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Agredida por lutador no Rio de Janeiro: "Ter arma em casa não me ajudaria"

Elaine Caparroz foi agredida em seu apartamento no Rio de Janeiro - Ricardo Borges/UOL
Elaine Caparroz foi agredida em seu apartamento no Rio de Janeiro Imagem: Ricardo Borges/UOL

Luiza Souto

Da Universa

12/03/2019 04h00

Elaine Caparroz pega um croissant, pica em miúdos e coloca um pedaço por vez na boca. Mastigando lentamente, quase que sugando o café da manhã, ela explica: "levei mais de 60 pontos na boca, quebrei um dente perto da raiz, terei que trocar ao menos um e outros entortaram". 

Essa é uma das consequências da agressão sofrida pelas mãos do estagiário em Direito e lutador de jiu-jitsu Vinícius Batista Serra, em seu apartamento na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, na noite do dia 16 de fevereiro. O homem de 27 anos está preso e responderá ao crime de tentativa de feminicídio. Elaine, 55, prestará depoimento ao promotor de justiça nesta quinta-feira (14).

Teve mais: fratura no nariz e nos ossos que cercam os olhos e descolamento de retina. Sofreu perfuração da pleura (pulmão), insuficiência renal e anemia. Levará cerca de seis meses só para desinchar. Só depois desse período, os médicos avaliarão se e onde precisará de cirurgia reparadora. 

Evangélica, fala em perdão ao agressor, mas que "a justiça tem que ser feita". E decreta: se tivesse uma arma, poderia ter acontecido o pior. Após a repercussão do caso, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, escreveu em sua conta no twitter que uma arma de fogo "resolveria justamente este absurdo".

Elaine foi modelo durante 15 anos e viajou por 25 países. Interrompeu a carreira para se dedicar ao filho, aos 36 anos. Saiu de São Caetano do Sul, na região metropolitana de São Paulo, para morar com o lutador de jiu-jitsu Ryan Gracie, morto aos 33 anos em 2007 dentro de uma delegacia de polícia de São Paulo. Ele foi preso após tentar roubar um carro. Alterado, foi medicado e sofreu uma parada cardiorrespiratória por overdose de cocaína, conforme apontou laudo inicial do IML (Instituto Médico Legal). O filho Rayron Gracie, campeão mundial de faixa-azul juvenil, mora hoje na Inglaterra.

A paulistana Formou-se em Comércio Exterior, e também em paisagismo e jardinagem. Também atuou como corretora de imóveis até comprar um quiosque no Recreio, onde servia comida italiana. Tem um projeto de montar uma escola de estética a preços acessíveis. Diz que há meses não sai de sua cabeça a ideia de fazer algo para ajudar mulheres.

Ela está hospedada na casa de amigos, onde recebeu a equipe da Universa para falar do futuro. Na conversa, relatou outra agressão que viveu no passado.

Universa: Se você tivesse uma arma em casa, teria evitado o ataque?

Elaine Caparroz: Não. No meu caso, quando vi que estava sendo esmurrada, já estava encurralada, no chão, deitada no canto do quarto, o joelho dele em cima de mim, e ele me dando socos. Não tinha sequer condições de pegar uma arma ou o que fosse. E poderia ter sido perigoso. Se ele tivesse achado uma arma, quem pode garantir que ele não usaria essa arma contra mim?

Ter uma arma em casa protege as mulheres?

Se a mulher se sentir segura com isso, respeito a opinião dela. Eu, particularmente, não tenho desejo de ter arma em casa porque nem sei mexer com isso. Defendo um curso de defesa pessoal, porque teria evitado muitas coisas. Por exemplo. Coloquei os braços na frente do meu rosto, e quando ele veio me morder, enfiei os dedos na boca dele. Levei uma dentada que quase me arrancou três dedos. E quando ele veio para dar um mata-leão, segurei seu cabelo e impedi que ele encaixasse o golpe. A defesa pessoal é muito importante. Se as mulheres sentirem desejo de fazer, seria excelente. Tem muita gente ruim.

elaine caparroz - Ricardo Borges/UOL - Ricardo Borges/UOL
Elaine conseguiu evitar alguns golpes de seu agressor
Imagem: Ricardo Borges/UOL

Não acredito que ele tenha problema, até porque já foi atestado que não tem. Ele é mau. Inclusive já recebi mensagem de uma mulher dizendo que já foi perseguida por ele numa noite. Ele é um perigo para a sociedade.

Acredita que o Vinícius tenha problema psicológico?

Tenho um filho e sinto muito pelos pais dele. Deve ser muito triste para um pai e uma mãe terem um filho agressivo, que poderia ter um futuro promissor.

Você já sofreu violência doméstica?

Sim. Sofri violência psicológica por anos, dentro de um relacionamento que tive após minha separação com o Ryan. Ele sumia por três dias, ou avisava que não passaria o Rèveillon comigo na véspera e viajava, saía de madrugada. Mas quando ele chegava, falava que me amava e que eu era a mulher da vida dele. Uma vez, me deu um puxão no cabelo que senti o meu couro cabeludo descolar da cabeça. Foi uma dor horrível. Fiquei em estado de choque. Estava numa pizzaria com duas amigas. Mesmo assim, continuei com ele. 

