Topo

"Divórcio do sono" para casais: dormir separado melhora uma relação?

A separação de camas pode melhorar a dinâmica a dois e criar novos climas de erotismo - Getty Images/iStockphoto
A separação de camas pode melhorar a dinâmica a dois e criar novos climas de erotismo Imagem: Getty Images/iStockphoto

Larissa Igreja

Colaboração com Universa

13/08/2019 04h00

O número de separações vem crescendo nos últimos anos. Os dados mais recentes do IBGE, divulgados no fim de 2018, mostram que um em cada três casamentos termina em divórcio no Brasil. Nessa onda de separações, os casais vêm encontrando alternativas para se entenderem, respeitarem suas individualidades e evitarem o fim da relação.

Uma delas é o "divórcio do sono", que nada mais é do que dormir em quartos ou camas separadas. É uma saída para aqueles casais que se amam, querem continuar a viver juntos, mas não conseguem ter um sono saudável lado a lado.

Razões para a separação

Para a sexóloga Regina Navarro, dormir em quartos separados não quer dizer que a relação vai mal. "É uma questão mesmo de conforto, de hábito, da necessidade de ficar sozinho. Às vezes, um gosta de ler até muito tarde, tem hábitos diferentes e atrapalha o sono do outro. Então, é importante uma avaliação sobre o que o casal deseja na noite de sono, independentemente de preconceitos ou de ideias de que isso estragaria a relação, porque [dormir separado] seria um sinal de que a relação não vai bem. Nada disso. As pessoas têm que ser livres para escolher de que forma que elas querem viver, em várias áreas", afirma Regina.

A terapeuta de casais Denise Figueiredo observa que a decisão sobre as camas separadas é um comportamento bem contemporâneo. "Isso tem sido possível porque estamos vivendo um processo em que as pessoas podem repensar o significado da intimidade, e décadas atrás a intimidade passava por esse lugar. Antes, nós tínhamos que compartilhar tudo para ser íntimo e, hoje, a gente tem conseguido construir outros significados em relação à intimidade, que não passam mais tanto por esse lugar. A intimidade então não é dormir na mesma cama ou dormir de conchinha. Hoje, para algumas pessoas, intimidade é ter o seu espaço bem dividido e poder estar inteiro em outros momentos", explica.

Decisão pode unir o casal

Ao contrário do senso comum, a separação das camas pode ajudar a unir o casal. "Os dois podem se encontrar de manhã até com saudade um do outro porque passaram a noite longe. Não tem nada a ver com afastamento. Agora, é evidente que vai depender da dinâmica do casal. Se uma das partes se sentiu magoada ou sentida porque a outra parte quis dormir em um quarto separado, ela pode ter uma atitude de dar um troco, dar uma derrubada no outro, inconscientemente mesmo, uma cobrança em relação a isso. Aí, sim, pode estragar e contaminar a relação", comenta Regina Navarro.

Denise Figueiredo orienta que o casal converse antes sobre essa mudança. "É fazer com que essa seja uma decisão conjunta e que as pessoas conversem sobre isso, olhando como algo que vai aproximar o casal. Dormir separado não significa uma ameaça para a relação, algo que vai favorecer a aproximação. Se você dormir com um parceiro que ronca, vai acordar e não vai querer passar o dia com o parceiro. Mas, na hora de tomar essa decisão, que não seja dormir no quarto de hóspedes ou em um cômodo pior, que seja algo pensado, que tenha espaço na casa para ter dois quartos. Essas coisas precisam ser negociadas", alerta Denise.

