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"Beijo livre" e tema político: Parada LGBTI+ no Rio ocupa avenida com trios

Parada LGBTI+ no Rio de Janeiro - Pauline Almeida/UOL
Parada LGBTI+ no Rio de Janeiro Imagem: Pauline Almeida/UOL

Pauline Almeida

Colaboração para Universa, do Rio de Janeiro (RJ)

22/09/2019 14h41

Neste domingo (22), a 24ª Parada do Orgulho LGBTI+, na orla de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, começou com um 'beijaço' e sob gritos dos participantes: "Eu beijo ele, eu beijo ela, eu só não beijo o Crivella".

O beijo coletivo foi um protesto contra o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que neste mês mandou recolher, na Bienal do Livro, uma história em quadrinhos em que aparecia uma imagem de dois personagens homens se beijando.

A chuva não deu trégua para o público carioca. Mesmo assim, um grupo majoritariamente jovem seguiu atrás dos sete trios elétricos que saíram do posto 5 da praia de Copacabana e seguiram até o posto 2. As bandeiras com as cores do arco-íris, ao longo do trajeto, foram trocadas por capas de chuva dos participantes, que não pararam de dançar, especialmente o funk carioca.

O tema desta edição da Parada é "Pela democracia, liberdade e direitos: ontem, hoje e sempre". A expectativa era de reunir um milhão de pessoas no evento, que anunciou a cantora Pabllo Vittar como a atração principal.

Antes de os trios saírem pela orla, líderes de movimentos LGBTI+ e políticos envolvidos com a causa discursam para o público. Com 54 anos de carreira como atriz e cantora, Jane Di Castro, mulher trans de 72 anos, cantou o Hino Nacional em ritmo de samba para dar início à festa.

Jane Di Castro - Pauline Almeida/UOL - Pauline Almeida/UOL
A atriz trans Jane Di Castro cantou o Hino Nacional na abertura da Parada
Imagem: Pauline Almeida/UOL

Jane, que começou sua militância durante a ditadura militar e viu muitos amigos desaparecerem durante a repressão, falou sobre a luta daquela época."Naquele período, nem a palavra gay existia, a gente era considerado 'anormal'. Meu palanque era o palco, e eu venci. O que a gente tem hoje se deve a minha geração" colocou.

Durante a execução do Hino, a artista deu um recado aos participantes. "Não quero ninguém com a mão no 'peitinho' e batendo continência". E terminou sua participação com gritos de "Ditadura nunca mais".

"Tem que ir para rua", diz David Miranda

David Miranda e Mônica Benício - Pauline Almeida/UOL - Pauline Almeida/UOL
David Miranda e Mônica Benício participam da Parada LGBTI+
Imagem: Pauline Almeida/UOL

O deputado federal David Miranda, marido do jornalista do The Intercept Glenn Greenwald, com quem tem dois filhos, defendeu a necessidade dos LGBTIs ocuparem cargos públicos e também os espaços públicos. "Tem que ir para rua, beijar, celebrar. E temos que cuidar dessa juventude que acaba saindo da escola. Um jovem LGBT tem cinco vezes mais chances de se suicidar", destacou.

Já Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco, afirmou que é preciso lembrar dela como uma representante LGBTI. "Isso é um ato político", disse.

"Beijo tem que ser livre"

Parada LGBTI+ no Rio - Pauline Almeida/UOL - Pauline Almeida/UOL
Entidades e participantes também celebram os 40 anos do movimento LGBTI no Brasil
Imagem: Pauline Almeida/UOL

Na coletiva dada à imprensa antes do início do evento, Almir França, presidente do Grupo Arco-Íris, realizador da Parada, destacou a necessidade de ganhar às ruas e ir além da festa, marcando um espaço de luta. "Nós precisamos sair das redes e esticar os panos", pediu.

Já o diretor da Aliança Nacional LGBTI, Toni Reis, mandou um recado ao presidente Jair Bolsonaro, ao governador Wilson Witzel e ao prefeito Marcelo Crivella. "Ideologia de gênero não existe, isso é falácia, nós não queremos destruir a família de ninguém, nós queremos construir a nossa, do nosso jeito. Se preocupem com os problemas da educação, saúde, violência. O beijo tem que ser livre", bradou, bastante aplaudido.

