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"Eu me arrependi de fazer bariátrica. Gosto mais de mim gorda"

Juliana Rangel, 32, do Rio de Janeiro (RJ) - Arquivo Pessoal
Juliana Rangel, 32, do Rio de Janeiro (RJ) Imagem: Arquivo Pessoal

Natália Eiras

Da Universa

03/04/2019 04h00

A gastroplastia, também chamada de cirurgia bariátrica, pode parecer a solução de todos os problemas das pessoas acima do peso. Mas, além de complicada, a intervenção precisa ser acompanhada de um tratamento psicológico para cuidar da autoestima das pessoas que operam.

"É muito comum que, além das consequências clínicos, pacientes tenham problemas na adaptação para sua nova imagem", fala a psicóloga Laís Oliveira, especializada no atendimento de pessoas gordas. A rapidez no emagrecimento faz com que elas tenham dificuldade para se reconhecerem no espelho. "Elas podem ter problemas para se acostumar com o corpo magro".

A publicitária e co-fundadora do projeto Toda Grandona, festa com pegada body positive, Juliana Rangel, 32, do Rio de Janeiro (RJ), sabe bem como é isso. Ela emagreceu muito rápido, mas teve sequelas físicas, como perda de cabelo e deficiência alimentar. As consequências da intervenção a fizeram se arrepender de ter passado pela bariátrica. "O meu corpo atual é o mais bonito que já tive", fala.

Veja o relato dela a seguir:

"Eu nunca me achei feia, mesmo quando era uma gorda maior. Porém, na infância e adolescência, eu sofri muita gordofobia e isso foi muito marcante. Uma história que não esqueço foi quando eu tinha 15 anos. A gente não tinha muito dinheiro, mas a minha mãe quis fazer uma festa de debutante para mim. Ela deu entrada em um salão de festa, mas eu não encontrava vestido que coubesse em mim. Tive que ir até uma loja de noivas para encontrar algo que me servisse, mas eu era uma adolescente, não queria usar um vestido de casamento. Acabei não fazendo a festa e minha mãe perdeu dinheiro. Essas lembranças de privação por não ter o que vestir foram muito fortes.

Decidi fazer a bariátrica aos 20 anos, quando entrei na faculdade e não conseguia um estágio de jeito nenhum porque vestia manequim 56. A vaga ficava sempre entre mim e uma pessoa magra, com o mesmo currículo, mas a outra pessoa é quem era contratada. Nessa época, eu também estava cansada das pessoas não me assumirem emocionalmente. Elas ficavam comigo, mas não queriam ter um relacionamento. Então achava que minha vida seria mais fácil depois da operação.

Não se falava sobre body positive, não se falava sobre gordofobia. A única coisa que eu queria era ser igual aos outros. Eu também não me via representada na TV, não me via em nenhum veículo. A gente não tinha redes sociais como temos hoje. Como não falávamos sobre esse tipo de coisa, eu sentia uma necessidade de me sentir incluída.

O meu IMC era 40, então estava dentro do parâmetro para fazer a gastroplastia. Mas eu também tinha que ter problemas relacionados ao peso. Apneia do sono e problemas hormonais foram atribuídos ao meu peso. Foi assim que consegui operar.

No pós-bariátrica, a minha cabeça mudou completamente. Eu namorava uma menina, a primeira pessoa que me assumiu emocionalmente. Terminei depois de três meses porque, quando emagreci e vestia tamanho 40, as pessoas começaram a me olhar, a me desejar. Decidi, então, pegar todo mundo. Mesmo assim, quando ia para a cama, eu era fora do padrão porque estava flácida, tinha pele sobrando, os seios tinham caído. Com roupa, no entanto, o meu corpo era mais aceitável pela sociedade.

Eu me achava bonita magra, assim como eu me achava atraente gorda. Fiz a operação mais por uma questão social, tanto que, quando engordei novamente, eu percebi que não tinha nada de errado comigo, que não precisava ter passado por tudo o que passei por causa da bariátrica.

Mesmo depois de 12 anos desde a intervenção, eu não consigo comer carne vermelha e desenvolvi intolerância à lactose. Tenho deficiência de nutrientes, meu cabelo ficou ralo e as unhas quebradiças. Tem algumas frutas que não consigo comer porque o açúcar delas, a frutose, faz eu passar mal.

Se eu soubesse o que gordofobia é um preconceito social como eu sei hoje, eu jamais teria feito a bariátrica. Por que eu saberia que o problema não sou eu. Se vou a um cinema e não consigo sentar na cadeira porque ela não é grande o bastante, não sou eu que estou errada, mas o estabelecimento que não está preparado para receber todos os tipos de pessoa.

Aos olhos das pessoas, haviam duas Julianas: a pré-bariátrica, fracassada por ser gorda, e a pós-bariátrica, bem-sucedida por ter emagrecido. Ao engordar novamente, comecei a ser vista como fracassada duas vezes. Por isso, resolvi falar sobre as sequelas e o lado negativo da bariátrica nas redes sociais. Criamos, no Instagram, uma espécie de rede de apoio de mulheres gordas para que a gente saiba que está tudo bem sermos quem somos.

Tive que fazer muita terapia para me reconhecer novamente. Atualmente visto o número 48, porém o meu corpo de hoje em dia é o mais bonito que eu já tive. Não voltei ao peso inicial, sou uma gorda menor, mas mudei a forma que olho para mim mesma. Entendi que não tem nada de errado comigo, parei de me colocar para baixo. Fazer o movimento contrário salvou minha autoestima."