É o que está fazendo a consultora imobiliária Anah Cremonese, de 37 anos, casada há seis. Ela chegou a se separar do marido, ficaram afastados por um ano, e agora estão voltando e procuram um apartamento maior para que cada um possa ter seu quarto. "Era uma coisa que eu sempre pedia, desde o início, e ele nunca quis. Ele diz que casar e dormir separado é coisa de quem não ama, mas é a minha privacidade. Sempre gostei de ficar sozinha. Eu acordo fácil e ele se mexe muito, desperta mil vezes o celular. Eu já acordo cedo por conta das crianças, preciso de sossego", explica. Para que o casal topasse essa mudança, foi preciso conversar bastante e também fazer concessões. "Era assim ou morar separados. Eu conversei muito, mas ele leva tudo para o lado pessoal. Fiz ele olhar para quem eu sou e como sou sempre com ele. A gente pode dormir [junto] de vez em quando", comenta Anah.

Amor romântico sai de cena

A sexóloga Regina Navarro observa que a individualidade vem sendo colocada à frente daquele amor "romântico", que está ficando ultrapassado. "Pode amar uma pessoa, ser amado por ela, mas tem que saber que essa coisa de fusão, dos dois se transformarem num só, não existe, que o importante é que cada um tenha sua individualidade, as suas escolhas, que seja respeitado, não haja controle da vida do outro, para assim viverem bem. Por isso é que tantos casais vivem mal", comenta Regina.

Uma dica da terapeuta de casais Michele Silveira é o casal não romper completamente o elo do dormir juntos, quando uma das partes sente falta do outro na cama. Ela acredita que, para equilibrar os desejos, o casal pode dormir junto só nos finais de semana. "Durante a semana é preciso de noites melhores de sono para encarar o trabalho todos os dias. Então, podem dormir juntos só no fim de semana. Dá aquela sensação de namoro durante o casamento. Mas cada casal tem sua dinâmica e pode encontrar a melhor forma, sem ditar regras", comenta Michele.

Cuidado com as armadilhas

Uma situação bem comum nessa separação do sono é a chegada dos filhos. "A mãe deve ficar atenta porque muitas mulheres, quando se tornam mães, esquecem que são mulheres, que têm uma relação a dois. A gente sabe que a criança necessita de investimento emocional, físico e alimentar. É complicado ditar prazos, mas nos três primeiros meses é aceitável. Depois, está na hora de essa criança também ter seu espaço. Tem muitos psicólogos que dizem que assim que nasce tem que colocar no quarto, mas existem as angústias desses pais, é um momento novo. Tem que ser analisado na sua singularidade", alerta Michele.

Para terapeuta Denise Figueiredo, isso pode afastar o casal se eles errarem a dose. "É legal a pessoa parar e pensar: o que estou fazendo? Será que estou colocando meus filhos no meio da relação? Qual é a função do meu filho aqui? É para manter um distanciamento do meu marido ou da minha esposa? Se for isso, o casal precisa de ajuda. Nem é bom para os filhos dormirem com pai e mãe. É preciso trabalhar a autonomia dos filhos desde cedo para seguirem sozinhos. Claro que cada etapa é uma etapa, e vai requerer dos pais também um cuidado diferente. Filho tem que ter quarto, não tem que dormir na cama de casal. Ah, pode dormir um dia na cama com a mãe? Pode. Ou com pai, pode. É o dia inédito. Hoje é o dia que vai todo mundo dormir na mesma cama, mas não pode ser rotina", recomenda.

Alguns casais acreditam que dormir com os filhos, na verdade, é a melhor solução. É o caso da médica Patrícia Mannarino, de 33 anos, casada há sete anos com o contador Cristiano, de 38. Com a chegada do primeiro filho, o casal passou a dormir com o bebê na cama. Agora, com o segundo filho, eles tiveram que se reorganizar porque o mais velho não consegue dormir sozinho. "Com a chegada do mais novo, o arranjo ficou difícil por falta de espaço e pelo bebê acordar todo mundo. Passamos então a dormir em quartos separados, cada um com um filho", conta a médica. Ela explica que, apesar da separação de camas, a relação não mudou em nada. "Não acho que tenha atrapalhado. Sinto falta de dormir com ele, mas também temos nosso tempo a sós, batemos papo, ficamos juntos e depois cada um vai para o seu quarto. Mas meu casamento continua o mesmo. Continuamos cúmplices, amigos, amantes, casal. A união é muito mais que dormir juntos. Se uma união ruísse por isso é porque não era tão sólida assim", comenta Patrícia.

