Topo

"Love bombing": por que o exagero no romantismo pode ser uma cilada

Arroubos de romantismo exagerado podem levar a um comportamento obsessivo - Getty Images/iStockphoto
Arroubos de romantismo exagerado podem levar a um comportamento obsessivo Imagem: Getty Images/iStockphoto

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

26/07/2019 04h00

Conhecer um cara legal, ficar com ele e, logo após o segundo ou terceiro date, ser alvo de um ataque romântico na forma de flores, presentes, jantares, declarações apaixonadas nas redes sociais e ao vivo e em cores e até aparições surpresa no trabalho. Para muitas mulheres, trata-se de um sonho que nem mesmo a mais açucarada das fantasias ousou imaginar. Para outras, porém, tamanho exagero só causa repulsa, medo e desconfiança.

O chamado "love bombing" -- em tradução livre, "bombardeio de amor" -- costuma provocar reações contraditórias, ainda mais se levarmos em conta que, apesar de tanta evolução dos costumes, muitas mulheres ainda são influenciadas por conceitos de antigamente, como a necessidade da prova amorosa, e de que os homens que valem a pena são arrebatadores e ardentes. No entanto, trata-se de um comportamento que exige atenção. Segundo especialistas, tende a se tornar obsessivo e até mesmo abusivo.

Para Silvia Malamud, psicóloga clínica especializada em terapia de casais e família, de São Paulo (SP), o risco existe se as características de personalidade estão dentro do espectro do narcisismo perverso e de outras patologias afins. "É quase uma regra: relacionamentos marcados logo no início pelo 'love bombing' têm a tendência de, na segunda página, virarem decepções ou inseguranças afetivas sem fim. Isso porque esse tipo de conduta indica uma projeção de todas as carências na outra pessoa, como se ela não tivesse defeito algum e fosse solucionar tudo na vida do apaixonado. E como as pessoas, em geral, andam muito carentes, o perigo do 'bombardeio de amor' está nas cobranças que surgem depois de um tempo e nas decepções que podem vir no pacote. E, ainda, na cegueira que persiste quando o outro é 'inventado' pelo par e a todo custo precisa se encaixar no modelo", afirma.

O "love bombing" impede que se enxergue a natureza do relacionamento. Uma cegueira de excitação envolve o momento e não dá espaço para que a relação possa se desenvolver com maior profundidade. "Tudo passa a parecer a celebração do encontro e o desejo da perfeição do desenvolvimento do mesmo. Mas a grande questão é: o que pode significar perfeição para cada um, individualmente?", questiona Malamud.

Segundo Luiza Colmán, psicóloga de Goiânia (GO) especializada em temáticas ligadas ao amor, é comum que essas pessoas queiram se sentir amadas na mesma proporção com que demonstram -- e, justamente por isso, acreditam que suas demonstrações de afeto serão correspondidas e valorizadas intensamente. "Em alguns casos, o 'love bombing' também serve para marcar território e deixar bem claro para todos que o par é comprometido", observa.

Limites precisam ser respeitados

De maneira persistente, o "bombardeio de amor" pode, sim, caracterizar abuso se o alvo da atenção exacerbada se sente controlado e sufocado pelo comportamento. É preciso, logo no início, pontuar o incômodo com firmeza e gentileza, sem culpa. Muitas pessoas não conseguem comunicar essa insatisfação porque como as atitudes, em princípio, se dão "por amor", parece que é feio reclamar.

"É fundamental conversar sobre isso com o par e expor seus sentimentos e desejos, além de explicar o que tanto exagero causa. Não se deve desmerecer o outro, pois em alguns casos suas ações têm boas intenções, mas, infelizmente não agradam como deveriam", afirma o psicólogo Yuri Busin, diretor do CASME (Centro de Atenção à Saúde Mental Equilíbrio), em São Paulo (SP).

Muitos arroubos de romantismo fazem parte do cenário de diversos começos de relacionamento -- o tempo se encarrega de "amornar" as coisas. Não é toda manifestação apaixonada que tem potencial de se tornar uma relação abusiva, mas, de acordo com a psicóloga Claudia Melo, do Rio de Janeiro (RJ), o que merece cautela nesse processo são os excessos. "Se você sinaliza pro par que é preciso ir com calma e ainda assim a sua fala não é respeitada, é sinal de problema. Se você diz 'não apareça no meu trabalho de surpresa, não vá à minha casa sem me avisar, não precisa mandar flores a toda hora' e esses limites são ultrapassados, cuidado. Mesmo sendo algo bonito, é fora do comum. Trata-se de alguém que demonstra claramente não ter limites nem respeita o espaço alheio", diz.

Para a psicóloga e psicanalista Priscila Gasparini Fernandes, de São Paulo (SP), no início de um relacionamento é normal querer agradar ao outro, exagerar no carinho e nos presentes para garantir a conquista. "Mas isso é breve, logo deve haver uma estabilidade. Quando o exagero prossegue, é bom ficar alerta, pois quem faz é alguém que está tentando compensar algo. Então, o risco de virar uma obsessão é grande", avisa.

Determinar o limite saudável de um comportamento "love bombing", na opinião da psicóloga Luiza Colmán, depende do quanto as ações acarretam prejuízos para o próprio indivíduo e/ou para outras pessoas. "Os excessos precisam ser observados se provocarem danos em áreas como trabalho, vida financeira, relações sociais e até mesmo na saúde física por causa do estresse ou do desgaste. Muitas vezes é necessário procurar ajuda de um terapeuta", diz. "A melhor forma de começar a quebrar o padrão é se perguntar: para que tanto excesso? Qual a reação esperada? É difícil para muita gente responder a essas perguntas sem auxílio, por isso um olhar profissional é fundamental para mudar o jeito de agir, principalmente se a pessoa não consegue deixar de exagerar, mesmo já tentando outras vezes", completa Luiza.