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Relatora da CPI das Fake News já é alvo de ataque: "Me chamaram de petista"

A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) - Reprodução/Facebook
A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) Imagem: Reprodução/Facebook

Camila Brandalise

De Universa

29/10/2019 04h00

Criada para investigar ataques cibernéticos e a influência da disseminação de notícias falsas nas eleições do ano passado, a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News começa a receber depoimentos de políticos nesta quarta (30), com a presença do deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP).

Relatora da comissão, a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) conta que, ela própria, está se preparando para ser alvo de algumas por causa do cargo que vai ocupar até o dia 23 de dezembro.

"Na verdade, já começou. Duas semanas atrás, o vereador Carlos Bolsonaro [PSC-RJ, filho do presidente] usou um post para me atacar por eu ser relatora da CPI, me chamou de petista e disse que eu deveria me 'autoinvestigar'", diz. Parlamentares do PSL também já fizeram protestos contra a comissão, apelidando-a de CPI da Censura. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também filho de Jair Bolsonaro, chamou a comissão de "esculhambação". "No mínimo, não é demonstração de defesa da democracia", diz Lídice em entrevista para Universa.

"Quem não deve não teme. Já ouvi dizerem que a comissão é contra o presidente, mas não é contra o presidente de ninguém. Só houve fake news do lado do Bolsonaro nas eleições de 2018? É possível que não. Pode ser que tenha havido nas principais candidaturas", diz a deputada. "Vamos identificar práticas de um dos fenômenos mais deletérios da sociedade, que fere uma regra básica da democracia: o direito à livre escolha."

A comissão ouvirá parlamentares de diferentes partidos, integrantes do governo, ex-ministros e especialistas em crimes virtuais. Entre os convidados estão também artistas e celebridades, como o cantor Caetano Veloso e sua mulher, a produtora Paula Lavigne, o casal de atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank e o youtuber Felipe Neto. As sessões serão realizadas às terças e quartas.

Nesta entrevista, a deputada, que foi eleita a primeira prefeita mulher de Salvador, em 1992, e a primeira senadora pela Bahia, em 2011, ainda destaca a diferença entre os ataques virtuais a homens e mulheres: "Quando chamam [a deputada federal] Joice Hasselmann de porca, além de todos os preconceitos com gordos, o que se coloca contra ela é porque é mulher. Sempre há mais coragem para atingir mulheres nas suas condições físicas do que para atingir um homem".


O senador Angelo Coronel (PSD-BA) recebeu ameaças de morte ao assumir a presidência da CPMI das Fake News. A senhora, como relatora, já foi ameaçada ou atacada?
Fui atacada pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). Duas semanas atrás, ele publicou um post para me atacar, me chamou de petista. Nunca fui do PT. Disse que eu deveria me 'autoinvestigar'. Tenho quase 40 anos de vida pública, já tive fortes adversários, a maior parte na oposição, não fiz minha vida política sentada na cadeira de governo.

Há uma forte resistência de parlamentares do PSL em relação à comissão, que foi apelidada por eles de CPI da Censura. O que conclui sobre essa postura?
No mínimo, não é demonstração de defesa da democracia, de apreço à investigação de algo que é extremamente nocivo e que deve ser punido. Acho que quem não deve não teme. Já ouvi dizerem que a CPI foi instalada para ser contra nosso presidente. Não é contra o presidente de ninguém. Vamos identificar práticas de um dos fenômenos mais deletérios da sociedade, que fere uma regra básica da democracia: o direito à livre escolha. As fake news já são disseminadas abertamente. Quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ataca uma entidade reconhecida no mundo todo, o Greenpeace, e posta foto de navio falando que estava no Brasil, mas não estava, quer o quê? Que achem isso normal? Que isso é comportamento de pessoa pública? Pode fazer a brincadeira individualmente, mas quando tem cargo de ministro, tem que ter responsabilidade no que fala, mas ele faz com mentira, falsidade.

Acredita que o presidente Jair Bolsonaro foi beneficiado por fake news para ser eleito?
Sabemos que as fake news foram usadas nas eleições de 2018. Só do lado do Bolsonaro? É possível que não. Pode ser que tenha havido nas principais candidaturas. Mas é uma prática que continua sendo perpetrada, até pelo governo. A disseminação de notícias falsas ocorre de forma organizada. Hoje são usadas para combater as instituições democráticas, contra o STF (Supremo Tribunal Federal), contra o Congresso. Não estou dizendo que o Congresso não deve ser pressionado, claro que deve, mas não significa fazer campanhas difamatórias.