Alerta do sono

O sono sem qualidade é um aviso de que algo não vai bem. Uma das principais reclamações para essa separação das camas é o ronco do parceiro.

Para Andrea Bacelar, neurologista especialista em medicina do sono, roncar é um alerta de que o ar não está passando adequadamente da via aérea para os pulmões. "As pessoas que roncam podem ter problemas muito mais sérios. Apneia, parada da respiração, baixa da quantidade de oxigênio e fragmentação do sono. Então, a adrenalina - que não deve estar presente no sono - muitas vezes faz parte desse despertar do ronco, por exemplo. São 'micro despertares'; o ronco é uma ressuscitação. Puxei o ar e o ar entrou. A pessoa pode não perceber, mas não tem um sono de qualidade, sofre com um a privação crônica de sono. Apesar de acharem que dormem fácil, têm um sono ruim. Cochilam em situações inapropriadas, no trânsito, no trabalho, nada mais é porque estão devendo a si mesmas um sono de qualidade", explica.

Andrea ainda afirma que o ronco é mais prevalente no homem e a mulher sofre mais com insônia. "Ela chega em casa exausta do trabalho, cuida das crianças, da casa, trabalha de casa. Quando efetivamente vai para o quarto, ela precisa se refazer para o dia seguinte. Privada do sono ela vai sentir cansaço, irritabilidade, baixa concentração, alteração da memória. Seja voluntária ou involuntária, a falta de um sono adequado causa problemas graves à saúde. Ganho de peso, resistência insulínica, hipertensão, arritmia cardíaca, baixa imunidade, infecções, gripes, alterações de humor, depressão. Nós vivemos num mundo em que as pessoas dormem mal. As pessoas têm que entender que o sono é uma necessidade biológica. Ir contra ele é viver os outros 2/3 da vida mal".

Para conseguir ter noites mais tranquilas e bem dormidas, a roteirista Ana Castro, de 38 anos, decidiu pela separação de quartos. "Quando meu primeiro filho nasceu, meu sono ficou mais leve, fiquei mais alerta para escutar o choro dele. Foi quando o ronco do meu marido passou a me incomodar. À medida que ele foi crescendo, voltamos a dormir juntos, mas na segunda gravidez aconteceu de novo. Começamos então a revezar os dias dormindo juntos. Depois que a terceira filha nasceu, eu não podia me dar ao luxo de dormir mal. Então, fui para outra cama definitivamente. Há dois anos, tenho uma cama oficial minha. Há dois anos, ele arruma uma cama de manhã e eu outra", comenta Ana.

"Acho que felicidade está mais relacionada com horas dormidas do que camas compartilhadas entre o casal. Ele reclama, se sente vítima do meu abandono, mas a minha vida melhorou, é impossível para mim. Existe uma intimidade do antes de dormir, que se deixa de compartilhar, e tanto eu como ele sentimos falta disso. Mas é a melhor maneira que encontramos para viver. A outra solução seria ele parar de roncar", explica Ana.

Para a terapeuta Michele Silveira, um casal saudável é aquele que está feliz diante das suas escolhas. É um casal em que ambos conseguem se colocar. Ambos se aceitam, um se coloca e o outro também acolhe.

"Se o casal entender que dormir em quartos separados não é ameaça, não é distanciamento, muito pelo contrário, é um cuidado com a relação, a gente pode ter o inverso, que é aproximação desse casal, um erotismo maior. Um espaço para construir novos lugares para estarem juntos em relação à sexualidade, por exemplo", comenta a terapeuta Denise Figueiredo.