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Mulher tem veias dos olhos rompidas após violência obstétrica; bebê morreu

Hospital diz que está apurando a denúncia Imagem: iStock

Bruna Barbosa Pereira

Colaboração para Universa

16/11/2019 04h00

Após nove dias internada no Hospital São Luiz, em Cáceres, sentindo fortes contrações e sofrendo com a incerteza de que a filha, que se chamaria Isabelle, estava viva, Fernanda Schiavo, de 29 anos, afirma ter dado à luz a bebê em um quarto comum do hospital, sem a presença de um médico obstetra. A menina, que não sobreviveu, não estava com a cabeça "encaixada" e as veias dos olhos de Fernanda teriam rompido, devido à força que precisou fazer.

Por meio de nota, a direção do hospital informou que um procedimento interno de apuração para analisar as circunstâncias do atendimento foi instaurado. A unidade também ressaltou que prestará todos os esclarecimentos e providências cabíveis. "A unidade se solidariza com a perda da família e ressalta que todos os esclarecimentos serão fornecidos para a compreensão dos procedimentos adotados".

De acordo com o Ministério Público, uma denúncia foi encaminhada e deve ser analisada pela promotora Ana Luíza Barbosa da Cunha.

O parto aconteceu no dia 16 de outubro, porém, Fernanda não conseguia expor o ocorrido. Ela continua sem conseguir falar sobre o que passou. O marido dela, Wesley Aparecido Martins, de 31 anos, contou que a mulher teve o primeiro sangramento no dia 6 de outubro.

Como moram em Mirassol d'Oeste, o casal foi até o hospital São Luiz, em busca de atendimento de urgência. De acordo com Wesley, os problemas teriam começado no momento em que chegaram a unidade e Fernanda precisou esperar por mais de uma hora para passar por uma triagem.

Os olhos dela ficaram assim após o parto Imagem: Arquivo Pessoal

"Quando foi chamada, recebeu atendimento de alunos de medicina, que se perdiam entre os papéis e não conseguiam preencher dados no computador. Também não sabiam o significado da palavra reagente, não deram atenção para a Fernanda, que estava ali na frente deles com fortes dores", lembrou.
Após a triagem, a médica plantonista sugeriu que Fernanda voltasse para casa. Wesley disse que, neste momento, começou uma discussão com a equipe médica, já que a mulher se queixava de dores e ambos temiam pela vida da filha.

Segundo ele, a médica teria dito, então, que internaria a contadora apenas "porque ele queria". Wesley relatou que, em nenhum momento, a equipe teria feito um ultrassom ou escutado os batimentos cardíacos para saber como a bebê estava. De acordo com ele, a mulher aguardou pela internação até às 4h, quando foi transferida para um quarto e passou a tomar Buscopan para as dores.

Já na tarde do dia 11 de outubro, Fernanda teria sido submetida a um exame de ultrassom, que mostrou que Isabelle estava bem, apesar dos sangramentos e das dores. Porém, no mesmo dia, ela começou a perder líquido e passou a se preocupar novamente.

Duas obstetras teriam passado pelo quarto em que Fernanda estava internada e indicado que fosse feito um novo ultrassom, devido ao rompimento da bolsa. Porém, naquele dia, o técnico responsável pelo procedimento não estava no Hospital São Luiz. Como no dia seguinte era feriado, ela precisaria esperar no mínimo 24 horas.

Transferência negada

Wesley, então, tentou a transferência da mulher Hospital Santa Rosa, em Cuiabá. De acordo com ele, uma equipe de médicos estava esperando para atender a emergência, porém, a unidade de Cáceres negou que Fernanda fosse transferida, alegando que o procedimento que ela precisava era realizado pelo hospital.

"Nós conseguimos a ambulância para levá-la até Cuiabá, mas o hospital negou a transferência. Horas depois, disseram que podíamos levá-la por nossa conta e risco para o Hospital Santa Rosa, usando um carro particular", lembrou.

De acordo com ele, as chances de Fernanda ou a bebê morrerem na estrada era de 90%. A família, então, optou por não submetê-la ao risco usando um carro que não estava equipado para emergências. Wesley contou que, durante todo o período, a mulher sentia contrações, estava com a barriga dura, além de ter parado de se alimentar.

