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Já foi presa: líder do Pussy Riot fala de Bolsonaro e papel da mulher

A artista Nadya, do Pussy Riot - Santiago Pagnotta
A artista Nadya, do Pussy Riot Imagem: Santiago Pagnotta

Marcos Candido

Da Universa

18/04/2019 04h00

As Pussy Riot em parte representam o ativismo político organizado de maneira horizontal -- apoiado mais em ideias do que em lideranças ou partidos -- e do levante protagonizado por mulheres que arrebata o mundo. Você provavelmente se lembra delas.

O grupo russo foi criado em 2011 e mescla música e intervenções artísticas a protestos políticos propagados a nível mundial. O preço pago por isso foi alto: os membros foram presos por anos, espancados e perseguidos pela repressão contra minorias que marca a Rússia do presidente Vladimir Putin.

Agora, o Pussy Riot se apresenta pela primeira vez no Brasil. Na sexta (19), tocam no Abril Pro Rock, em Recife. No sábado (20), é a principal atração do festival Garotas à Frente, em São Paulo.

"Estou empolgada para ir para o Brasil e conhecer as mulheres maravilhosas que estão prestes a chutar pra fora a bunda sexista do Bolsonaro", diz à Universa Nadezhda Tolokonnikova, ou Nadya, principal mente criativa do Pussy Riot.

A artista ficou presa por dois anos ao protestar contra um elo entre Putin e membros da igreja ortodoxa cristã russa.

As performances são pacíficas: as Pussy Riot usam máscaras coloridas, fazem gestos galhofas e gritam palavras de ordem contra Putin. Apesar disso, há vídeos em que são chicoteadas e presas por policiais. No ano passado, quatro integrantes do Pussy Riot ocuparam a final da Copa do Mundo para pedir liberdade a presos políticos. Um dos ativistas chegou a ser internado por envenenamento.

Pussy Riot vem pela primeira vez ao Brasil  - Mireya Molero  - Mireya Molero
Pussy Riot vem pela primeira vez ao Brasil
Imagem: Mireya Molero

Artista foi presa

Nadya se lembra como a prisão a ajudou a entender ainda mais sociedade onde vive.

"As mulheres na prisão não sabiam se organizar para proteger seus direitos. Elas eram estavam cansadas, sem esperanças e foram persuadidas a entender de que é melhor lutar umas contra as outras para agradar o sistema prisional do que lutar por direitos básicos", relembra.

Enquanto esteve presa, ela publicou cartas com relatos do estado degradante das prisões russas. "[Na cadeia] aprendi que a divisão nunca funciona. Juntas somos mais fortes".

A vida de Nadya representa duas realidades conflitantes na sociedade russa. Crescida no final dos anos 90, orgulha-se ao falar da mãe, uma mulher independente e ativista. Ao mesmo tempo, viveu em uma Rússia pós-soviética, atada a um estilo de governo centralizado, confusa e resistente em relação à liberdade individuais e ao novo fluxo cultural vindo de outros países.

"Minhas professoras eram mulheres fortes. Foi quando percebi que existia uma falta de equilíbrio entre gêneros na história, que foi sempre escrita por homens. Isso me deixou brava. Com oito anos, me assumi publicamente como feminista", diz.

Nadya tinha assumido o posto contrário quando foi presa. Era uma jovem mãe, e sua filha tinha apenas quatro anos. A recém-maternidade endossou a já má reputação de Putin entre analistas internacionais. Dois anos depois, o presidente concedeu perdão à ativista.

"Falo sobre política com minha filha desde que ela tinha 3 anos idade", diz. "Uma vez, estava em Londres e ela tinha 9 anos. Começamos a falar do [candidato à presidente norte-americano] Bernie Sanders, Obama, Trump e [do politico inglês Jeremy] Corbin. O motorista do táxi onde estávamos não entendia russo, e achou que éramos lunáticas. Mas acho lunático quem esconde política das crianças. A política estrutura nosso mundo". Ela recria contos-de-fada com personagens femininas para que a filha se sinta representada.

E o tempo passou...

Passaram-se oito anos do primeiro choque entre o grupo então formado só por mulheres com a sociedade russa e mundial. De lá para cá, a Rússia mudou... Em partes. Putin continua no poder, mas Nadya assistiu a um número maior e ainda mais relevante de mulheres se organizando.

Na Argentina, onde também se apresentou, o grupo endossou a campanha em prol da descriminalização do aborto. Por lá, as mulheres se organizam há anos para ampliar na Câmara e no Senado a liberdade sobre o próprio corpo.

Grupo assumiu autoria de invasão em final da Copa do Mundo da Rússia, no ano passado - @zepequee _ @somosbeba 1 - @zepequee _ @somosbeba 1
Grupo assumiu autoria de invasão em final da Copa do Mundo da Rússia, no ano passado
Imagem: @zepequee _ @somosbeba 1

"Em 2011, quando começamos o Pussy Riot, até mesmo companheiros que se uniam contra Putin tinham receio do feminismo", diz. Ela lembra de ser até excluída de protestos só por ser mãe.

"Ninguém ousa mais rir ou desconfiar. É cada vez mais óbvio para mais e mais pessoas que devemos colocar o mesmo tempo e a mesma energia em assuntos como criação dos filhos e salários iguais", conclui.