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Cássia, de A Dona do Pedaço, violentada: como um assediador age na internet

Cássia (Mel Maia), em A Dona do Pedaço: presa fácil para um abusador - Reprodução
Cássia (Mel Maia), em A Dona do Pedaço: presa fácil para um abusador Imagem: Reprodução

Ana Bardella

De Universa

08/10/2019 04h00

Em A Dona do Pedaço, a personagem Cássia, vivida por Mel Maia, tem passado por experiências traumatizantes. Tudo começou quando ela, que está no Ensino Médio, começou a trocar mensagens com um desconhecido online.

Inicialmente, a pessoa se apresentou como um garoto de 17 anos. Depois de ganhar a confiança da menina, desmentiu a própria versão, alegando que na verdade tinha 24 — e pedindo para que a estudante não se irritasse. Apesar de desconfiada, ela decidiu relevar a mentira e marcar um encontro com o "amigo virtual". Para isso, inventou para a mãe e para a avó que iria ao shopping na companhia de um colega da escola.

Chegando lá, teve início o pesadelo da personagem. Primeiro, o susto: ela percebeu que o homem era bem mais velho. Mesmo assim, levou a conversa adiante. Quando os dois estavam mais próximos, o homem usou da violência física para tentar abusar da menina.

Daniela Generoso, psicóloga clínica e presidente da ONG É Possível Sonhar, que atende crianças, adolescentes e mulheres vítimas de violência doméstica, confirma que a abordagem de pessoas mais velhas com o intuito de assediar crianças e adolescentes é comum. "Principalmente quando percebem que existe fragilidade emocional da possível vítima, eles se aproveitam disso para ganhar sua confiança", explica.

Bullying e conservadorismo são fatores de risco

Na trama, Cássia sofre por não ser aceita pelos colegas. Como se não bastasse, ainda tem problemas com os pais. Ela se mostra intolerante, por exemplo, ao fato de pai ser homossexual. O cenário, a especialista alerta, é favorável à ação dos abusadores. "Isso aumenta seu poder de persuasão e abre espaço para que eles se apoiem em suas carências afetivas", explica.

Além disso, a garota tem pouco espaço para dialogar com a família. "Isso acontece em muitos núcleos familiares: existe uma crença de que quanto menos se fala sobre sexo, mais longe as crianças e adolescentes vão se manter do ato, o que é completamente equivocado", defende.

No seu ponto de vista, a educação sexual é um instrumento importante na defesa contra os abusos. "É através da informação que os mais novos se empoderam, conseguindo detectar com facilidade uma situação que os deixe desconfortáveis", assegura.

"Você já é uma mocinha"

Durante o encontro com Cássia em A Dona do Pedaço, o rapaz fez questão de enfatizar que ela era uma "mocinha", com capacidade para tomar suas próprias decisões. "O argumento é tentador, principalmente na fase da adolescência, em que os jovens buscam por autonomia", aponta Daniela. A linha de raciocínio vai ao encontro da frase de que "as mulheres amadurecem mais cedo" e por isso teriam o emocional preparado para se envolver com pessoas mais velhas. "Isso na maior parte das vezes não é verdade, pois, as mulheres, principalmente as mais novas, tendem a fantasiar, idealizando seus pares e não conseguindo enxergar com clareza a situação em que se encontram", relembra a profissional.

Dialogar e respeitar: o caminho

Para evitar as situações de risco, Daniela alerta que dialogar é necessário, mas também é preciso que os pais aceitem e respeitem os filhos da maneira como eles são. "Não adianta idealizar características que eles não são capazes de ter", opina. Por isso, para criar um espaço seguro, é preciso permitir que as crianças e adolescentes toquem em diferentes assuntos, sem julgamentos.

"Muitos sentem receio de serem castigados se falarem sobre um determinado tópico, o que não é o ideal. Os pais não devem se colocar como amigos dos filhos — pelo contrário, devem estabelecer regras e deixar os limites claros, mas não pela via do medo", esclarece. Relembrar de como foi a própria adolescência pode ajudar a ser mais compreensivo na hora de conversar.

Já no caso das crianças, vale monitorar o uso das tecnologias pelos pequenos. "Existem aplicativos que restringem e informam aos pais quais são os sites acessados pelas crianças", exemplifica. Também é indicado checar com quem estão se relacionando virtualmente e orientá-los a não mandarem fotos ou fornecerem informações pessoais para estranhos.

"Não existe um perfil certo dos abusadores. Não vem escrito isso na testa de alguém. Muitos podem ser excelentes vizinhos ou parentes e aparentar ter uma postura correta. A única característica em comum deles é o fato de gostarem de estar perto de crianças e adolescentes novos", explica. Por isso, a indicação é manter os olhos abertos e dialogar para que eles se sintam seguros para falar caso se sintam ameaçados na presença de alguém.