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Projeto do MP paulista defende 50% de vagas na política para mulheres

Cidinha, candidata ao Senado pelo MDB, em 2018 - Arquivo pessoal
Cidinha, candidata ao Senado pelo MDB, em 2018 Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Colaboração para Universa

20/09/2019 04h00

As eleições de 2018 trouxeram um sopro de ânimo a quem esperava ver mais mulheres ocupando espaços de representação na política. Ainda que o número de eleitas no Senado tenha se mantido, em comparação com a eleição de 2010, a presença feminina aumentou na Câmara e nas Assembleias de forma geral, de acordo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O sopro, no entanto, está longe ainda de equivaler a um vendaval de mudanças: o Brasil ocupa uma incômoda 133ª colocação, em um ranking de 192 países listados pela União Interparlamentar (IPU, na sigla em inglês, que abriga representantes eleitorais desses governos), quando o assunto é a representação feminina na política.

Um passo mais radical na tentativa de mudar esse cenário será dado na manhã desta sexta-feira (20), em São Paulo, com o lançamento de um projeto, coordenado pelo Ministério Público do Estado em parceria com coletivos sociais, para promover a participação feminina no meio político.

O projeto, batizado de "Mais Mulheres na Política", que busca se tornar um projeto de lei de iniciativa popular e ser encaminhado, nessa condição, para tramitação no Congresso, defende mudanças na legislação eleitoral para que 50% das cadeiras sejam reservadas a mulheres, e 25% desse montante estejam garantidas para mulheres negras. O lançamento será na sede do MP, no centro de São Paulo.

Pela legislação atual, não há esse tipo de reserva: o que existe é a exigência, aos partidos e coligações, de que no mínimo 30% das candidaturas sejam de mulheres.

As mulheres representam pouco menos de 15% das duas casas legislativas. Metade, portanto, do percentual mínimo que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determina para uma etapa preliminar da sucessão de poder.

Brasil patina em representação de mulheres na política

Além do ranking da União Interparlamentar, o Brasil aparece em condições pouco favoráveis à representação política feminina em outros dois levantamentos, considerando Senado e Câmara: na América Latina, está na frente apenas do Haiti, e entre os integrantes do G-20 —os países mais ricos do mundo— ganha apenas do Japão.

No Ministério Público de São Paulo, a coordenadora do projeto que busca criar uma reserva feminina de cadeiras é a promotora Vera Taberti, uma das responsáveis pela fiscalização das candidaturas femininas no Estado, nas últimas eleições.

Em entrevista a Universa, a promotora contou que o projeto vem sendo preparado pelo MP desde março passado com um grupo que conta com diversos coletivos, como Vote Nelas, Mulheres Negras Decidem, Elas na Política, Partida Feminista e Rede Feminista de Juristas.

Vera defende que, mesmo com mudanças recentes, como a que passou obrigar, em 2018, que partidos e coligações também destinassem 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha a candidaturas femininas, a representatividade ainda é muito baixa.

"Só do Estado de São Paulo, eram 522 candidatas a deputada federal, mas apenas 11 se elegeram. Das 692 estaduais, somente 18 conseguiram vaga", diz. "Se a gente lembra que 52% da população são mulheres, vê que a subrepresentatividade na política ainda é muito alta."

Repasse de verbas privilegiou nomes de peso

O repasse de 30% do fundo na eleição passada, por sinal, não ajudou a aumentar o número de eleitas, na avaliação da promotora, já que o partido ou coligação era quem definia a divisão do dinheiro. Resultado: foram correntes as transferências a quem já ocupava cargo ou a mulheres que eram presidentes da ala feminina do próprio partido, e, não raro, a filhas ou mulheres de políticos.

"Perpetuar quem já está no poder ou privilegiar algumas poucas vai contra a política afirmativa", diz a promotora, destacando que, no caso de mulheres negras, a discriminação e o preconceito são agravantes.

