Topo

Inspira

Ideias para uma vida mais plena


"Chega de 'dicas para se tornar mais sustentável'", diz Cristal Muniz

Cristal Muniz, autora de "Uma Vida Sem Lixo" - Reprodução/Instagram
Cristal Muniz, autora de "Uma Vida Sem Lixo" Imagem: Reprodução/Instagram

Milene Chaves

Colaboração para Universa

05/06/2019 12h29

Chega de dicas? A catarinense Cristal Muniz, ativista do movimento lixo zero no Brasil, entende que é preciso dar uma reciclada nos assuntos e aproveitar este 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, para ir além daquela lista de dicas com jeito de enlatada, que surge na data e costuma incluir as palavras ecobag e canudo de metal como solução imediata para todos os problemas ecológicos. "É hora de elevar o debate e parar de subestimar as pessoas", defende. "Vamos começar a discutir que impactos causamos no mundo, e como podemos mudar isso."

Em entrevista a Universa, Cristal, de 27 anos, conta que foi uma criança criada para ser consciente, do tipo que separava o lixo e usava um produto até o fim antes de jogá-lo fora. Mas algo clicou quando ela entrou em contato com o conteúdo da blogueira norte-americana Lauren Singer e tomou conhecimento do movimento que pretende zerar o lixo em casa -- ou, ao menos, diminuir intensamente seu volume -- por meio da eliminação do desperdício, do consumo de plástico, de produtos com aditivos químicos. Em 2015, criou o blog "Um Ano Sem Lixo" para compartilhar experiências no processo de adesão ao movimento. Passou a pesquisar e criar seus próprios produtos de higiene, beleza e limpeza, além, é claro, de fazer a compostagem de resíduos orgânicos e circular com seus talheres na bolsa para evitar os de plástico na rua.

Em 2018, já especialista, publicou dicas no livro "Uma Vida Sem Lixo", um "guia para diminuir o desperdício na sua casa e simplificar a vida". O blog foi rebatizado com o nome do livro e hoje Cristal tem mais de 180 mil seguidores no Instagram e 10 mil no YouTube. No horizonte, existem planos para um segundo e até um terceiro livro, todos sobre lixo zero, mas "com abordagens novas para públicos diferentes".

Em um dos últimos posts de Cristal, a foto de uma latinha contendo três objetos retangulares de tons cáqui chama a atenção. A legenda explica: é seu nécessaire de viagem. Uma das barras é o sabonete; as outras duas são xampu e condicionador sólidos. No carrossel de imagens, ela ainda mostra uma latinha com desodorante em creme, feito por ela mesma, e um vidrinho com pó dental, escuro, para escovar os dentes. Produtos naturais, sem químicos pesados, sem rótulo e sem embalagem de plástico -- e que fazem refletir sobre aquele kit mimoso de miniaturas "descartáveis" de plástico, próprio para viagem, disponível em farmácias e supermercados. Assim é a entrevista que você lê abaixo: não tem dica fácil, mas provoca uma boa reflexão.

Em 2019, quais questões o Dia Mundial do Meio Ambiente deve suscitar?
Ainda estamos pensando em "dicas para se tornar mais sustentável", mas já falamos tanto disso que se tornou repetitivo. Precisamos elevar o debate; começar a discutir que impactos causamos no mundo, e como podemos mudar isso. Não responsabilizamos as pessoas pelos seus resíduos: separamos duas sacolas e o Estado que se ocupe do resto. Enquanto aqui basta juntar o que é reciclável, em outros países é preciso separar cada categoria de reciclável. Por outro lado, temos que fechar a torneira na hora de escovar o dente, enquanto o agronegócio gasta tantos e tantos litros de água sem penalização. Também estamos retrocedendo em questões como a flexibilização do Código Florestal, que vai privilegiar um percentual baixo de produtores, mas impactar negativamente todas as outras pessoas. Esta não é uma questão "dos ambientalistas". É de todos nós.

Que responsabilidade o governo, as empresas e os consumidores têm sobre o lixo?
A Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, diz que a responsabilidade é compartilhada, portanto é do governo, das empresas e dos consumidores. Porém, para fazer a nossa parte, dependemos de ações dessas esferas maiores. As empresas devem informar nas embalagens qual é o descarte adequado, além de aplicar políticas de logística reversa [quando o fabricante recolhe o resíduo descartado pelo consumidor], especialmente para produtos que não vão para a coleta comum. Também é preciso que os municípios ofereçam a coleta seletiva, hoje presente em apenas 18% das cidades do País. Se o lugar onde compramos uma lâmpada oferece a coleta de lâmpadas, por exemplo, isso estimula o consumidor a fazer a sua parte. Quando essa estrutura não existe, as pessoas precisam se responsabilizar 100% pelo resíduo.

Quais são os erros mais comuns a respeito do descarte do lixo?
Produzimos em casa três grupos de lixo: os recicláveis, como papel, metal e vidro; os orgânicos, que são as cascas de alimentos, e que podem ir para a compostagem para virar adubo, e os rejeitos, que não podem ser reciclados nem compostados. Se déssemos o tratamento adequado aos diferentes lixos, apenas a última categoria seria enviada aos aterros. Mas ainda há uma grande quantidade de pessoas que simplesmente não separa o lixo. Outra questão é não dar o destino certo a itens que são aproveitáveis, mas que não entram no caminhão da coleta comum: pilhas, baterias e eletrônicos devem ir para pontos específicos de coleta. Não tem mágica; não basta apenas colocar um resíduo na sacola de recicláveis e dar por garantido que aquilo terá destino certo.

