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Time de indígenas disputará 1º torneio e vira orgulho de aldeia em Alagoas

Time de indígenas da aldeia Wassu Cocal, em Joaquim Gomes (AL) - Carlos Madeiro/UOL
Time de indígenas da aldeia Wassu Cocal, em Joaquim Gomes (AL) Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para Universa

22/09/2019 04h00

É no campo da aldeia Wassu Cocal, em Joaquim Gomes (a 81 km de Maceió), que 20 mulheres indígenas se reúnem para jogar bola. Mas não se trata de lazer, mas de um desafio ao machismo ainda imperante no futebol.

O time existe há um ano e quatro meses, tem como inspiração a alagoana e maior artilheira da seleção brasileira, Marta, e está se preparando para disputar a primeira competição oficial.

A equipe será a única formada só por índias a disputar a Copa Rainha Marta, em Maceió, em novembro deste ano. O time é o novo orgulho de uma das aldeias mais tradicionais do Nordeste.

Com os braços e pernas pintadas, as mulheres treinam duas vezes por semana no campo da aldeia. Apesar das dimensões oficiais, o campo mescla partes com gramado, partes só na areia. Nas duas barras faltam redes; o que não falta é empolgação para as indígenas que fazem parte do time chamado Wassu Cocal.

No início era brincadeira

Geralda Maria dos Santos, 34, foi quem começou a juntar as mulheres da tribo para formar um time após ver o sucesso das peladas. Hoje, ela é capitã do time e integra a comissão técnica.

"Tudo começou como uma brincadeira, a gente jogava, mas íamos para um campo a pé muito, muito mais distante. A gente evoluiu bem, e tive a ideia de montar o time. Fui chamando, e elas vieram. Agora estamos muito bem", conta a zagueira.

Kayllane, a mais nova do time de índias da aldeia Wassu Cocal, em Joaquim Gomes (AL) - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Kayllane, a mais nova do time
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Na aldeia em Joaquim Gomes vivem em torno de 2.000 índios Wassu Cocal, que são da etnia Kariri. A terra indígena foi declarada em 1986, como homologação em 2007.

A mais nova do time Wassu Cocal é a jovem Kayllane, 14, que herdou do pai a vontade de jogar. "Meu pai joga no time masculino da aldeia, e eu via também minha tia jogando bola, aí fui me apaixonando. No começo, quando tinha 8, 10 anos, não podia jogar, mas agora posso e estou feliz", conta a adolescente, que atua no meio-campo.

"Quero jogar profissionalmente. Sempre participo dos jogos aqui e fora, meus pais incentivam muito", conta Kayllane.

Destaque para a "Pelezinha"

A destaque da equipe tem um apelido que vem do universo masculino da bola: Pelezinha. Assim é chamada Cleane Máximo, 21, a centroavante e artilheira do time. "Gostam de me chamar assim porque jogo muito", conta sem receio a jogadora, que diz ter perdido as contas dos gols que fez pela equipe: "São muitos, não dá para saber".

A jovem diz que ainda não tentou jogar por um time profissional, mas que pretende ser observada na competição que disputará em novembro. "Fora daqui ainda não procurei nada, mas quero tentar. Sem dúvida quero ser jogadora profissional", afirma.

O talento de Pelezinha é atestado pelo orgulhoso técnico do time, Jéferson Nascimento. "No meio das duas zagueiras, ela inferniza. Ganhou esse apelido em uma olimpíada indígena. É jogadora profissional e muito rápida no jogo", conta.

Entre as jogadoras está a mulher do treinador, que foi quem a incentivou a treinar. "Eu jogava no time masculino, mas parei. Minha esposa queria jogar e foi quem me incentivou", diz.

Time de mulheres indígenas em Alagoas - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Sobre a equipe, Nascimento diz que os resultados nesse um ano e quatro meses foram bons. "Geralmente elas ganham, não tem para ninguém. Elas jogam muito. Pegamos o time de Matriz do Camaragibe [cidade vizinha] recentemente e demos 6 a 0. Essas meninas me dão orgulho", afirma.

Para manter o time, ele conta com apoio da tribo e de um empresário chamado Dorgival Farias, que bancou, por exemplo, os uniformes e algumas viagens para jogos. "Ele nos apoia sem intenção, é ajuda de bom coração mesmo", garante.

Entre todas as jogadoras, a unanimidade é ter a alagoana Marta como referência. Seis vezes melhor do mundo, Marta é vista como uma rainha entre as atletas.

"Ela é referência de todas, sem dúvida. Esperamos conhecer ela nessa copa em Maceió, seria um sonho", afirma a capitã.