"O recado é: não queremos retroceder, não podemos perder nenhum direito que foi duramente conquistado pelas mulheres ao longo dos anos. Há um ataque hoje às políticas de cotas, em geral, entre as quais, a esses mínimos estabelecidos a candidaturas femininas", observa.

Fundo "peso dois" a partidos que elegerem mais mulheres

Outro ponto do projeto coordenado pelo MP-SP é o que o órgão chama de "financiamento 2.0", ou "peso dois", que funcionaria, na prática, como uma maior distribuição do Fundo Partidário também a siglas que elegessem mais mulheres. Hoje, a divisão desse bolo considera basicamente o desempenho dos partidos - ou seja: quanto maior a bancada eleita, mais dinheiro desse fundo, bancado com recurso público.

"Sabemos que vamos ter dificuldades para aprovar esse projeto, mas queremos partir para a autoria popular a fim de que haja uma pressão. Até porque, o Congresso ainda é muito masculino, não mudaria isso por si só."

Vera destaca ainda a diferença entre homens e mulheres na qualidade da representação política.

"A presença da mulher fortalece a democracia à medida em que ela ajuda a formular políticas públicas voltadas às pautas femininas, hoje deixadas em segundo plano. Sem contar que, se a mulher não pode estar no espaço em que ela gostaria de estar e tem direito, como o da política, isso também configura uma forma de violência contra ela."

Mulher negra, da favela... e não eleita

Candidata não eleita em dois pleitos consecutivos -para deputada estadual pelo PPL, em 2014, e para o Senado, pelo MDB, em 2018—, a psicóloga com pós-graduação em história da África e do negro no Brasil Maria Aparecida Pinto, conhecida como Cidinha, sabe bem como a divisão de recursos dentro dos partidos é essencial na conquista da vaga.

Em 2014, precisou pagar material de campanha do próprio bolso. Fez pouco mais de 600 votos. "Não houve uma divisão do dinheiro, e eu e outras mulheres tivemos liberados apenas alguns santinhos a três dias da eleição. Nem as pessoas que arregimentamos para distribuí-los foram pagas. Foi decepcionante", diz.

No ano passado, a chapa decidiu lançá-la ao Senado -se eleita, seria a primeira senadora negra por São Paulo; a petista Benedita da Silva fora a primeira da história, pelo Rio. Além de um maior aporte em sua campanha, cerca de R$ 600 mil, seria "levada a tiracolo, por todo lugar", ela diz, pelo candidato ao governo pelo partido, o empresário Paulo Skaf.

"Fiquei sob a tutela do Skaf, o que me deu muita visibilidade e me fez fazer mais de 587 mil votos. Mas houve candidata a deputada estadual que, com mandato, recebeu R$ 400 mil e fez só 14 mil votos. O partido distribuiu o dinheiro do fundo como bem quis, então algumas mulheres levaram muito dinheiro para a campanha, e outras, quase nada."

Leis são feitas por "homens brancos e ricos"

Nascida na periferia paulistana e filha de pais analfabetos, Cidinha acredita que a dificuldade para a mulher negra chegar a um cargo político é ainda maior devido ao preconceito.

"Houve gente que parou para me escrever: 'Não vou votar nessa negra: o que ela tem pra me dar?', por exemplo. E outros que me taxaram de 'nojenta, fedida', ou me julgaram porque eu tenho o cabelo alisado. Como se isso ou a cor da minha pele definissem o meu caráter, quem eu sou."

Assim como a promotora, a ex-candidata defende que o olhar feminino é um diferencial relevante para se pensar em políticas públicas com viés de gênero.

"Sofrer um assédio sexual ou um ato de racismo é de uma dor interna que não dá para medir. E quem faz as leis contra essas situações, na maior parte dos casos? Homens brancos e ricos, na maior parte das vezes", afirma. "Não estamos suficientemente representadas nos espaços de poder e ficamos sob a égide desse machismo aristocrata, eurocentrista, em que a branquitude e o gênero são vistos como qualidades, quando não deveriam ser. Daí a importância de haver igualdade de vagas."