O ano de 2019 tem sido de embates entre o poder público e o segmento LGBTI. No início de setembro, o prefeito Marcelo Crivella mandou recolher da Bienal do Livro uma história em quadrinhos da Marvel em que dois homens se beijam. Por essa razão, na coletiva de imprensa da Parada, foram entoados gritos de "Censura, nunca mais".

Em abril, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o diretor de marketing do Banco do Brasil e vetou um comercial que tratava de diversidade, inclusive com uma atriz transsexual. Já no final de agosto, o então secretário de Cultura, José Henrique Medeiros Pires, deixou o cargo após o presidente suspender um edital de financiamento que contemplava obras com temática LGBTI.

Em meio a esses episódios polêmicos, houve uma conquista aguardada há anos. Em junho, o STF aprovou a criminalização da homofobia e transfobia.

A Parada LGBTI+ comemora essa vitória e celebra os 50 anos do episódio de Stonewall, em Nova York, protestos surgidos após a violência policial contra um bar frequentado pelo público gay. Também entra na pauta a celebração dos 40 anos do Movimento LGBTI no Brasil.

"É uma história de muita resistência que nasce dentro de uma ditadura. Tema extremamente político e cidadão, especialmente quando se traz a defesa do direito à liberdade de expressão. Há um processo muito difícil de desmonte dos direitos humanos como um todo no Brasil", avaliou o diretor sociocultural do Grupo Arco-Íris, Claudio Nascimento.;

Segundo Nascimento, o grupo encontrou dificuldades para realizar a Parada neste ano, especialmente de patrocínio financeiro, e fez um chamado às empresas. "Nós não queremos apenas ser vistos como consumidores e consumidoras, queremos ser vistos como cidadãos e cidadãs de direito";

Trios elétricos e militância

Os sete trios elétricos espalhados pela orla de Copacabana vão trazer o ambiente político, tanto da diversidade dos grupos que compõem o movimento LGBTI quando da militância contra a lgbtfobia, racismo, prevenção ao suicídio, pela luta contra Aids, liberdade religiosa, condições de trabalho e democracia, unindo ainda outras causas, como do Movimento Sem-Teto.

Pela solidariedade internacional, pela primeira vez, membros de consulados de dez países, como França e Noruega, estarão nos trios.

Movimento LGBTI se solidariza com família de Ágatha

A morte de Ágatha Félix, de 8 anos, baleada durante um confronto entre criminosos e policiais militares no Complexo do Alemão, foi lembrada pelos participantes da Parada, assim como a da vereadora Marielle Franco.

O ator Luís Lobianco pediu que o público da parada se una ao protesto que ocorre na comunidade de Ágatha, também na tarde deste domingo, contra a violência. "Somos todos parte do mesmo lado da trincheira contra o obscurantismo, contra essas pessoas que querem acabar e dizimar a gente."

A deputada federal Jandira Feghali anunciou que os partidos de oposição vão entrar com uma notícia-crime contra o governador Wilson Witzel na Procuradoria-Geral da República e ainda na Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. As legendas questionam a política de segurança de confronto adotada no Rio de Janeiro. "Essa autorização para o abate não poder ter de nós a passividade", disse a deputada.

Interdições, chuva e acesso à Parada

Apesar da chuva, o público se concentra na avenida Atlântica, em Copacabana, para a Parada LGBTI+. Trios começam a andar a partir das 14h30 e evento segue até 18h30.

Por causa do evento, a Prefeitura do Rio organizou um esquema especial para o trânsito. A pista da avenida Atlântica do lado da praia, entre as ruas Francisco Otaviano e Miguel Lemos, está interditada desde o final da noite de sábado (21). Já a pista oposta, do lado dos edifícios, entre a rua Joaquim Nabuco e a avenida Prado Junior vai ser fechada a partir das 14h deste domingo. A orientação para quem for participar do evento é ir de transporte público.