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A necessidade de lacrar o tempo todo emperra sua vida?

Vontade de registrar opiniões bombásticas tem gerado um nível altíssimo de ansiedade - Getty Images/iStockphoto
Vontade de registrar opiniões bombásticas tem gerado um nível altíssimo de ansiedade Imagem: Getty Images/iStockphoto

Heloísa Noronha

Colaboração para Universa

06/05/2019 04h00

As redes sociais vêm fazendo das pessoas reféns da preocupação constante de ter uma postura "lacradora", postando comentários estrategicamente pensados para angariar curtidas, apoio e, em grande parte das vezes, polêmicas. Esse comportamento, em princípio, tem a vantagem de jogar luz sobre questões cruciais para minorias e marcar posicionamentos políticos, mas, em contrapartida, também provoca reações agressivas e preconceituosas de quem pensa de modo diferente.

A consequência é que, no afã de registrar uma opinião mais interessante e bombástica que os demais, as pessoas acabam encarando batalhas virtuais em que o bom senso e a discussão produtiva passam longe. E a necessidade de lacrar o tempo todo --dentro ou fora das redes-- tem gerado um nível altíssimo de ansiedade, fazendo com que as pessoas ajam de maneira artificial com comprometimento em diversas áreas da vida.

Maquiagem no rosto e na personalidade

"Muitas pessoas acreditam que sua personalidade só pode ser mostrada através das ferramentas de redes sociais, algumas acreditam que precisam 'maquiar' sua aparência física e seu comportamento na busca de uma imagem ideal, outras precisam de uma atenção representada por curtidas e comentários", descreve Luciano Passianotto, psicoterapeuta de São Paulo (SP).

"Quando tudo isso está junto, pode ser um problema conseguir gerenciar todas as expectativas e tentativas de controle do exterior. Isso normalmente leva a quadros ansiosos, que podem se desenvolver para um transtorno com implicações psicológicas e físicas, como tensão muscular, insônia, problemas de pressão ou gástricos e, com o tempo, doenças cardíacas e respiratórias e diminuição da imunidade do organismo", completa.

A necessidade de lacrar nas conversas e discussões não é uma conduta típica das redes sociais, mas certamente é potencializada por elas. "Muita gente está dando mais importância para a aparência do que para o significado das suas ações e opiniões. Quando isso é interiorizado, a plasticidade passa a ter prioridade sobre o conteúdo. Os comentários passam a dizer mais sobre quem os diz do que sobre o que estão dizendo e são usado com autopropaganda. Como o conteúdo tem um papel secundário, ele tende a se tornar menos aprofundado", diz Luciano.

Personas em ação

Para Erisson Rosati, professor do curso de Marketing Digital do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, o ser humano tende a revestir a realidade como um véu. "O tempo todo e isso não é de hoje. Nós evitamos nos mostrar por inteiro, assim somos mais fortes. E, para isso, criamos personas que sejam mais interessantes e que possam se destacar dos demais em um grupo. Acontece que a internet colocou todo mundo junto, ao mesmo tempo e no mesmo local, compartilhando ideias... É claro que isso daria um 'tilt'. É o mesmo que você juntar muitas pessoas, todas com suas particularidades, linguagens e visões de mundo, em uma sala onde todos vão ver o mesmo filme e dar sua opinião no final. Vira um Deus nos acuda!", afirma.

A relação atual das pessoas com o tempo também é um fator que não deve ser desprezado nessa fissura por se destacar, segundo Marcelo Lábaki Agostinho, psicólogo clínico, psicanalista e terapeuta familiar com atuação em consultório particular e no IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo). "Se, como se fala popularmente, a ansiedade é o medo do futuro, e o futuro está logo ali no segundo seguinte e não no tempo mais distante, acho que fica mais fácil entender porque os usuários das redes sociais ficam aflitos e ansiosos atrás de curtidas. Para mim, o problema que está envolvido nesta situação do "quanto mais likes, melhor", é a dificuldade de se lidar com o limite do tempo, ou não se poder perceber que o tempo pode ser vivido de uma maneira mais lenta, sem o imediatismo", comenta.

O imediatismo é uma marca registrada dos "millenials", assim como a urgência de se expor nas redes. "Performar é ainda mais importante. Se você quer ser alguém, tem que estar nas redes sociais, senão, literalmente, não existe. Sem rede social você é um pária, um estranho. Não acompanha os memes, não entende as piadas, não sabe o que está na crista da onda", observa Erison. Porém, na opinião de Mara Lúcia Madureira, psicóloga especializada em terapia cognitivo-comportamental, de São José do Rio Preto (SP), a necessidade extrema de exibição pública vem empobrecendo o diálogo e enfraquecendo os laços amorosos e de amizade. "A atenção fica focada na produção de material, não na experiência real do presente", ressalta.

E mais: querer lacrar o tempo todo para simular um estado permanente de relevância, impacto, felicidade ou revolta pode surtir justamente o efeito contrário na vida real. Trata-se de um comportamento que busca construir uma imagem de alguém inteligente, irreverente, engajado e/ou excêntrico, mas quase nunca algo isolado produz o resultado desejado. "Por isso algumas pessoas mergulham numa cruzada com a busca de autoafirmação ou reconhecimento como pano de fundo. Expectativas irrealistas podem gerar um sentimento de frustração enorme e, caso a pessoa não saiba lidar com isso, sentimentos muito negativos", diz Luciano.

Uma das maiores perdas quando se investe energia em lacrar com uma certa frequência é a perda da espontaneidade. Quando se raciocina demais sobre o que se falar ou escrever, se perde a essência. Isso pode levar a uma imagem de falta de autenticidade, a uma perda do 'eu'. Passa-se a ser o que se busca, não o que se é.

Dados alarmantes

De acordo com um relatório divulgado em 2018 pela OMS (Organização Mundial da Saúde), nos últimos dez anos o número de pessoas com depressão aumentou 18,4%. O Brasil, conforme as estatísticas, é o país mais ansioso da América Latina - quase 10% da população manifesta o quadro. Outra pesquisa, realizada pelo Instituto Gallup, envolveu mais de 150 mil entrevistas com adultos oriundos de mais de 140 países e concluiu que, globalmente, as pessoas nunca estiveram tão tristes, aborrecidas e preocupadas.

Se cruzarmos essas dados com outros de estudos que analisam a influência da internet em nossas vidas, a perspectiva não é nem um pouco otimista: os problemas de saúde mental tendem a aumentar e a ter os efeitos potencializados pela relação com as redes sociais. Um estudo recente da Universidade da Pensilvânia (EUA), por exemplo, concluiu que o uso do Facebook e do Instagram potencializa os riscos de desenvolver ansiedade e depressão.

Não é à toa que a última atualização do Instagram passou a oferecer ajuda para quem pesquisar as hashtags #depressão, #ansiedade e #suicídio. Quando esses termos são pesquisados, o aplicativo exibe uma mensagem alertando que o tipo de conteúdo que a pessoa deseja incentiva um comportamento nocivo e que pode levar à morte: "Se você está passando por uma situação difícil, gostaríamos de ajudar". O usuário tem, então, três opções à disposição: obter apoio, ver as publicações mesmo assim e cancelar. Quem escolher "obter apoio" tem como alternativas contatar alguém da lista de contatos ou o CVV (Centro de Valorização da Vida) ou receber dicas de autoajuda.
É uma maneira encontrada pelo Instagram para minimizar o impacto na autoestima de quem não desfruta do estilo de vida interessante que a maioria dos usuários gosta de mostrar na rede.