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"Nossa confiança caiu um pouco, mas estamos unidas", diz a zagueira Mônica

Mônica: "Confiamos muito no grupo" - CBF
Mônica: "Confiamos muito no grupo" Imagem: CBF

Débora Miranda

Colaboração para Universa

09/06/2019 04h00

Copa do Mundo não é brincadeira. E o Brasil entra em campo neste domingo, às 10h30, contra a Jamaica, em seu primeiro jogo pelo Mundial feminino. "Teremos muitas surpresas, esse vai ser um campeonato muito interessante", adianta a zagueira Mônica.

Em entrevista exclusiva à Universa, ela diz que a França é o adversário a ser vencido. "Acho que esse pode ser um dos jogos mais difíceis. Mas, se tiver que ser campeão, o Brasil vai bater todo o mundo."

Fã do piloto Ayrton Senna, ela falou sobre as derrotas recentes, disse que a equipe conversou muito a respeito, mas que a Copa é "outra atmosfera, outra energia, outro sentimento". "Confiamos muito no nosso grupo, estamos unidas e sabemos da nossa responsabilidade."

Segundo a atleta, a grande conquista que ainda falta ao futebol feminino é financeira. "Não só com relação aos salários, mas de estrutura mesmo, de condições melhores de treinamento e de jogos. Está próximo, mas ainda não aconteceu. Seria a mais importante para nós agora. Porque as barreiras sociais estamos quebrando, as pessoas já estão entendendo."

Leia, abaixo, trechos da entrevista.

Universa: Você descobriu o gosto pelo futebol bem criança, na Copa de 1994. Como foi na época?

Mônica: Eu sempre gostei de brincar de tudo que envolvesse bola, só não tinha ideia ainda de que eu escolheria o futebol. O momento que o Brasil vivia naquela época, em 1994, talvez tenha sido a grande influência para que eu gostasse mais do futebol do que de qualquer outro esporte. Começou como uma paixão de torcedora mesmo, brincando na rua e tentando repetir as coisas que eu via nos jogos da TV.

Mônica: a zagueira da seleção faz piada com o canarinho pistola - CBF - CBF
Mônica: "Estou preparada para qualquer situação que aconteça durante os jogos"
Imagem: CBF

Sua família apoiava?

Na minha família nunca enfrentei preconceito nem discriminação. Minha mãe sempre foi muito a favor. O que importava para ela era que a gente estivesse fazendo exercício, que a gente estivesse brincando na rua em vez de estar dentro de casa. Os meus amigos também sempre me apoiaram bastante. Na escola, quando descobriram que eu jogava bem, sempre me chamavam. Então, eu tive essas pessoas que me apoiaram, amigos que estavam ao meu lado. Tinha algumas pessoas que não gostavam muito, me mandavam lavar louça, xingavam, essas coisas. Mas isso nunca fez com que eu desistisse de jogar ou de brincar.

De lá até aqui você teve uma carreira bem-sucedida, jogou em clubes do exterior. Qual considera a maior dificuldade que você enfrentou?

Eu sempre fui uma atleta que gosta de desafios, nunca nada me impediu de tentar. Eu comecei jogando no Inter, não recebia nada, nem passagens para ir treinar. Depois, fui treinar no interior de São Paulo, e recebia na época R$ 150. Nunca tive muito retorno financeiro, mas também não parei por causa disso. Sempre achei que dar um passo adiante seria uma maneira de abrir portas. Quando eu tive oportunidade de ir para fora, na Áustria, soube que a equipe precisava de uma defensora, mas naquela época não tinha isso de transferência, empresário. Era mais por indicação ou pela sorte de alguém te encontrar. E tinha duas brasileiras que jogavam lá, que eram a Rosana e a Liése Brancão. Mas elas disseram que o clube não queria pagar para eu ir até lá. Usei a pensão do meu pai --ele tinha falecido há muitos anos--, que estava guardada para caso de necessidade, e usei esse dinheiro para comprar a passagem e ir fazer o teste.

Sua contratação nem era certa?

Era só um teste, para arriscar mesmo. Mas era o momento, eu senti que deveria dar aquele passo. E as duas [Rosana e Liése] me ajudaram bastante. Foram elas que me sustentaram durante seis meses em que fiquei lá, porque a janela de transferências tinha fechado uma semana antes. Fiquei seis meses treinando, sem receber [até poder ser oficialmente contratada]. Mas por um lado foi bom, porque deu tempo de me adaptar ao frio, à maneira diferente de jogar. Foi lá que eu comecei a entender taticamente as linhas, 4-4-2, essas coisas assim? Foi muito legal. Depois assinei o contrato e fiquei lá por cinco anos. Foi um tiro certeiro.

Está será a sua segunda Copa. Qual é o sentimento de representar o Brasil?

Estou muito feliz, muito grata, é uma emoção. Não só pensando em carreira, mas também em desejo pessoal. Sei o quão importante vai ser essa Copa do Mundo, quanta coisa a gente está alcançando e o significado que esse Mundial tem para a evolução do futebol brasileiro.

Mônica, zagueira da seleção brasileira de futebol feminino - Arquivo Pessoal/Facebook - Arquivo Pessoal/Facebook
Mônica, zagueira da seleção brasileira de futebol feminino
Imagem: Arquivo Pessoal/Facebook

O time vem de derrotas, e isso está sendo bastante comentado. Como está o clima entre vocês?