"Em 15 de outubro, por volta das 15h, as dores aumentaram muito e avisamos a equipe de enfermagem. Disseram que o médico plantonista não estava, mas que estava chegando. Pedimos por um médico durante todo aquele dia, mas ele não apareceu", lembrou.

Na madrugada do mesmo dia, Fernanda entrou em trabalho de parto. Segundo Wesley, as enfermeiras teriam se recusado a prestar atendimento, já que não haviam medicamentos prescritos e o médico plantonista ainda não havia chegado.

Sem suporte e presença de um médico, apenas com acompanhamento de técnicas de enfermagem, Fernanda deu à luz a Isabelle, já sem vida, por volta das 7h através de um parto normal. De acordo com Wesley, a mulher tinha a recomendação médica de uma cesárea.

Emocionado, o advogado, que esperava pela primeira filha contou que a bebê não estava "encaixada", ou seja, a cabeça de Isabelle não estava na posição certa para um parto normal. "Ela [a Isabelle] já estava toda formadinha, tinha cabelo, só precisaria ganhar peso".

Wesley contou que, devido a força que precisou fazer para dar à luz a filha, Fernanda ficou com vasos rompidos nos olhos e ficou alguns dias sem conseguir enxergar direito. "Ela não podia ter passado por aquele parto normal", reforçou.

Sequência de abortos

Antes de chegar ao sexto mês da gestação de Isabelle, Fernanda já havia sofrido três abortos espontâneos. Ela e o marido tinham dificuldade para conseguir engravidar, por conta disso, decidiram juntar as economias para uma fertilização in vitro para terem o primeiro filho. A mulher, então, engravidou de gêmeos, mas a gravidez não seguiu adiante.

Em maio deste ano, Fernanda engravidou novamente de gêmeos e, mais uma vez, sofreu um aborto espontâneo e perdeu um dos bebês, restando apenas Isabelle. Wesley contou que, a maior tristeza, é pensar que sua filha estava bem e saudável.

Atualmente, Fernanda precisa passar por acompanhamento psicológico e, segundo Wesley, ficou com graves traumas do parto forçado. A mulher, no entanto, decidiu juntar forças a outras mães que também teriam sofrido algum tipo de violência obstétrica ou negligência no Hospital São Luiz.

"Lutar para que outras mães não passem por isso é o que tem ajudado ela, porque nada vai trazer a Isabelle de volta, mas queremos impedir que volte a acontecer. Desde que decidimos expor o caso, temos tomado conhecimento de novas denúncias contra o hospital", explicou.

Por conta do trauma, Wesley contou que Fernanda desistiu de tentar engravidar no momento e que a família também não tem tocado mais no assunto de novas gestações. "Ela tem medo de engravidar e não conseguir de novo, por enquanto deixamos esses planos de lado. Quero que ela fique bem". Eles montaram um site (www.isabellekids.com.br) com o relato do caso, cópia da denúncia ao Ministério Público. A ideia é que mães possam enviar seus relatos para receberem assistência jurídica gratuita.

Outros casos

Em 29 de maio de 2017, a dona de casa Rosa Maria Martins Pires, na época com 27 anos, estava grávida e nove meses quando deu entrada no Hospital São Luiz, já em trabalho de parto. Ela acabou tendo uma hemorragia e o bebê morreu no dia 5 de junho, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do hospital.

O marido de Rosa, William Couto Cuiabano, registrou um Boletim de Ocorrência alegando violência obstétrica, além de ter procurado o Ministério Público para formalizar a denúncia. De acordo com ele, durante o parto, o médico chegou a empurrar a cabeça do bebê para dentro da barriga da mãe após uma enfermeira gritar que não era para sujar o local de sangue.

A mulher foi encaminhada para o centro cirúrgico duas horas depois, às 23h. De acordo com a cunhada da paciente, Rosa Maria teve uma hemorragia interna, pois as enfermeiras começaram a pressionar a barriga para forçar o parto normal, fazendo com que pontos de uma antiga cesárea arrebentassem.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado, a espera pelo ultrassom é de 24 horas.

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