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Como é ser uma voluntária do CVV: "Muitos só precisam ouvir uma voz"

Adriana Rizzo, voluntária do CVV - Arquivo pessoal
Adriana Rizzo, voluntária do CVV Imagem: Arquivo pessoal

Wellington Soares

Colaboração para Universa

12/09/2019 04h00

Durante a campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio, o nome do CVV (Centro de Valorização da Vida) é amplamente divulgado. A organização, uma das promotoras da campanha, é especializada em atendimentos pessoal ou por telefone - no número 188 - para pessoas que precisam de apoio emocional ou que cogitam tirar a própria vida.

No dia a dia, a realidade de quem procura o CVV é muito diferente e surpreende os voluntários que trabalham recebendo as chamadas. É o que conta Adriana Rizzo, engenheira agrônoma de Araraquara, no interior de SP, que há 20 anos inclui na sua rotina semanal um espaço para conversar com estranhos. "Acho interessante poder doar a minha escuta, que é algo tão simples, mas que faz falta a muitas pessoas", diz ela.

Para se tornar voluntária, Adriana passou por um curso de formação de oito semanas, em que a instituição é apresentada e são discutidos os principais tipos de demanda endereçadas ao CVV.

"Normalmente, as pessoas contam que estão se sentindo sozinhas, desanimadas, contam os tipos de perdas que geram esses sentimentos todos: perder o trabalho, perder alguém próximo, todo tipo de relacionamento. Essas perdas que acabam provocando solidão, depressão, tristeza. É bem comum esse tipo de coisa", aponta Adriana.

Uma das principais premissas da organização é manter todo diálogo em sigilo. Levando isso em conta, a engenheira revelou a Universa um pouco sobre a rotina de quem atende as chamadas na organização.

1. O foco do trabalho é dar atenção, não aconselhar

Os voluntários que se juntam ao CVV não são profissionais da saúde mental e não oferecem aconselhamento nem terapia. O foco das ligações é dar atenção a quem precisa de espaço para falar. "Somos treinados para ouvir e deixar que a pessoa fale sobre aquilo que ela precisa", destaca Adriana. Durante os atendimentos, quem atende não pode opinar, julgar ou dar qualquer conselho a quem está ligando.

A gente recebe ligações de pessoas que dizem que querem [tirar a própria vida], que já estão decididas. A gente pergunta o motivo, porque o suicídio é uma construção. A gente não fala: 'não faça isso'. Muitas vezes, a pessoa desliga o telefone dizendo que está melhor, que talvez ela não faça

2. Muitas pessoas nem sequer falam ao ligar

É natural que haja uma certa ansiedade relacionada a como acontece o atendimento. Boa parte de quem procura tem receios sobre como sua fala será recebida do outro lado da linha. Por isso, é comum receber ligações em que nada é dito. Os voluntários tentam responder e convidar a pessoa a participar. "Muita gente só quer ouvir a nossa voz, ver o que vamos falar", diz a engenheira. Com o tempo, as pessoas vão se tornando mais confortáveis e acabam passando a conversar mais com quem atende as ligações.

3. Nem todas as histórias são tristes

A maior parte das pessoas que ligam para o CVV está em busca de uma escuta em um momento de angústia ou sofrimento. Mas nem sempre é assim. Nos mais de 20 anos de voluntariado, Adriana diz já ter ouvido diversas histórias engraçadas ou piadas. "Muita gente não tem para quem contar algo divertido que aconteceu no seu dia e liga para compartilhar com a gente", conta.

4. Ter empatia com todos não é fácil

Todo tipo de angústia pode ser compartilhada com os voluntários. Mas nem sempre quem escuta consegue compreender completamente a tristeza de quem está do outro lado. "Muitas vezes, eles nos contam casos que, para mim, não seriam tristes", conta Adriana. Em todo caso, é preciso fazer o exercício da empatia. "As pessoas têm vivências diferentes e a gente se esforça para compreender que, mesmo que aquele tópico não seja importante para mim, ele é muito relevante para a pessoa que me buscou."

Tudo o que ela falar não vai sair dali. Uma das premissas é o sigilo, não levar para fora o que está acontecendo. Ninguém vai julgá-la, acho que isso conforta um pouco.

5. Muitas pessoas que ligam já estão fazendo tratamento

O acompanhamento psicológico ou com psiquiatra nem sempre supre as necessidades que as pessoas possuem de falar sobre o que sentem com alguém. Isso porque a consulta costuma acontecer uma vez por semana, ou em tempo ainda maior, já que a rede de saúde pública ainda não consegue atender toda a demanda de saúde mental. Por isso, muitas das pessoas que procuram o CVV já estão em tratamento e buscam, na conversa pelo telefone, um espaço em que possam seguir compartilhando suas histórias. Mesmo assim, Adriana reforça que a linha e o trabalho em consultórios têm perfil muito diferente. "Com os profissionais se estabelece uma relação e um tratamento contínuo", diz.

6. Há histórias que são tristes, e é preciso aprender a deixá-las para trás

Apesar de haver momentos que fogem do que se espera, é comum que histórias muito tristes cheguem aos ouvidos do voluntário em todos os plantões. Parte do treinamento e do desenvolvimento no trabalho envolve aprender a se desligar dessas histórias, para preservar o bem-estar de quem atende. "Aprendo muito e acabo repensando minha própria vida, mas também tenho consciência de que as histórias e o sofrimento não são meus", conta Adriana.

7. Você nunca sabe o que acontece depois que desliga

Adriana conta que o trabalho do voluntário ao receber uma ligação de alguém com pensamentos suicidas é permitir que a pessoa compartilhe com ela o porquê dessa decisão, sem interferir. "Perguntamos se algo aconteceu, se ela gostaria de falar mais sobre o assunto", diz. Com frequência, durante a conversa, a pessoa se acalma e consegue organizar o pensamento sobre as razões que a levaram a sofrer e, assim, deixa o impulso do suicídio de lado. Mas é impossível saber o que de fato acontece depois que o telefone é desligado. "Quando a pessoa pede por ajuda, indicamos que ela procure o Centro de Atendimento Psicossocial (Caps). Mas, quando ela desliga o telefone, não sabemos mais o que aconteceu", conta.

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