Conversamos bastante nos últimos amistosos sobre isso e sabemos que a nossa confiança caiu um pouco depois desses resultados. Mas também sabemos que a Copa do Mundo é outra atmosfera, outra energia, outro sentimento. Confiamos muito no nosso grupo, estamos unidas e sabemos da nossa responsabilidade. É normal no futebol ter momentos ruins, especialmente em fases de transição. Tudo isso faz parte. Agora é a gente pôr a cabeça no lugar, entender que já passou e que não tem que lamentar, mas dar um passo para a frente. Estar preparada para qualquer situação que aconteça durante os jogos.

Quem você acha que é o grande adversário a ser batido pelo Brasil?

Esse Mundial vai ter muitas surpresas, vai ser um campeonato muito interesse. Vou te dizer que o Brasil vai bater todo o mundo. Se tiver que ser campeão, vai ter que bater. Mas eu vejo a França como um desafio bem grande para o Brasil. Gosto muito do futebol das francesas e acho que é um dos jogos mais difíceis.

A seleção feminina do EUA tem se mostrado bastante engajada na luta pela igualdade e inclusive entrou com um processo contra a federação de lá pela equiparação salarial. A seleção brasileira conversa sobre isso? Pensa na busca por melhorias para o futebol feminino de forma geral?

A gente até conversa. A gente vê essas coisas acontecendo e pensa que tem de fazer também, tem que se unir para buscar igualdade. Mas a gente entende que a cultura é muito diferente e que talvez com uma ação dessas aqui a gente não fosse tão bem entendida quanto elas são lá nos EUA. Além disso, elas têm um título [são tricampeãs mundiais], elas têm um porquê, elas têm uma razão. Talvez a gente se sinta ainda insegura para fazer isso porque não tem um título, não tem uma medalha para provar que a gente merece ser igual.

Você acha que primeiro precisam vir as conquistas para depois fazer as exigências?

Para a gente poder cobrar dessa forma, num exemplo comparável ao delas, sim. Mas a gente lutar sempre por algo melhor, a gente pode e está fazendo. Tem coisas que estão mudando. A conquista do nosso uniforme, por exemplo, foi um dos pedidos que a gente já fez há muito tempo. Aos pouquinhos a gente vai conquistando esse espaço e fazendo todo o mundo entender que a gente merece igualdade.

Essa Copa já demonstra algumas conquistas. Tem o uniforme, a cobertura da TV aberta, a própria CBF fez pela primeira vez um evento para anunciar a escalação. Vocês têm sentido uma evolução, de fato?

Eu vejo muita coisa mudando, muitas portas se abrindo, pessoas se interessando, empresas querendo estar junto. São conquistas que nem a gente mesmo esperava e que trazem mais energias boas. E uma conquista puxa a outra, então, para nós é bom. Quanto mais empresas estiverem engajadas no futebol feminino, quando mais visibilidade a gente tiver, melhor para todos.

A disparidade de investimento entre o futebol feminino e o masculino ainda é gigantesca. O que você acha que mais falta no Brasil para incentivar as atletas dentro dos clubes do Brasil?

Acho que isso às vezes ainda bate um pouco com a nossa cultura. As portas ainda não se abrem como a gente espera, porque talvez tenha um medo do outro lado de que a gente conquiste mais ou de que a gente se iguale na importância. Talvez seja uma coisa até inconsciente na cabeça dessas pessoas que têm o poder de dar uma abertura maior, uma estrutura melhor para o futebol feminino dentro dos clubes. Não sei, não entendo na verdade, porque acho que só traria benefícios para o clube se houvesse conquistas dos dois lados [masculino e feminino]. Isso só engrandece. Talvez essa ideia de que a gente quer tomar o espaço do masculino seja uma barreira. E isso não é a nossa intenção, a gente só quer o nosso espaço.

Qual é a última grande barreira que o futebol feminino precisa superar no Brasil?

A situação financeira, não só com relação aos salários, mas de estrutura mesmo, de condições melhores de treinamento e de jogos. Está próximo, mas ainda não aconteceu. Seria a mais importante para nós agora. Porque as barreiras sociais estamos quebrando, as pessoas já estão entendendo.

Você acha que as seleções femininas deveriam ter mais profissionais mulheres na parte técnica, nos bastidores?

Ter uma figura feminina na comissão é sempre bom, mas o mais importante para mim é que as pessoas que estejam lá tenham capacidade de estar. Esse é o ponto principal para mim, independentemente de ser mulher ou homem.

Quem é sua referência no futebol?

Meu maior ídolo sempre foi e ainda é o Ayrton Senna, acho ele um grande exemplo, como pessoa e atleta, de realizações de sonhos e objetivos. Ele foi muito importante para mim. Dentro do futebol, eu tenho a Pretinha e a Sissi como referências, que foram as atletas que eu mais acompanhei quando eu comecei, além da própria Marta, com quem já tive a oportunidade de jogar tanto na seleção quanto no clube.

Tem mais alguma coisa que você queira acrescentar?

Não. Só mesmo dizer que o Brasil está pronto para ir lá e detonar!

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