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Grupos feministas denunciam estupro e violência sexual em protesto no Chile

Luciana Rosa

Colaboração para Universa

25/10/2019 19h02Atualizada em 25/10/2019 19h05

Há oito dias, quando começaram os protestos da população contra o aumento no valor da passagem de metrô, o Chile vive um cenário de enfrentamento entre manifestantes e forças policiais. Já são 19 mortos confirmados, incluindo uma criança de 4 anos.

A onda de protestos, que pede a renúncia do presidente Sebastián Piñera e reivindica melhores condições de vida para a população excluída de serviços básicos de educação, saúde e transporte, chegou a níveis tão críticos que o governo decretou toque de recolher por vários momentos na última semana.

Grupos feministas do Chile, entre eles a Abofem e Piquete Jurídico, acusam policiais do país de agir com truculência e violência sexual contra manifestantes mulheres. Segundo informações do Instituto de Direitos Humanos do Chile (INDH), há 196 mulheres detidas em Santiago, 292 em outras regiões e, até agora, o organismo registrou 9 denúncias de abuso sexual.

"Estão acontecendo muitas coisas. As meninas que têm sido detidas contam que têm tido suas roupas retiradas e muitas delas são estupradas. Mas não há registros, não há uma defesa, é tudo muito irregular", conta a socióloga chilena Sumargui Vergara, que mora em Valparaíso, em entrevista ao meio argentino Filo News.

Ela conta que durante os momentos de protesto desta semana ocorreram denúncias de maus tratos, tortura e violência sexual por parte dos Carabineros, a tropa de choque do governo chileno, às mulheres.

"Nós alertamos fortemente para a violação de direitos humanos de toda a comunidade do nosso povo e especialmente referentes a algumas denúncias que estamos tramitando ao que se chama direitos humanos de grupos especiais de proteção, como mulheres, população imigrante, diversidade sexual", explica Rodrigo Malla, defensoria jurídica da Universidade do Chile, sem, no entanto, especificar os casos.

Na quarta à noite, um grupo de Whatsapp chamado "Ajuda Difusão Chile" pediu ajuda para difundir casos de agressão a "companheiras feministas".

O pedido, veio acompanhado de texto que alertava para o caso de estupro e tortura de Daniela Carrasco, conhecida como "La Mimo", encontrada pendurada em uma grade já sem vida, com sinais de violação e tortura no corpo.

"Deixaram-na exibida para amedrontar a população de La Victoria, na Comuna Pedro Aguirre Cerda. Há quem diga que foi uma advertência para frear as mobilizações", relata um dos trechos do informe.

Segundo a advogada Rebeca Zamora, da Abofem Chile (Associação de Advogadas Feministas), até agora foram recebidas mais de 10 denúncias relativas a situações vexatórias e lesões a mulheres no contexto das detenções produzidas nas manifestações e durante o toque de recolher.

"Dentre essas denúncias, há uma menor de idade e existem ameaças de agressões sexuais e um ataque lesbofóbico", conta Rebeca. "Nós estamos contatando as vítimas e solicitando os antecedentes necessários para assumir sua repressão e iniciar ações legais", pontua a advogada.

Um dos fatores que podem prejudicar a quantificação desses casos é que "o processo de entrega de informação pode atrasar devido ao estado emocional dessas mulheres". Ela explica ainda que a divulgação de dados ou a confirmação de casos como o de Daniela são complicados porque são administrados "com estrita confidencialidade por respeito a essas vítimas".

Com relação ao caso de Daniela Carrasco, Rebeca diz que a Abofem recebeu o registro de um vídeo da situação e vários depoimentos. "Nós informamos o órgão de direitos humanos sobre esses fatos e eles são quem estão investigando a veracidade da informação", conta. Por outro lado, diz que, de parte da agrupação Piquete Jurídico Chile, está "disponível para assumir a representação da família, em caso que se corrobore a situação".

Também através das redes, se vão tecendo redes de ajuda entre mulheres para difusão de informação. Zuleika Esnal da agrupação feminista Atrizes Argentinas, recebeu um áudio de Patrícia, 47, psicóloga que mora em Santiago e lhe contou um pouco como as mulheres estão vendo afetadas.

"Estamos em um cerco comunicacional. As mais prejudicadas são as mulheres. Eu tenho uma filha de 18 anos e foi muito difícil para mim explicar que não se exponha, mas também não posso pedir a ela que não se manifeste. Estamos com detidos desaparecidos como durante a ditadura. As mães andam desesperadas procurando meninas e meninos", diz a psicóloga em áudio reproduzido por Zukeika.

"As meninas que foram detidas, foram todas desnudadas diante de homens, contrariando a lei. Todas foram tocadas em seus genitais, e foi introduzida a ponta do fuzil ou a culatra na vagina. Perguntam a elas se querem que as viole através de sexo anal, e que isso acontece porque elas andam vadiando na rua. As chamam de vadias, de puta. Dizem que vão estuprá-las e depois matar. Muitas delas ainda não voltaram às suas casas."

Manifestações

As manifestações começaram na semana passada, com o anúncio do aumento das passagens do metrô. Mesmo depois de o presidente Sebastián Piñera ter voltado atrás e cancelado o aumento, os protestos continuaram. Neste momento, em Santiago, há mais de 820 mil pessoas concentradas na praça Itália, epicentro dos protestos.

Apesar de as manifestações terem origem no aumento das passagens de Metrô, as pessoas que estão na rua reclamam do alto custo de vida, dos altos preços e taxas cobradas por concessionárias de serviços públicos, das aposentadorias abaixo do salário mínimo e do sistema de saúde e educação, que não é acessível a todos.

Os protestos são de várias categorias. Há reivindicações de estudantes, pensionistas e hoje caminhoneiros aderiram às manifestações.