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Críticas "construtivas" que acabam com autoestima: saiba identificar abuso

Críticas abusivas não ajudam em nada: machucam, deixam inseguros. Especialistas comentam - BraunS/iStock
Críticas abusivas não ajudam em nada: machucam, deixam inseguros. Especialistas comentam Imagem: BraunS/iStock

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

11/11/2019 04h00

Muito já se falou sobre a eficácia das críticas construtivas. Feitas com benevolência e assertividade, elas podem ajudar quem as recebe a evoluir na carreira, por exemplo, ou a se dar conta de um hábito nocivo que tem e, assim, modificá-lo. No entanto, existem muitos comentários depreciativos e até maldosos por aí devidamente camuflados de crítica construtiva — e eles são apenas a ponta de um iceberg que, encarado por completo, pode revelar uma relação abusiva.

Para a psicoterapeuta e terapeuta de casais Carmen Cerqueira Cesar, de São Paulo (SP), trata-se de um processo intricado e, por isso mesmo, nem sempre fácil de identificar — principalmente para quem está na posição de ouvir a crítica — por causa dos sentimentos envolvidos. Por isso, vale aprender a distinguir as diferenças.

Crítica misturada com sentimento

Segundo Carmen, a crítica construtiva é feita com cuidado, carinho e respeito, visando alertar o outro sobre certos aspectos de seu "funcionamento na vida": atitudes, dificuldades, certos comportamentos, reações emocionais que se repetem ou não fazem parte da lista dos campos em que alguém pode "dar um toque" no outro.

"Significa dar um toque com o objetivo de ajudar, lançar luz, auxiliar na percepção de alguns pontos que prejudicam a pessoa e que ela pode não estar percebendo. A intenção é promover uma mudança positiva", conta.

A crítica construtiva é um sinal de consideração de alguém que cultiva um afeto genuíno e que vê a situação de fora, com objetividade. Ela quer ajudar o outro a melhorar. "Nesse caso, não há agressão, desrespeito ou desvalorização. Não se faz um ataque à sua identidade, o que se deseja é que a pessoa perceba suas falhas e supere suas dificuldades, apresentando sugestões e possíveis soluções para o seu crescimento", pontua Carmen.

Já a crítica destrutiva, por sua vez, representa um ataque agressivo (consciente ou não) feito à identidade e à personalidade do outro, e não ao comportamento ou à uma reação em particular.

Projeção de uma frustração

Geralmente não tem fundamento, conforme Carmen, e pode ser uma projeção de uma pessoa mal resolvida, insegura, frustrada ou invejosa na figura do outro.

"Ela não ajuda em nada, pelo contrário, machuca, prejudica, principalmente numa relação afetiva. Quando se trata de alguém amado e respeitado, a crítica tem um impacto e valor significativos. A pessoa será atingida e levará em consideração o que o par disse ou insinuou, além de sofrer os efeitos dessa agressão, desvalorização e/ou desrespeito tanto do ponto de vista emocional quanto moral", diz a psicoterapeuta.

Tática perversa e sutil

De acordo com a psicóloga clínica de Presidente Prudente (SP) e especialista em Neuropsicologia pelo setor de Neurologia do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) Joselene L. Alvim geralmente os ataques são direcionados a pontos de fragilidade do outro, pois quem ataca sabe exatamente a dificuldade alheia em mudá-los.

"A ideia é desqualificar o par. E quem faz esse jogo geralmente envolve a pessoa de um jeito que ela fica confusa, pois as críticas são ditas com voz de ternura, sutileza e sedução", observe.

Um exemplo é quando um dos parceiros recebe algum elogio ou promoção no trabalho e a crítica tida como construtiva, mas destrutiva na essência, vem em forma de comentários dúbios do tipo: "Não é tão difícil conseguir isso, mas mesmo assim vale comemorar".

Há outras frases comuns a relacionamentos abusivos: "Apesar de você ser gordinha, eu amo você e por isso não a deixaria" e "Você tem dificuldade de resolver até coisas simples, mas eu estou aqui pra ajudar" também são comuns.

Joselene lembra que um relacionamento abusivo ocorre quando um dos lados usa o próprio poder — seja físico, emocional ou psicológico — para controlar o outro, impondo situações constrangedoras e humilhantes ao parceiro.

"O agressor que critica leva a vítima a se sentir incapaz de fazer algo, tornando-a mais dependente. Faz, ainda, com que se sinta mal por algo que ela não tem controle. Isso quando não ajuda ou atrapalha suas realizações", informa a psicóloga.

Na opinião de Carmen, manter o outro numa relação de dependência emocional ou mesmo de propriedade é uma tentativa de comprovar sua própria onipotência e de impor a sua maneira de ser e pensar.

"As vítimas costumam ser pessoas dependentes, sem muita consciência de seu próprio valor, perfeccionistas e conscienciosas, com uma propensão natural a culpar-se. São vulneráveis ao juízo do outro e às suas críticas, mesmo que infundadas", descreve.

Conte os elogios e as críticas

É evidente que, independentemente do tipo de relação, quando as críticas tornam-se muito frequentes, acabam desgastando e tirando o prazer do relacionamento.

"O índice de elogios deve ser sempre maior que o de críticas, pois facilita a conexão, a escuta e a mudança. Quando a situação é inversa, é hora de reavaliar a relação e buscar uma mudança", fala a psicóloga Marina Simas, sócia-diretora do Instituto do Casal, em São Paulo (SP). "As críticas devem ser sempre construtivas, com o objetivo de ajudar, motivar e incentivar o outro. A partir do momento em que elas atacam e desqualificam, deixam de ser saudáveis e passam a prejudicar o relacionamento", completa.

Pouco a pouco, o alvo vê sua autoconfiança em frangalhos. A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na sua vida, comprometendo sua identidade, a dignidade e as relações afetivas e sociais, além de ocasionar graves danos à saúde física e mental. "As críticas destrutivas constantes vão minando e podem aniquilar uma pessoa por conta de um processo contínuo de desestabilização sem que o agressor suje as mãos nem derrame uma gota de sangue", explica Carmen,

Romper esse mecanismo nocivo envolve tomada de consciência. Felizmente, segundo Carmen, em muitos casos a pessoa reage: seja porque consegue perceber sozinha, ao ser ou se tornar suficientemente saudável no aspecto emocional para perceber que o problema não é dela, ou porque algum amigo ou familiar alerta. A terapia também ajuda a esclarecer as coisas.

"Nesses casos, a vítima interrompe a tática perversa e, aí, das duas uma: ou o outro muda para se adaptar à nova situação de conviver com alguém que não tolera mais ser rebaixado ou o relacionamento acaba, uma vez que a pessoa não faz mais o perfil neurótico complementar", conta Carmen.