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Gestação anembrionária: elas contam o pesadelo de não ter bebê no ultrassom

Gestação anembrionaria acontece em menos de 6% do total de abortos - iStock
Gestação anembrionaria acontece em menos de 6% do total de abortos Imagem: iStock

William Novaes

Colaboração para Universa

01/05/2019 04h00

O primeiro teste deu positivo. Comprou o segundo teste de farmácia: confirmadíssimo. O exame de sangue também comprovou a gestação. Logo surgiram as discussões para os possíveis nomes da criança.

No primeiro ultrassom, apareceu e com o tamanho de cinco semanas. O alívio: está tudo dentro dos conformes. Mas faltou enxergar o embrião, a vesícula vitelínica. A mãe tinha certeza que apareceria na próxima consulta.

Parte da família foi avisada da vinda de mais uma criança. Criou-se um grupo de Whatssap. Os amigos receberam mensagens codificadas, descobriram e ligaram dando os parabéns. Os enjoos, mais vômitos, a vontade frequente de fazer xixi, o corte do cigarro e da cerveja, entre outros alimentos, alguns por recomendações médicas e outros por aversão mesmo.

A vida estava mais alegre, mesmo com os seios doendo e a dor intensa no quadril. Algumas roupinhas compradas e o choque, no segundo ultrassom. O médico diz secamente que não havia bebê nenhum ali. Essas sensações aconteceram com a engenheira agrônoma Heloisa Carvalho, de 39 anos, mãe de dois meninos, de 9 e 12 anos, no mês passado.

O choque

Ela conta sobre a tristeza após o resultado. "Não era o que esperávamos. É uma notícia muito forte, logo comecei a pensar: por que não deu certo? Mas o vazio fica, afinal era um filho muito desejado", disse Heloisa.

Segundo o obstetra e professor adjunto de Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Jundiaí, em São Paulo, Ricardo Tedesco, isso ocorreu por um problema na junção dos cromossomos, um defeito estrutural do organismo, nas primeiras semanas, após a fecundação. As células não se organizaram do jeito que deveriam. "Mas isso não quer dizer que a mulher tem algum tipo de problema. Infelizmente acontece", explica Tedesco.

A diferença entre gravidez anembrionária e aborto espontâneo é que na primeira situação não foi gerado o embrião, devido a um erro nos cromossomos. Houve a fecundação do óvulo, o surgimento do saco gestacional e não evolui desta etapa, normalmente acontece até a 8ª semana. No aborto espontâneo, o embrião morre antes da 22ª semana de gestação.

Para Heloisa, o primeiro pensamento foi a sua idade. Ela se questionou e chorou muito. "Talvez a questão de estar próxima dos 40 anos seja o motivo". Segundo a literatura médica, isso acontece em 40% das gestações de mulheres com mais de 40 anos. Para ter uma ideia de comparação, em uma moça de 20 anos, o índice cai para 10%. Os casos de abortos espontâneos representam entre 15% e 20%: significa que entre dez gestações, duas não vão em frente, por diversos motivos.

O medo de ficar feliz

Luma  - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Imagem: Acervo pessoal

Para a motorista de transporte escolar Luma Bottoni Favarim Eleutério, de 29 anos, o choque foi em 2011. Ainda namorando com atual marido. Descobriram a gravidez. Tensão, eles não tinham nada sério e decidiram levar adiante. Os exames confirmaram a gestação. Já no primeiro ultrassom o médico informou: ou ainda não tinha 15 dias ou poderia ser uma gestação anembrionária. Alguns dias depois, Luma percebeu um pequeno sangramento que a levou ao hospital, onde foi constatado o aborto espontâneo.

"Após alguns meses nos casamos e já no primeiro mês de casada, engravidei. Foi estranho no começo, parecia que se repetiria. Eu tinha medo de ficar feliz e sofrer depois. É uma sensação complicada demais. Guardamos segredo, apenas quando estava tudo certo, informamos. O nosso sonho hoje tem 7 anos. Mas às vezes me pego pensando naquela gestação. Afinal, era um filho meu que chegaria ao mundo", disse Luma, mãe de uma outra menina de 10 anos.

O luto

A tristeza na mulher que sofreu aborto espontâneo faz parte do processo, analisa a psicóloga Denise Araújo Lapa Pedreira, da comissão de medicina fetal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), "O luto é normal, ninguém escolhe. Uma perda é sempre dolorida. Esse tempo é variável da mulher se sentir triste, mas se a tristeza perdurar por mais de três meses, é necessário procurar ajuda de um profissional de saúde mental", explicou Denise.

Redes sociais só após o terceiro mês

Em nosso mundo moderno é necessário ter uma paciência que quase não existe mais. A ginecologista Denise aconselha as suas pacientes a publicar nas redes sociais o anúncio da gravidez no terceiro mês. "Antes disso, a chance de acontecer um aborto espontâneo é de 15%, um número muito alto. A decepção pode ser muito maior ao ter que explicar para todo mundo. Se acontece algo, o sofrimento é menor", finalizou.