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"Achei que era sonho": elas contam como foi dia em que Muro de Berlim caiu

Suely, fotógrafa brasileira, morava em Berlim na queda: ninguém acreditou - Arquivo Pessoal
Suely, fotógrafa brasileira, morava em Berlim na queda: ninguém acreditou Imagem: Arquivo Pessoal

Nina Lemos

Colaboração para Universa

09/11/2019 04h00

9 de novembro de 1989. Essa data está cravada na história mundial como o dia da Queda do Muro de Berlim, evento que acabou com a divisão da Alemanha e marcou o começo do fim da guerra fria. Nesse sábado (9), são celebrados os 30 anos desse dia histórico.

Quem tem mais de quarenta anos, deve lembrar de ter visto na TV as imagens das pessoas quebrando o muro com marretas e celebrando em cima do imenso muro que dividia Berlim, atual capital da Alemanha, em duas: a do leste (comunista) e a ocidental (capitalista). Se você é mais jovem, deve ter estudado na escola. O que muita gente não sabe é que esse dia, para os cidadãos comuns das duas Alemanhas (eram dois países) o evento foi uma surpresa total. Era para ser um dia normal, uma quinta-feira qualquer. Mas virou história.

Tudo aconteceu sem nenhum planejamento (algo raro na Alemanha). Ninguém esperava. O projeto da unificação e a pressão para que o muro caísse já eram enormes. No lado leste (comunista, de onde as pessoas não podiam sair) ocorriam centenas de manifestações. Mas ninguém sabia ao certo quando seria a queda (e se ela de fato aconteceria).

Mas, depois de muita pressão, um membro do governo da DDR (Alemanha do Leste) disse na TV que os cidadãos poderiam viajar para a Alemanha ocidental (antes eles eram completamente proibidos). Um repórter perguntou: "quando?". E ele respondeu: a partir de agora. Bem, não era agora, agora que ele queria dizer. Mas milhares de pessoas foram para esses pontos de fronteiras e pressionaram os guardas para que as portas fossem abertas. Aos poucos, foram sendo. Cidadãos começaram a atravessar correndo. E assim foi. Os berlinenses do lado ocidental viram pela TV e muitos foram para a rua, transformando a cidade em uma grande festa.

"Eu nunca vi na minha vida tanta gente se abraçando em Berlim. Quando chegava uma pessoa do outro lado, todos abraçavam, choravam. Chegava gente do leste e beijava o chão", contra a fotógrafa Suely Torres, 53 anos, que morava na Berlim ocidental há dois anos na ocasião.
Universa conversou com mulheres que viveram esse dia histórico para saber como foi viver isso na vida real.

Leia os depoimentos abaixo:

Eu subi no muro e celebrei

"Eu morava em Kreuzberg, na Alemanha Ocidental, relativamente perto do muro. Tinha chegado na Alemanha há dois anos e achava que meu alemão não era bom. A TV estava ligada e vi um homem lendo uma carta que dizia: 'as fronteiras do Muro foram abertas.' Pensei: 'nossa, meu alemão é ruim mesmo!'

Via pessoas correndo na TV. Resolvi ligar para uma amiga alemã e ela me disse que sim, era verdade, eu tinha ouvido certo. As pessoas estavam fugindo correndo da Alemanha Oriental, achando que aquela poderia ser a única chance delas de escaparem. Decidi sair correndo de bicicleta para ver. E foi uma loucura.

Foi aí que me dei conta e pensei: 'gente, o Muro caiu'. Era muita gente na rua. Larguei a bike, peguei o metrô e fui para o Portal de Brandenburgo (onde aconteceram as maiores manifestações e festas no dia e onde serão celebrados os 30 anos da queda). Subi em cima do muro com os alemães. Era uma multidão enorme. Foi a primeira vez que vi alemão abraçando desconhecido na rua. As pessoas choravam e eu chorava junto com eles. Passei a noite lá.

A Coca-Cola e umas marcas de cervejas começaram a distribuir bebida para as pessoas que chegavam vindo do outro lado. Uma coisa louca. Tinha gente que beijava o chão. Eu fico emocionada até hoje quando lembro. Quando vejo imagens, choro, porque parece que foi ontem. Foi a maior experiência de calor humano que eu já tive na Alemanha.

O dia seguinte foi uma loucura. A cidade estava tomada. As pessoas que chegavam do leste ganhavam 100 marcos para gastar. Então, era fila em todos os supermercados, filas que davam volta. Os metrôs estavam totalmente lotados. Era como se a cidade tivesse dobrado o número de habitantes. Demorei uns dias para ir passear. Foi aí que vi uma parte da cidade que nunca tinha visto na vida. E parecia uma cidade fantasma."

Suely Torres, brasileira, é fotógrafa e mora em Berlim há 33 anos

Celebrei com meus amigos do leste e do oeste

"Eu morava na Alemanha Ocidental, mas tinha amigos na Alemanha do Leste. Eu gostava de punk rock e ia a festas e shows lá. Como eu era da Alemanha Ocidental, podia passar. Mas meus amigos, claro, não podiam me visitar.

