Descobriu que pai matou mãe há 37 anos: "Nem bandido faria isso com ela"
Genir Cela, 52, tinha 15 anos quando a mãe, Pierina Carroro, morreu, em 1982. "Ela foi viajar muito contente com o meu pai, mas a vimos novamente em um caixão", fala para Universa. Há 37 anos, o morador de Lucas do Rio Verde (MT) falava pouco sobre a morte da matriarca, que teria sido vítima de um assalto em uma rodovia próximo a Formosa do Sul (SC). Porém, há três meses, a família decidiu investigar o que realmente aconteceu. Eles descobriram que Pierina foi morta pelo próprio marido e pai dos seis irmãos, Raimundo Cela. "Vivemos por quase quarenta anos com essa dúvida. Agora, estamos completamente aliviados por saber a verdade."
O segundo filho de Pierina e Raimundo cresceu sob boatos de que o próprio pai havia tirado a vida da mãe, que deu entrada em um hospital com um tiro no peito a queima roupa e com a cabeça golpeada por uma pedra. "Na época, eu era muito mais ingênuo, mas, ao longo dos anos, começamos a ouvir os rumores de que poderia ter sido o meu pai o autor do crime", afirma. O assunto, no entanto, era um tabu. "Sempre fui muito calado, meus filhos sabiam do que acontecia porque a minha mulher contou muito por cima. Eu evitava o assunto", diz.
A desconfiança já havia abalado a relação familiar. "A gente tinha um relacionamento muito superficial com o meu pai. Falávamos mais para manter as aparências." A família decidiu, no entanto, remexer no caso pelo bem-estar dos irmãos, que teriam problemas psicológicos por causa da dúvida. "Todos nós temos depressão, ansiedade. O mais novo sempre sofreu mais, porque na época da morte tinha apenas sete anos. Ele já falou que ia se matar e a mulher dele não sabia o que fazer, por isso pediu a nossa ajuda. Percebemos, então, que tínhamos que resolver essa história de uma vez por todas", conta Genir.
Os seis irmãos fizeram a investigação por conta própria. "A minha irmã mais velha mora perto da Formosa do Sul, então ela ficou à frente para falar com os delegados, policiais e médicos da época, que ainda estão vivos." Com uma série de documentos e o registro das conversas em mãos, eles marcaram uma conversa com Raimundo, que também mora em Lucas do Rio Verde (MT). "Antes de marcar a reunião, falamos com o padre da cidade e ele disse que a gente merecia saber a verdade."
Inicialmente, Raimundo achou que era uma surpresa para ele ter todos os seis filhos reunidos. "Mas logo dissemos qual era o nosso objetivo". Eles fizeram uma reunião que durou quatro horas. "Nós nos ajoelhamos, imploramos para que ele nos dissesse a verdade, porque não aguentávamos mais viver com a dúvida." Raimundo confessou quando soube que a atual mulher e a filha mais nova, de 28 anos, também iriam para o local ouvi-lo falar. "Ele achou que ficaria apenas entre a gente. Não queria que elas soubessem".
"Bandido nenhum faz isso"
Genir narra que, na adolescência, via o pai e a mãe brigar bastante. "Sabíamos que ele mantinha, há dois anos, um caso com a nossa empregada e isso era muito doloroso para a mãe." Porém, quando Pierina falava que pediria o divórcio, Raimundo dizia que ia se matar. "Ele fazia essa chantagem e a humilhava, porque minha mãe mandava a empregada embora e ele fazia ela [Pierina] implorar para que ela voltasse". A situação era tão insustentável que Pierina teria dito para a madrinha de Genir que "preferia morrer". "Minha mãe pediu para que ela cuidasse da gente caso ela morresse".
Na conversa com os seis irmãos, Raimundo confessou que havia planejando o assassinato da mulher em uma viagem para São Carlos (SC), cidade conhecida por suas termas naturais. "Na ocasião, ela achava que eles iriam se reconciliar." Na entrada, o pai parou o carro fingindo que o pneu havia furado, pegou uma pedra e deu o primeiro golpe na cabeça de Pierina. "Ele conta que a arrastou até um mato e deu um tiro no peito dela. Como ela ainda estava viva, deu mais golpes com pedra na cabeça dela." Para despistar a polícia, Raimundo deu uma facada na própria barriga, simulou um tiro de raspão e disse que havia sido um assalto.
Genir fala que a desconfiança começou quando Pierina foi atendida no hospital. "O médico que a tratou falava que bandido nenhum fazia o que fizeram com a minha mãe", afirma. O histórico de brigas do casal, a maneira que Raimundo tratava a mulher e o fato de que, depois da morte da mãe, a empregada continuou morando com a família alimentou os boatos. "Mas não sabemos porque as investigações não foram para frente."
"Não queríamos justiça, apenas a verdade"
Toda a revelação foi feita no sábado (17) e, na terça-feira (20), eles entregaram o dossiê da investigação para a Polícia Civil de Lucas do Rio Verde. "Mas, em toda a conversa que tivemos com o delegado, dissemos que não queríamos justiça, apenas a verdade. Sabemos que o crime já prescreveu, que ele vai continuar solto, mas queríamos o esclarecimento."
Genir fala que a família também sentia que tinham uma dívida com a comunidade de Formosa do Sul (SC). "Pessoas lá de onde a gente nasceu foram culpadas por esse crime. Outras pessoas foram incriminadas. A gente devia essa resposta também para a comunidade." Faltam-lhe palavras para explicar o porquê de ir atrás disso. "Perguntaram para a gente porque não tivemos uma conversa mais séria antes, mas não sabemos dizer. Não era para ser. A culpa que ele vai carregar na consciência dele vai ser muito pior do que se ele ficasse dez anos na cadeia."
Ele fala que, entre os seis irmãos e seus respectivos filhos, o clima é de que finalmente uma nuvem havia se dissipado. "Tiramos uma pedra enorme das costas. Claro que estamos chocados com a verdade, mas agora temos de terminar de nos curar. Não vamos esquecer de nada, porém estamos aliviados em saber a verdade." Genir acredita que o impacto de esclarecer a morte da mãe já esteja fazendo efeitos em sua própria personalidade. "Em 40 anos, eu não falava com ninguém sobre isso. Depois de todo o acontecido, sou eu que estou falando mais. Estou conseguindo me soltar."
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