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"Quero que meu ofício vá além de minha sexualidade", diz ator de Bacurau

Silvero Pereira na pré-estreia de Bacurau em Cannes Imagem: Daniele Venturelli/WireImage

Carlos Minuano

Colaboração para Universa

18/11/2019 04h00

"Não me encaixo em sigla nenhuma", afirma o ator e diretor Silvero Pereira a Universa após ser questionado sobre o seu lugar de representação na comunidade LGBT. Ele recusa uma definição ou enquadramento de gênero baseado em alguma das letras, mas reconhece a importância de cada uma delas para o debate sobre diversidade sexual. E corrige o repórter: "O correto é LGBTQIA+". Ou seja, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queers, intersexuais, assexuais e mais.

"Por uma questão didática, para que a sociedade entenda que existem diferenças a serem respeitadas, as nomenclaturas ainda são importantes", diz. E a relevância de uma abordagem abrangente e correta sobre o tema é ainda maior no momento atual de perseguição contra minorias, prossegue. "Há um movimento político que mira justamente espaços de inclusão na indústria cultural." E chama a atenção para o modo como esse processo está acontecendo.

Empresas com medo de represálias do governo ou da perda de privilégios e apoios estão deixando de destinar patrocínios para conteúdos com temática gay. "Tenho visto menos espaço para projetos". Embora não tenha sido afetado diretamente, para ele, o ataque é um fato, só que a batalha não está perdida. "Alcançamos muitas conquistas nos últimos anos e temos que continuar lutando, vamos passar por um momento difícil, a história política do Brasil sempre foi assim, cíclica. Uma hora vai bem, em outra vai mal."

Resistência

Contra o recuo forçado, artistas seguirão na resistência, prevê. "A arte é esse lugar da independência, da fala sem filtros". Silvero garante continuar na briga. Mesmo se colocando fora das siglas, o ator, homossexual assumido, se tornou uma referência pela visibilidade que deu para os trans, ao estrear na televisão em 2017 com o personagem Nonato, um motorista que a noite se transformava na travesti Elis Miranda na novela "A Força do Querer", da TV Globo.

Aos 37, o cearense de Mombaça está na estrada desde os 17. E há tempos também é um ativista da causa gay. O papel na televisão, que gerou polêmica e lhe deu visibilidade, foi conquistado em cima do palco com a peça "BR-Trans" sobre o universo da transexualidade.

Por sorte, o espetáculo, no qual dirige e atua, passava pelo Rio e a autora Glória Perez, que fazia na época a pesquisa de elenco para "A Força do Querer", estava na plateia, assistiu, gostou e o convidou para a novela. "Ela foi muito generosa comigo."

Era a primeira experiência na TV, por isso o personagem foi sendo introduzido na trama com cuidado, no início com poucas falas, logo cresceu, caiu no gosto do público e segue agora conquistando audiências estrangeiras, com a exibição da novela na América Latina.

E a peça "BR-Trans", que abriu as portas do sucesso na televisão, segue em cartaz há seis anos. Já viajou por várias cidades brasileiras, teve exibições fora do país, nos EUA e Alemanha e deve voltar a circular em 2020. A longevidade do espetáculo, acredita estar relacionada com políticas públicas inclusivas que abriram espaços e geraram oportunidades para as minorias nos últimos anos, um avanço que, segundo ele, está ameaçado pelo atual governo do presidente Jair Bolsonaro. "Não falo apenas da comunidade LGBTQIA+, mas também das mulheres, negros, indígenas, alunos de escola pública, nordestinos."

Silvero Pereira como o Lunga de Bacurau Imagem: Reprodução

Segundo Silvero, o Brasil, embora ainda longe do ideal, parecia caminhar para o desenvolvimento. Ressalta que uma demanda silenciada por décadas enxergava pela frente um novo horizonte de possibilidades, com mais acesso às universidades, novas opções no campo das profissões, mentes mais abertas. "A representatividade, a identidade e a valorização das minorias parecia finalmente uma realidade."

Por outro lado, apesar do atual ambiente político de retrocesso, sente que as pessoas estão mais esclarecidas do que no passado, principalmente em relação à diversidade. "Há 15 anos seria impossível imaginar que teríamos hoje uma cena teatral, cinematográfica e musical com tanta representatividade." O ator cita as indicações de Liniker e do grupo As Bahia e a Cozinha Mineira para o Grammy latino deste ano como exemplos da força e resistência de uma arte ativista que se consolida no país.

Em busca de papeis mais plurais

Por ora sem trabalho na TV, Silvero aguarda um novo convite e conta estar em busca de papeis mais plurais, em que o seu posicionamento sexual não seja determinante. "Quero que comecem a pensar em mim fora dos estereótipos, sem associar meu posicionamento em defesa da comunidade gay ou da maneira que eu apareço nas redes sociais, as vezes vestido com roupas femininas, com as unhas pintadas, quero que meu ofício vá para além de minha sexualidade."

No cinema e no teatro, segue com a agenda cheia. Viveu Lunga no badalado e premiado "Bacurau", dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e acaba de filmar outro longa, o "De repente Drag", onde interpreta um transformista hétero, ainda sem previsão de estreia.

Em paralelo, segue com espetáculos itinerantes pelo Ceará profundo. "Coloco as coisas dentro do meu carro, com uma equipe pequena e vamos ao encontro dessas comunidades no interior. "Acho importante que conheçam a minha história, de como vindo de uma família extremamente humilde, vivendo uma situação precária, de uma pobreza absurda, encontrei uma brecha na arte para sair desta condição."

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