Amanhã, quarta-feira, a comissão vai ouvir o deputado Alexandre Frota. Quem mais devem ouvir nas próximas sessões?
Aprovamos mais de 200 requerimentos de convocação: tem assessor de campanha do presidente, assessor de campanha do PT e de outros partidos, representantes de empresas de tecnologia vinculadas às redes sociais. Tem artistas também, porque um dos objetivos é falar sobre cyberbullying. Convidei, por exemplo, Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank [a filha do casal de atores foi vítima de racismo nas redes sociais]. Há convite também para o [médico] Drauzio Varella, que poderá dizer como as fake news prejudicam a sociedade brasileira em outros âmbitos, como quando há notícia falsa dizendo que vacina dá câncer, para as pessoas não vacinarem os filhos, e como a taxa de vacinação caiu em função disso.

O que já sabe sobre o sistema de disseminação de fake news no Brasil?
Que a prática é feita em três etapas. A primeira é a indústria, os que compartilham sabendo que estão espalhando notícia falsa. A segunda, aqueles que são contratados pela indústria para disparar esse conteúdo, recebem para isso. O público é a terceira, e acredito que a maioria dispara fake news por ingenuidade. Se a decisão do Facebook e do Instagram de toda notícia mentirosa levar um carimbo de falsa se concretizar, já será um passo importante. A CPMI pode terminar com punição de empresas, pessoas, quem for. Pode terminar com uma proposta de mudança de legislação ou estimular uma legislação mais dura. [Atualmente, a lei brasileira não tem uma lei específica para vítimas de fake news, que podem exigir a retirada do conteúdo do ar e, sabendo quem é o autor da notícia falsa, abrir processo por danos morais.]

Percebe alguma diferença entre os tipos de ataques virtuais quando o alvo é uma mulher?
Sim, e estamos vendo isso agora com as disputas internas no governo. A rede está se mobilizando para atacar uma mulher, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP). Não tenho nada a favor dela, mas há uma tentativa de desmoralização da Joice, que é ex-líder do governo. Quando a chamam de porca, além de todos os preconceitos com gordos, o que se coloca contra ela é porque é mulher. Sempre há mais coragem para atingir mulheres nas suas condições físicas do que para atingir um homem. Quando fui prefeita de Salvador [1993-1996], um jornal me chamava de 'prefeitinha', por causa da minha altura [a deputada tem 1,59 m]. Também lembro um dia de manifestação pelo Dia da Mulher da prefeitura. Fomos eu e minha vice, também mulher. Um jornal escreveu: 'Prefeita e vice participam de manifestação com outras mal-amadas'.

A senhora é um nome cotado para concorrer à prefeitura de Salvador em 2020, 28 anos após ter sido eleita a primeira --e até hoje, única-- prefeita da cidade. Qual era a bandeira de campanha naquela época em relação à população feminina e qual é a principal atualmente?
Naquela época, as pautas de políticas públicas eram tímidas. A principal era abrir mais creches. Embora ainda seja um projeto de vários candidatos, deixou de ser uma pauta do movimento de mulheres, é uma luta da educação. Hoje em dia, entre a população feminina, emergem com muita força a luta contra a violência doméstica e a necessidade de políticas públicas que alcancem mais mulheres, como criação de novas casas-abrigo [abrigos públicos que recebem vítimas que sofrem ameaças e correm risco de morrer].

Como relatora da CPMI, a senhora vai falar, pelos próximos dois meses, sobre um dos lados mais nocivos da tecnologia. Mas as redes sociais também podem ter um lado bom, certo? Na sua vida, qual é?
Conseguir conversar com minha família pelo Whatsapp. Tenho uma sobrinha na Austrália e outra em Goiás, conseguimos nos comunicar com facilidade. E falo com meus netos também. Os que não sabem ler me mandam áudio. Esses dias recebi o áudio de um dizendo que esqueceu alguma coisa na minha casa, pedindo para mandar para ele. Como me falta tempo para acompanhá-los de perto, é isso que me salva.