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"Estão acostumados a ver mulheres como eu na limpeza", diz deputada carioca

Dani Monteiro, deputada estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL - Reprodução/Instagram
Dani Monteiro, deputada estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL Imagem: Reprodução/Instagram

Mariana Gonzalez

Da Universa

11/05/2019 04h00

Resumo da notícia

  • A deputada estadual Dani Monteiro (PSOL-RJ) pediu a abertura da Comissão Especial para a Juventude e passará os próximos sete meses em sua presidência
  • Nesta sexta-feira (10), ela leva pela primeira vez uma audiência pública para fora da Alerj, na tentativa de alcançar jovens de todo o estado
  • Em entrevista à Universa, Monteiro fala sobre como o cenário político ameaça o futuro dos jovens fluminenses -- e como ela pretende mudar isso

Aos 27 anos, a carioca Dani Monteiro (PSOL) é a mais nova deputada estadual na atual legislatura de seu estado -- não por acaso, ela protocolou em fevereiro o pedido de abertura de uma Comissão Especial da Juventude na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e passará os próximos sete meses debatendo políticas públicas para a população de 14 a 29 anos, da qual faz parte.

"Quando falamos em educação, trabalho e segurança, os índices de desigualdade caem especialmente sobre os jovens. E não há política pública específica para eles no estado do Rio de Janeiro", explica.

A parlamentar é cotista no curso de Ciências Sociais na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e tem o maior acesso dos jovens às universidades como um dos principais objetivos. "Eu sei o quanto a universidade mudou a minha realidade e a da minha família, mas o acesso no interior, por exemplo, é bem mais restrito, precisa ser fortalecido", diz.

Em entrevista à Universa, concedida por telefone enquanto ela ia do Rio de Janeiro para Petrópolis para presidir a primeira audiência pública da comissão fora da Alerj, na tarde de sexta-feira (10), ela falou sobre o cenário político e suas ameaças ao futuro dos jovens cariocas.

Universa: Por que discutir políticas públicas específicas para os jovens neste momento?

Dani Monteiro: A comissão se propõe a discutir quatro eixos principais -- educação, trabalho, cultura e prevenção à violência e defesa da vida. E, nestes temas, todos os índices de desigualdade a estão ligados à juventude. Hoje, não temos políticas públicas específicas para essa faixa da população. Além disso, é importante que a política esteja presente na vida dos jovens, pensando não só o acesso a direitos como as necessidades específicas do território que ele ocupa. Por isso hoje faremos nossa primeira audiência pública em Petrópolis, atendendo à meta de incentivar a participação política mesmo fora da Alerj e da cidade do Rio. A gente precisa sair destes espaços para chegar aos jovens. Mesmo quem passa do lado da Alerj todos os dias não sabe que aquele é um espaço aberto, que todo mundo pode entrar, conhecer os gabinetes, assistir ao plenário. E quem mora no interior, por exemplo, como chega até a Alerj?

Você é a deputada mais jovem da Alerj, além de ser mulher e negra. Acredita que a diferença de idade gera algum tipo de distanciamento ou (mais um) preconceito dos colegas parlamentares?

Sim. De certa forma agrava [o preconceito] porque eu sou um corpo muito estranho àquele espaço. Nunca houve ali uma jovem negra fazendo política. A média dos deputados está acostumada a ver mulheres como eu trabalhando em serviços de limpeza ou manutenção. A maioria deles provavelmente nunca ouviu ou debateu questões sociais com mulheres negras, principalmente jovens. Há, sim, descredenciamento por conta da idade. Eu sou a mais nova, mas há outros homens também bem jovens que não são ouvidos. Nós trazemos os sonhos de uma nova geração -- e os problemas também --, mas ainda há dificuldades nesse diálogo. Essa é uma barreira a ser vencida e acredito que a criação de políticas públicas específicas para a juventude pode ajudar nisso.

E fora da Alerj, qual é o cenário para a juventude?

É um momento de barbárie, não tem como definir de outra forma. Quando você acha que a população mais pobre, mais precarizada, é inimiga do Estado, é um momento de barbárie. A gente viu o governador [Wilson Witzel] subir em um helicóptero e atirar dentro de uma favela em Angra dos Reis [no último sábado (4)]. No Rio de Janeiro, um terço da população vive em favelas e o governo está declarando abertamente que essa população pobre é sua inimiga. Ao mesmo tempo, há cortes na educação. Qual é a perspectiva que estamos dando para esse jovem de periferia? Se estão tirando a escola dele, se estão cortando o ensino técnico...

Na semana passada a Comissão convidou o secretário estadual de Educação, Pedro Fernandes, para participar de uma audiência pública, mas ele não apareceu. Você acha que esse é um sinal de que a comunicação com as autoridades será difícil?

Olha, eu espero sinceramente que não. Não recebi retorno do Fernandes em relação à ausência dele na audiência e não descarto a possibilidade de um imprevisto, ainda mais em um Rio de Janeiro tão conturbado como o que estamos vivendo. Mas, de fato, a ausência sem justificativa do secretário é um problema, é uma barreira de diálogo. Eu espero que essa não seja a postura do executivo em relação ao legislativo. O PSOL é oposição às políticas do governo Witzel, mas o partido não pode ser tratado com falta de diálogo porque isso fere os princípios da democracia. A ideia da comissão é criar um espaço de amplo debate com a juventude, com a educação, com a polícia, com os transportes e com os espaços de cultura. E é fundamental que o poder público compareça.