Que produtos contêm plástico e a maioria das pessoas nem desconfia?
Fiquei chocada quando descobri que pastas de dente e esfoliantes de pele contêm microplásticos, que cumprem a função de abrasão. São os polietilenos que se lê no rótulo. Essas microesferas escapam do tratamento de esgoto pois não há filtro que consiga bloqueá-las. O plástico absorve radioatividade e agrotóxicos, por exemplo, e vai carregando essas substâncias por onde passa. Amostras de torneira de água potável pelo mundo revelaram alto teor de plástico, que vêm das microesferas, mas também de microfibras de plástico que se soltam desses produtos de beleza e de tecidos sintéticos. Até sal pode ter plástico, é meio desesperador.

Qual é o primeiro item que, urgentemente, deveríamos parar de consumir?
O plástico tem se mostrado o mais problemático. De qualquer forma, deveríamos parar de consumir do jeito que consumimos. Nada será extremamente nocivo se o consumo for consciente. Se usarmos o produto até o final, se fizermos o uso adequado dele, se pensarmos na sua criação e descarte, aproveitando 100% da matéria-prima, aí não tem vilão. Temos casas abarrotadas e mais coisas do que somos capazes de usar. Se repensarmos desde o desperdício da comida até a compra de novos itens, questionando o modelo de ter e comprar cada vez mais, vamos melhorar a questão.

Que produto feito em casa você considera o mais eficiente?
Acho que ninguém que tenha feito o desodorante em creme [leva bicarbonato de sódio, amido, manteiga vegetal e óleo essencial] e o sabão líquido natural multiúso [formulado com água, sabão de coco, álcool, bicarbonato de sódio e óleo essencial] se arrependeu. Eles são muito bons. O desodorante é superbarato, simples de fazer e mais eficaz do que os formulados pela indústria. Aplico depois de tomar banho e não preciso repassar durante o dia. Quem sofre alguma irritação com o bicarbonato de sódio talvez não goste da receita, mas nesses casos a opção com leite de magnésia funciona muito bem. O produto de limpeza multiúso é muito mais barato -- gasto R$ 5 por mês, ante os R$ 40 de antes. Diluído e em frasco com spray, o mesmo produto serve para limpar roupa, fogão, janela, chão, bancada.

Seu perfil no Instagram é também um grande tira-dúvidas dos seguidores. Você reserva um tempo só para responder?
Não reservo um tempo específico, mas dou uma olhada todos os dias, assim como no blog, e respondo o que consigo. Se eu não limitar esse tempo, faço só isso o dia todo, já que muitas perguntas são repetidas. Procuro temas diferentes para postar, assim sano dúvidas inéditas.

Você aprende com seus seguidores?
Aprendo muito. Eles são muito qualificados; há biólogos, engenheiros florestais, químicos, farmacêuticos. São formações diversas, que me ajudam a entender melhor diferentes questões. Me vejo muito mais como um aglutinador de conteúdo. Não fiz cursos na área, mas me informo muito pela internet seguindo pessoas relevantes e com formação específica -- uma delas é minha fonte para tirar dúvidas sobre cosméticos, por exemplo. Busco a fundo estudos sérios quando preciso entender um ponto. O bicarbonato de sódio na pasta de dente, por exemplo, me deu muita dor de cabeça para pesquisar, pois dizem que ele estraga o esmalte dos dentes. Em sites confiáveis de artigos científicos internacionais encontrei a informação de que ele é o que faz a abrasão mais suave entre os usados em pastas de dente.

Que perfis com o tema sustentabilidade e redução de lixo gosta de seguir?
Gosto muito da Aline Matulja (@alinematulja), que escreve de um jeito divertido; a Marina Colerato (@marinacolerato), que fala sobre sustentabilidade de maneira geral; a Fernanda Cortez (@fecortez) tem dicas ótimas e também gosto bastante do conteúdo da Neide Rigo (@neiderigo), que fala de plantas e ensina como preparar comida de maneiras diferentes. De perfis internacionais, sigo de perto o @zerowastechef, da Anne-Marie Bonneau, que escreve dos Estados Unidos dicas para diminuir o desperdício de comida, e Mariana Matija (@marianamatija), ativista da Colômbia.

Que tipos de depoimentos costuma receber?
Comecei a impactar pessoas muito rapidamente e isso me surpreendeu. Logo no primeiro mês depois de criar o blog passei a receber mensagens de gente que não conhecia. Muitas delas são de pessoas que amam fazer as receitas de produtos caseiros -- daí é que sei que o desodorante é um sucesso e que o sabão líquido se mostrou a salvação para mães e pais com filhos que sofrem de dermatite atópica ou alergia respiratória controlada com uso intenso de corticoide, que reduziram bastante o problema de saúde ao substituir os produtos de limpeza cheios de químicos tóxicos pelo produto feito em casa. Também há mensagens de pessoas que, assim como eu, se preocupavam com a sustentabilidade, separavam lixo, mas não sabiam como ir além para ter uma vivência com menos impacto para o mundo. Costumo guardar os feedbacks positivos que recebo porque fico emocionada; nunca imaginei que haveria tanta gente gostando do que faço. Tudo começou com um projeto pessoal, um blog, e se transformou em um projeto de vida.