempre abdica de alguma coisa pela outra."

"Num relacionamento, ou aceita Rafaela ou não quero"

Os cuidados de Graziela com a irmã acabaram levando as duas a vivenciar uma rotina de mãe e filha. Ela diz que não se deu conta de quando começou a "ser a mãe de Rafaela". "Era muito jovem quando perdemos nossa mãe. Nossa primeira situação com a morte foi logo a da nossa mãe e isso foi desesperador. Hoje, trabalho com Rafaela para ela ser o mais independente possível, pois, na minha ausência, não quero que ela sofra. Foi muito difícil para nós recomeçarmos sem nossa mãe", conta.

A veterinária está solteira, mas conta que Rafaela nunca foi empecilho para que ela tivesse um relacionamento amoroso. Ela diz manter postura semelhante à de uma mãe ao afirmar que um dos requisitos para se relacionar com ela é, primeiro, conquistar a irmã.

"É como se eu fosse mãe dela. E toda mãe só vai se relacionar se o filho for aceito, se ele gostar. Para me aceitar, tem de entender como é a minha vida. Ou aceita com Rafaela ou não quero", explica Graziela. Rafaela nunca namorou e Graziela diz, brincando, em alguns vídeos com a irmã, que quando ela for namorar, precisa ter autorização da gêmea-mãe.

Ao ser indagada por Universa se pensa em ter filhos biológicos, futuramente, Graziela é enfática: "Já pensei, mas hoje não penso mais. Já sei como é ser mãe com Rafaela. Se perguntar o que sou dela, Rafaela diz logo que sou a mãe. Eu tenho Rafaela como uma filha e ela me ensina o que é o amor e o perdão todos os dias. Ela é o que conheço de melhor nesse mundo".

Dia das Mães das Irmãs

Pela primeira vez, as duas irmãs participaram, em maio deste ano, das comemorações alusivas ao Dia das Mães na escola em que Rafaela estuda -e a pedido dela. "Sentimos muito a falta da nossa mãe, e essa data sempre é muito sofrida, nunca participamos de nada. Neste ano, ela me pediu e eu fui. Ela diz que sou a mãe dela, mesmo eu explicando que somos irmãs. Engoli o choro do início ao fim, emocionada. Mas foi gratificante vê-la feliz."

Com o amadurecimento que teve ao "criar" a irmã, Graziela observa que o desenvolvimento de Rafaela ficou atrasado pela superproteção que recebeu, antes, da mãe e da avó. Para ela, na época em que as duas nasceram, as pessoas não tinham a "visão que se tem hoje". "Rafaela faz muita coisa: ajuda a organizar a casa, arruma as coisas dela, toma banho sozinha. A única coisa que não deixo é mexer na cozinha porque somos muito desastradas", diz Graziela, sorrindo.

"Nesses 15 anos, ela se desenvolveu muito, tudo no tempo dela, pois ninguém é igual e ela ter síndrome de Down é só um detalhe."