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Cientistas perdem tempo com burocracia - e o negócio dela é acabar com isso

Andreia Oliveira é uma das fundadoras do iBenchMarket, ferramenta de marketplace para cientistas - Divulgação
Andreia Oliveira é uma das fundadoras do iBenchMarket, ferramenta de marketplace para cientistas Imagem: Divulgação

Paulo Moreira

Colaboração para Universa

15/10/2019 04h00

Diversos projetos científicos brasileiros demoram mais tempo do que deveriam para dar resultados, ou até deixam de ser realizados, por conta da burocracia que envolve o processo. De acordo com o Confies (Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica), os cientistas perdem cerca de 30% do tempo de pesquisa com atividades administrativas. Uma delas é a compra de insumos laboratoriais necessários, como frascos, termômetros e balanças, por exemplo, uma vez que ainda não existe nada parecido com um iFood, ou uma Amazon da ciência.

Durante 14 anos, Andreia Oliveira, 40, exerceu a profissão de cientista, e lembra que perdia boa parte do seu tempo em processos burocráticos que pouco tinham a ver com a pesquisa em si. Ela acha contraditório que a maior parte dos avanços da humanidade venham pelas mãos de cientistas enquanto alguns processos da atividade ainda estejam parados no século passado.

A partir da dificuldade experimentada por ela, a cientista teve a ideia de criar a startup iBench, que nasceu há 6 meses. O primeiro braço da empresa é o iBenchMarket, uma plataforma de compras que pretende facilitar a vida do cientista brasileiro. No começo do ano, o projeto foi selecionado pelo BNDES Garagem, iniciativa para apoiar o desenvolvimento de startups.

"A compra de insumos laboratoriais hoje é feita de porta em porta, cada uma em um lugar diferente, é um processo completamente arcaico. As coisas deveriam ser mais ágeis, estamos no mundo da digitalização. Isso gera um grande risco para a ciência", conta ela, que estima em 4.000 o número de laboratórios de pesquisa no Brasil. "Em vários momentos da minha vida acadêmica, eu tive que pensar se continuava com a pesquisa ou não por causa desse entrave."

A cientista acreditava que o trabalho seria muito mais produtivo se todos os insumos necessários estivessem em apenas um lugar, com preços, especificações e informações de fornecedores. Ela nem imaginava que seria a própria pessoa a criar essa ferramenta.

Oportunidade bateu à porta

Em 2017, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o então Ministério da Ciência e Tecnologia e a Softex lançaram o edital para o Programa StartUp Brasil, que daria bolsas para ideias que facilitassem a vida de cientistas. Andreia e a colega biomédica Débora Moretti resolveram inscrever o projeto da iBench.

Andreia Oliveira e Débora Moretti, do iBench - Divulgação - Divulgação
Andreia Oliveira e Débora Moretti
Imagem: Divulgação
"Foram quase 500 projetos e apenas 50 escolhidos, sendo só sete liderados por mulheres. Essa foi a nossa primeira vitória", lembra. Com isso, a startup foi impulsionada pela OBr.global, uma aceleradora de empresas nascentes na área de tecnologia.
A partir daí, Andreia precisou mudar a visão de profissional técnica para um pensamento empreendedor, algo que ela nunca havia pensado em fazer.

O programa de apoio começou em junho de 2018 e foi até maio de 2019. As duas cientistas foram financiadas com bolsas para colocar a empresa de pé e tiveram mentorias e consultorias especializadas para aprender determinados aspectos no negócio que ainda não dominavam.

"Eu vim da ciência, tive que aprender a parte financeira, jurídica, de gestão e, principalmente, como lidar com as pessoas, porque preciso fazer contato direto com fornecedores. Foi uma chave que eu tive que virar muito rápido, e foi muito desafiadora", conta Andreia.

Ela diz que ainda busca informações em livros ou com startups em estágios mais avançados, mas que também já começa a colecionar alguns aprendizados de decisões que tomaria de forma diferente hoje, com o conhecimento que tem. "A Débora e eu precisamos decidir se continuávamos ou não com certas parcerias. É preciso ter um pouco de cuidado com quem estamos nos relacionando, quem acredita de verdade no negócio e vai fazer dar certo."

Planos para o futuro

Animada com a criação da primeira ferramenta, Andreia pretende simplificar cada vez mais a jornada do cientista, para que ele possa focar apenas no que importa: a pesquisa.

Para isso, já tem planos futuros. A próxima inovação que ela tem em mente deve facilitar a metodologia de prestação de contas quando for utilizada verba pública. "Queremos traçar uma plataforma que facilite a análise pelos órgãos de fomento, que fique tudo registrado no mesmo lugar", explica.

Atualmente, a iBench busca por um investidor-anjo que possa financiar a continuidade do desenvolvimento da empresa, e as fundadoras estão confiantes, mesmo com um cenário adverso.

Contingenciamento de investimentos, desconfianças e questionamentos têm feito com que a ciência entre em estado de alerta no Brasil. "Nós [cientistas] fazemos muita pesquisa básica e acabamos desenvolvendo poucas coisas para a sociedade aqui no Brasil, mas [a ciência] não vai acabar ou parar. Pode dar uma diminuída, ter momentos de crise, mas continua. Vários pesquisadores mantêm as pesquisas e algumas fundações colocam investimento privado nas universidades. Vamos conseguir reverter isso lá na frente", acredita.