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Quem são as brasileiras vítimas de feminicídio que podem se tornar santas?

Albertina Berkenbrock, beata brasileira, foi vítima de feminicídio   - Reprodução
Albertina Berkenbrock, beata brasileira, foi vítima de feminicídio Imagem: Reprodução

Breno Damascena

Colaboração para Universa

24/11/2019 04h00

Pelo menos três mulheres são vítimas de feminicídio por dia no Brasil. De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, mais de 1.200 foram assassinadas em 2018, um aumento de 4% em relação ao ano anterior. E a agressão contra elas vai além: mais de 66 mil casos de violência sexual foram registrados nesse mesmo período. Cerca de 54% das vítimas tinham até 13 anos de idade.

O cenário assustador, porém, não é recente. Albertina Berkenbrock era ainda mais jovem quando resistiu a uma tentativa de abuso sexual e foi assassinada por um funcionário da fazenda de sua família em Imaruí, no interior de Santa Catarina. Ela tinha 12 anos quando, no dia 15 de junho de 1931, a tragédia aconteceu. Pela trajetória de amor a Deus e por ter lutado para preservar a castidade, ela passou a ser reconhecida por católicos como a primeira mártir brasileira.

O túmulo onde a garota foi enterrada se tornou ponto de peregrinação de fiéis e milagres começaram a ser atribuídos a ela. No dia 20 de outubro de 2007, Albertina foi beatificada pelo Vaticano e agora está na fila para ser reconhecida como santa. O Brasil possui 51 beatos. Essa é a penúltima fase do procedimento de canonização e ocorre após a comprovação de um milagre (cura sem explicação médica, realizada quando um fiel pediu o intermédio do candidato a santo para Deus) ou, no caso dela, o reconhecimento de martírio.

Destes 51 beatos, apenas seis nasceram no Brasil —os outros são estrangeiros que viveram e morreram aqui. Entre os seis brasileiros, três são mulheres que foram mortas por homens que não aceitaram a rejeição. Foi o que aconteceu com Benigna Cardoso da Silva, assassinada por golpes de facão no sertão de Santana do Cariri, no Ceará. Ela tinha 13 anos quando, em 1941, enfrentou um adolescente que tentava estuprá-la.

Heroína da Castidade

A jovem recebeu a alcunha de Heroína da Castidade pela Igreja Católica e, no dia 3 de outubro deste ano, o Vaticano divulgou um comunicado reconhecendo seu martírio. Desta forma, Benigna, que possuía até então o título de Serva de Deus, não precisou ter nenhum milagre comprovado para se tornar beata, apesar de diversos testemunhos de graças alcançadas por intermédio dela.

"A única forma de uma criança se tornar santa ou beata é a morte por meio do sacrifício: suportar uma dor extremamente intensa na qual tenha demonstrado coragem e determinação", explica Solange Ramos de Andrade, professora da pós-graduação em história na Universidade Estadual de Maringá e pesquisadora da história das religiões no Brasil. "Isso pode acontecer em três circunstâncias: uma doença grave, uma morte violenta ou quando tem uma experiência divina."

A professora explica que os mártires beatificados são aqueles que morreram defendendo a fé cristã. "Normalmente, os meninos são vítimas de violência em embates com autoridades. Ao passo que o martírio das meninas está ligado à questão da sexualidade. Ambas as injustiças estão vinculadas à perseguição da Igreja", diz. "Elas não se tornam santas por serem mulheres, mas, sim, em função da adesão à fé. Porque o modelo da castidade feminina é o modelo de pureza."

O Brasil possui 37 santos, mas a primeira santa brasileira é Irmã Dulce, canonizada no último 13 de outubro pelo papa Francisco —entre os homens, o primeiro foi Frei Galvão, que recebeu o título em 2007. Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes nasceu em Salvador, no ano 1914, e morreu em 1992. A baiana teve dois milagres reconhecidos pela Igreja Católica e agora recebeu a denominação de Santa Dulce dos Pobres.

Igreja em transformação

Atualmente, existe uma tendência em aumentar a participação das mulheres em lugares tradicionalmente ocupados por homens na Igreja Católica. "Essa questão é um desdobramento do que ocorre na sociedade. A busca de legitimação dos direitos, o empoderamento feminino e a visibilidade estão conquistando espaço na instituição", diz a pesquisadora. "Em algumas perspectivas, a igreja permanece fechada, mas, em termos de discurso, está mais inclusiva. Isso começou na Carta de João Paulo 2º às Mulheres, em 1995."

Irmã Dulce viveu no mesmo estado que abrigou a freira potiguar Lindalva Justo de Oliveira. Nascida em Açu, no Rio Grande do Norte, em 1953, Lindalva foi a sexta filha de um casal pobre que teve 14 descendentes. Com 18 anos, a mulher se mudou para a capital do estado, onde trabalhou como babá, auxiliar de escritório, balconista e caixa de um posto de gasolina antes de entrar, aos 33 anos, para a Companhia das Filhas da Caridade de São Vicente de Paula, grupo católico dedicado a combater a pobreza e a miséria.

Após oito anos, foi enviada para Salvador, onde prestaria serviço como freira no Abrigo Dom Pedro 2º, dedicado a prestar assistência a idosos em situação de vulnerabilidade. Lá, se deparou com Augusto Peixoto, um homem de 45 anos que a assediava incessantemente. Apesar do medo, a freira continuou atuando no local até o dia em que foi surpreendida com golpes de faca enquanto servia o café da manhã aos abrigados.

Em 2007, por conta do martírio, Irmã Lindalva, como ficou conhecida, foi proclamada beata pela Igreja Católica. Os fiéis aguardam, agora, a declaração de santidade a ser emitida pelo papa.