Por que continuou?

Ele dizia, do nada, "sua hora está chegando", e me deixava em pânico. Fiquei abalada psicologicamente. Sentia uma dependência, uma carência afetiva e sexual, porque nos dávamos muito bem na cama e achava que o amava muito. Não conseguia colocar meu amor próprio acima do que ele fazia. E ficava justificando as atitudes ruins dele, porque ele era bom pra mim, falava que me amava. Eu pegava mensagens de mulheres pra ele. Isso vai minando sua autoestima. É um tipo de violência muito brutal.

Como saiu disso?

Precisei de ajuda psicológica, porque tive depressão profunda. Ia de três a quatro consultas por semana, escondida dele. Em duas semanas de terapia, compreendi o que estava acontecendo e tive forças para mandar ele ir embora da minha casa. Mesmo assim, continuamos tendo um romance por um ano. Foi uma dependência muito grande. Você acha que precisa aprender a lidar com isso, a administrar a relação. Achava que era era a heroína por carregar a relação nas costas.

E qual o papel que a mãe de um menino tem para que se evite esse tipo de violência?

Eu ensinei meu filho a ser respeitador e sempre fomos amigos, muito próximos. Ele era muito pequeno quando perdeu o pai. Mas o pai dele também era presente, uma boa pessoa pra ele, como os pais devem ser. Moramos por apenas seis meses, mas ele seguiu sendo meu parceiro no cuidado com nosso filho. 

Eu não acho que errei ao receber o Vinícius em casa. Agi como qualquer mulher poderia ter agido.

Você acha que fez algo errado?

Ainda desmarquei muitos encontros propostos por ele durante esses oito meses, porque não tinha vontade de conhecê-lo. De verdade. Naquele dia, confesso que estava carente. Estava no mercado, ia comprar vinho, e assistir a um filme sozinha, então acabei aceitando. E nosso combinado foi que ele iria passar lá em casa e decidiríamos lá se íamos sair. 

Você lembra de mais detalhes, do que ele falava enquanto te agredia?

Não. Nossas conversas foram breves. Ele chegou, brindamos, comemos queijo, meu filho me ligou e falei com ele por quase 15 minutos. Depois colocamos um filme de terror. Lembro que era uma porcaria e trocamos. Aí senti como se o ambiente da sala tivesse saído da realidade e virado um sonho. Senti algo estranho. Nem lembro como fui da sala para o quarto. Eu tenho convicção de que fui drogada.

Como ele se aproximou de você?

Ele quem me abordou, me pediu amizade e começou a comentar as fotos que eu postava no Instagram. Na época, por acaso o Rayron havia postado uma foto comigo, falando "matando a saudade da minha mãe". Mas ele não conhece o Vinícius, porque já perguntei. 

Durante essas quatro horas de agressão, como explica ninguém ter atendido seus pedidos de socorro?

Não entendo. Acho um absurdo. Minha amiga, que me socorreu, disse que mesmo quando me encontrou no corredor, numa situação lastimável, ficou batendo nas portas para alguém ajudar a me colocar para dentro. Alguém ainda falou: "fica calma porque a ajuda já vai chegar". 

Você está morando na casa de amigos. Não quer voltar para lá?

Não. Graças a Deus tenho meus amigos. É complicado passar pelo que passei e ser obrigada a ficar lá. Fui duas ou três vezes para pegar roupas e me senti supermal. O apartamento já está limpo, mas as paredes estão totalmente manchadas, porque sangue não sai. Tem móveis quebrados. O sofá, terei que jogar fora, porque está todo manchado de sangue e ficou um cheiro forte. Era sangue pelo apartamento inteiro. Por isso precisamos de acolhimento para as vítimas. Muitas vezes a mulher não consegue se separar por não ter para onde ir.

Perdoar Vinícius Serra? Complicado dizer. Prefiro deixar claro: perdoo ele, mas a justiça tem que ser feita. Não quero carregar esse horror que ele fez comigo porque vai me prejudicar mais. Eu libero perdão para ele porque quero me libertar, não porque tenho dó ou gosto dele.

E seguirá sua vida, paquerando a forma como for, se assim quiser?

Sim. Sem sombra de dúvida. Sou movida pelo sentimento, pelo amor verdadeiro. Não gosto de sair por sair, mas de relacionamentos duradouros. Ouvi de uma mulher próxima a mim que eu deveria me esconder, porque o que aconteceu comigo foi uma vergonha. Ela que deveria se esconder. Vergonha é para o agressor. Não vejo problema de aceitar convite de alguém e sugerir que seja no meu apartamento.

Vai atuar pela causa?

Sim. Estou recebendo muitos relatos e pedidos para que eu assuma essa postura. As  mulheres me pedem para continuar sendo forte e corajosa para falar por elas. Serei madrinha de um projeto que vai cuidar de mulheres carentes, na Lapa.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do informado na reportagem, São Caetano do Sul não está no interior de São Paulo e sim na Região Metropolitana. O erro já foi corrigido.