No dia 9 de novembro, estava em um pequeno restaurante do meu bairro com uma amiga quando ouvimos a notícia, umas 19h30. Alguém chegou e gritou: 'o muro caiu! o muro caiu!'

A gente olhou uma para outra e pensou: 'isso é uma piada!' Mas aí fomos para casa, ligamos a TV e era verdade! Eu não podia acreditar, parecia um sonho. Recebi uma ligação do trabalho. Eu trabalhava como estagiária para uma produtora que fazia conteúdo para a MTV Europa. O chefe da MTV americana, que para a gente era muito importante, pediu para irmos para o local e fazer uma reportagem para a MTV mundial. Eu nem lembro como conseguimos nos encontrar, levar equipamento, já que não tinha celular naquela época! Mas fomos e foi realmente incrível.

Eu tentava entrevistar as pessoas em inglês, o que foi ridículo, porque naquela época quase ninguém falava inglês no leste Berlim. E as pessoas estavam tão emocionadas que mal conseguiam falar. Eu ligava o microfone e as pessoas falavam em alemão: 'Uaaaah. Die mauer is offen! (o muro está aberto!).

Era um sentimento de não acreditar nem um pouco que aquilo estava acontecendo. Era inacreditável. Parecia um sonho.

Quando voltei para casa, já era de manhã, eu dividia apartamento com amigos. Não conseguia nem abrir a porta. Meus amigos de Berlim oriental estavam todos lá! Acho que estavam todos bêbados [risos], dormindo em nosso apartamento. Mas foi um final de semana maravilhoso. Mas foi maravilhoso a gente poder celebrar esse evento histórico maravilhoso com amigos do leste e do oeste."

Birgit Herdlitischke, 53, é jornalista

Eu tive muito medo, foi assustador

Adália: se assustou com a queda do muro - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Adália: se assustou com a queda do muro
Imagem: Arquivo Pessoal
Adália: se assustou com a queda do muro - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Adália: se assustou com a queda do muro
Imagem: Arquivo Pessoal

"Eu sou brasileira e estava morando em Berlim há alguns anos. Morava em um squat (prédio ocupado) só de mulheres e dava aula de português em uma escola de línguas alternativa. No dia da queda, tinha saído para jantar com uma amiga. Antes estava tudo calmo, mas quando saímos na rua, as pessoas gritavam, parecia o fim de um jogo de futebol. Ficamos assustadas e fomos para casa.

Quando chegamos, nos falaram que os guardas tinham saído da fronteira da ponte que ficava perto da minha casa e eu entrei em negação. Parecia que eu estava em um sonho.

Não acreditava que aquilo estava acontecendo. Nem saí. Acordei no dia seguinte e pensei: 'não é possível. Foi um sonho, aquilo não aconteceu.'

Peguei minha bicicleta e fui comprar pão. Saí pedalando e, quando vi, estava do outro lado do muro, que simplesmente não existia mais. Me senti completamente perdida. Aí que eu pensei: 'nossa, o muro caiu.' E voltei para casa preocupada. E foi só aí que soube de tudo que tinha acontecido. A cidade estava um caos. Eram filas em supermercados, postos, você não conseguia chegar de carro em lugar nenhum porque eram centenas de quilômetros de engarrafamento. Começou a ficar difícil comprar comida. Não aproveitei muito o clima de festa. Eu estava assustada.

Depois de uns dias, meus amigos falaram que eu não podia sair sozinha, que estavam acontecendo ataques neonazistas na cidade. Sou negra, brasileira, era alvo. Decidi ir embora de Berlim um ano depois. Não ia viver daquele jeito, com medo."

Adalia Selket, 65 anos, hoje vive em São Francisco, nos Estados Unidos

Eu tinha sete anos. E encontrei minha tia depois de anos

Jula Winter era criança, mas lembra de como o dia foi alegre - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Jula Winter era criança, mas lembra de como o dia foi alegre
Imagem: Arquivo Pessoal

"Eu tinha sete anos quando o muro caiu, mas me lembro de tudo. Eu morava na parte ocidental de Berlim, em Wansee, mas muito perto de Potsdam, que era uma cidade do leste, onde não podíamos ir sem passar por uma fronteira com guardas. Por isso, era raro a gente ir lá. A melhor amiga da minha mãe morava lá e era muito difícil encontrá-la. Na quinta-feira eu tive um dia normal na escola. Quando cheguei em casa, meus pais estavam em frente a TV, chocados, falando: "Isso não é possível". E me explicaram que o muro tinha caído, e eu também não acreditei. No dia seguinte, fui para a escola normalmente, apesar de ter muito trânsito na cidade. A surpresa aconteceu quando a minha mãe foi me pegar na escola. Ela estava com a melhor amiga dela, que tinha ido na minha casa. Eu fiquei muito surpresa e feliz de encontrá-la, ela nunca tinha ido na minha escoia ou na minha casa desde que eu tinha nascido. A gente que ia visitá-la às vezes, porque, como éramos do ocidente, podíamos passar. Essa noite irei para o portal de Brandemburgo, onde os 30 anos da queda do muro será celebrada com minha mãe, meu marido e essa minha "tia". Vamos comemorar de novo esse reencontro."

Jula Winter, 37 anos, é fisioterapeuta